Casal Dominique Abel e Fiona Gordon volta aos cinemas com uma comédia pastelão com tons de suspense de filme noir
Texto por Abonico Smith
Foto: Pandora Filmes/Divulgação
Por não exigir muito do raciocínio da audiência, a comédia pastelão nem sempre é vista por bons olhos entre os estudiosos e adeptos do gênero. Basta um gesto fora do comum, uma distorção facial ou um pequeno entrevero entre personagens de uma mesma cena para a gargalhada correr frouxa. Funciona muito bem com crianças, embora boa parte de um público mais crescido também se renda a isso. Na época do cinema mudo, Buster Keaton e Charlie Chaplin eram os reis desta vertente. Outros grandes nomes foram O Gordo e O Magro, Os Irmãos Marx e Os Três Patetas. Na segunda metade do século 20, comediantes como Peter Sellers, Mike Myers e Jim Carrey se aventuraram pelo terreno. Na TV, séries como Os Trapalhões, Mr. Bean e Chaves conquistaram fãs por anos e anos e anos.
O belga Dominique Abel é um exímio representante do pastelão. Faz tempo ele, ao lado da esposa australiana Fiona Gordon, com quem atua sempre em dupla, também assinando desta maneira direção, roteiro e produção, aposta nisso em seus filmes. A empreitada mais recente do casal se chama A Estrela Cadente (L’Etoile Filante, 2023, Bélgica/França – Pandora Filmes) e chegou no último fim de semana aos cinemas brasileiros. E não se preocupe em entender muita coisa do que aparece nas telas. Aqui, o sentido é não fazer assim tanto sentido assim. Rir é a melhor solução.
Basicamente o enredo trata de um procurado veterano ativista político que, depois de se envolver em um atentado com bomba quase quarenta anos atrás, esconde-se pacatamente em uma esquina de Bruxelas como um proprietário de boteco de codinome Boris. Ele e sua mulher Kayoko (Kaori Ito) primam pela discrição. E proteção também, já que mantém um amigo armado do lado de fora da porta para eventual necessidade. Tudo começa a mudar quando Dom (apelido pessoal de Abel) é reconhecido e ameaçado por uma vítima de seu ato atroz dos anos 1980 que deseja vingança. Então, o casal traça um plano de trocar o lugar de Dom com um sósia para colocá-lo por trás do balcão do bar (cujo nome dá título ao filme) e fugir com tranquilidade e prosseguir em paz com a vida e o passado sem punição.
A partir disso quem assiste ao longa só pode ter uma certeza: tudo, mas absolutamente tudo pode vir a acontecer. Sobretudo quando estão em cena Abel e a atriz e dançarina Ito, capazes de fazer qualquer coisa física. O que destaca uma extrema qualidade da comédia pastelão: o perfeito entrosamento dos atores, muitas vezes precisando funcionar milimetricamente cronometrados como um relógio atômico. A química entre os dois é tamanha que nem é preciso ter muito diálogo quando eles aparecem.
A comédia pastelão é o único elemento revivalista da obra, contudo. Há também um resgate do suspense dos filmes noir, mesmo sem tanta penumbra assim como no auge deste subgênero em Hollywood. O suspense pode acontecer de dia mesmo ou em ambientes iluminados, inclusive abusando de cores fortes (como o vermelho do Kayoko e da camisa de Boris). Há ainda a presença de uma detetive, Fiona (interpretada por Fiona Gordon), encarregada de investigar o sumiço do sósia Boris mas tão distraída, confusa e atrapalhada quanto determinada em resolver o caso.
Depois de perseguição, sequestro, fuga de hospital e até mesmo uma hilária cena envolvendo um descontrolado braço mecânico, a história quase acaba em… rock’n’roll. Quer dizer, na surf music instrumental de Link Wray, o pai da distorção na guitarra. São dois números (um deles o clássico “Rumble”) que envolvem um maluco balé em pleno interior do boteco, com participação de Dom, Kayoko, Fiona e boa parte do resto do elenco. Tente você, nesta hora, conseguir entender qualquer coisa no filme
Em tempo: há uma conexão brasileira em A Estrela Cadente. A gaúcha radicada na França Dom La Nena, multiinstrumentista e cantora, mais conhecida por sua atuação no violoncelo e com boa carreira transitando entre os mundos erudito e pop, é uma das duas autoras da trilha sonora.