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David Contra os Bancos

Como um milionário de uma pequena cidade inglesa desafiou a rigidez do sistema financeiro do seu país para ajudar a população local

Texto por Abonico Smith

Foto: Synapse/Divulgação

Eles podem até não ter inventado o primeiro banco da História, mas fizeram disso uma verdadeira instituição do Reino Unido. Adam Smith, considerado o pai do liberalismo econômico, nasceu lá. Por isso tudo é tão sólido na área financeira, a ponto de empresas desta área serem ultratradicionais e seculares por lá. Mas também este é um clube tão seleto que é para poucos: há mais de cem anos ninguém consegue ter uma licença para abrir um banco novo por lá. Quer dizer… ninguém conseguia! Dave Pickwick furou sorrateiramente o bloqueio em 2011.

Self-made man, Dave veio da classe trabalhadora. Fez fortuna com sua empresa na área de vans e ônibus na cidade de Burnley, situada no noroeste da Inglaterra, na periferia de Manchester. Assim como o grande centro industrial próximo, Burnley ganhou fama por ser uma importante cidade, mas no ramo fabril. Contudo, seu setor manufatureiro entrou em decadência e a economia local foi ruindo, ruindo, ruindo… até Dave ter uma solução brilhante: emprestar dinheiro para a população abrir e investir em seus pequenos negócios. Pickwick não descendia de família da elite, de posses. Por isso seu dia a dia sempre foi diferente. Apesar de milionário, gosta de estar entre os iguais. Gente simples, do povo. Janta e bebe com eles, canta com eles em um karaokê noturno. Compadece-se por suas necessidades e empresta o dinheiro que sobra em abundância no bolso. Em troca, ganha a amizade, o respeito, o sorriso de quem recorre a ele em momentos de necessidade. Detalhe: nenhum pagamento de dívida deixou de ser honrado. Até que, motivado por uma sugestão de amigo, empreende uma campanha para driblar as portas fechadas e abrir o seu próprio banco, o Bank of Dave. Em nome do povo de Burnley e de continuar movendo a engrenagem que banca o cotidiano da localidade.

Esta história é real e inspirou o filme David Contra os Bancos (Bank of Dave, Reino Unido, 2023 – Synapse). O longa-metragem se equilibra entre a comédia e o drama, sem pesar a mão para qualquer um dos lados. Além de retratar a batalha travada nos bastidores por Pickwick em busca de seu grande objetivo, a trama também enfoca todo o esforço do jovem advogado Hugh, trazido de Londres a Burnley por Dave para capitanear a luta por convencer o intransigente sistema bancário do Reino Unido para abrir uma exceçãozinha em nome do povo (afinal, o milionário está satisfeito com seu bem sucedido negócio principal, não quer embolsar mais dinheiro e planeja distribuir todo o lucro obtido após a abertura da instituição para caridade). Em meio aos perrengues, o jovem conhece a dedicada médica plantonista Alexandra, com quem vai construindo uma sólida relação que também se equilibra em outra linha tênue, a da amizade com o romance.

Com elenco britânico famosinho mas nem tanto assim (Rory Kinnear faz o milionário; Joel Fry, o advogado; Phoebe Dynevor, a médica; no currículo deles estão séries como Penny Dreadful e Bridgerton e filmes como Yesterday e O Jogo da Imitação), o longa parece de uma deglutiçãoo um pouco mais complicada no início, justamente por se aprofundar mais em termos do economês. Aos poucos, porém, a fluidez vem chegando e ele se torna palatável, leve, divertido. Uma típica produção da Netflix. Aliás, Bank of Dave foi lançado pela Netflix… Lá fora, no país da história e seus atores. Aqui no Brasil, chegou aos cinemas semana passada por uma distribuidora independente, que, curiosamente, adotou no título em português o prenome do milionário e não o apelido, que deu até nome ao próprio banco dele – tudo por um trocadilho que liga a trama com a história bíblica do pequeno herói que luta contra o gigante Golias e o vence mesmo com tudo desfavorável a ele.

Sendo assim, também não poderia faltar música regando aos poucos a narrativa. Primeiro porque o protagonista não só ama passar horas no karaokê de Burnley, sempre cantando rock. Depois, claro, uma famosa banda britânica aparece na parte final em uma participação importante e decisiva para o desfecho. E que torna um tanto mais divertida essa biopic.