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A Pequena Sereia

Live action de clássica animação da Disney traz 52 minutos adicionais, novas canções e Halle Bailey impressionando como Ariel

Texto por Carolina Genez

Foto: Disney/Divulgação

Ariel é a filha caçula do Rei Tritão, governante dos sete mares. Por ser a mais nova, a pequena sereia vive sob regras extremamente restritas que em principal a proíbem de ir até a superfície e interagir com os humanos. Curiosa, magoada pelo pai e determinada a conhecer o mundo acima da água, ela é seduzida pelas promessas da bruxa Úrsula, que oferece pernas em troca da voz da garota.

A primeira adaptação do conto de Hans Christian Andersen produzida pela Disney em 1989 teve um grande peso dentro da empresa, sendo responsável por salvar o departamento de animações do Mickey Mouse, que estava passando por um período difícil depois de fracassos comerciais entre os anos 1970 e 1980. Com uma princesa muito carismática e músicas animadas, o longa abriu portas para outras produções como A Bela e a Fera e O Rei Leão e chegou inclusive a ser indicado a três estatuetas do Oscar, levando duas para casa. Por causa da relevância e da qualidade do seu antecessor, as expectativas em cima do live action anunciado para chegar aos cinemas em 2023 estavam altas.

Eis que estreia nesta semana a nova versão de A Pequena Sereia (EUA, 2023 – Disney), agora com atores. O roteiro de ambos os filmes são bem similares, contando inclusive com alguns mesmos diálogos. Porém, com 52 minutos adicionais, o live action consegue acrescentar momentos e músicas, alem de desenvolver melhor cada um dos personagens de uma maneira que melhora e complementa a história mas ainda mantém a essência que o desenho trouxe para a narrativa. Essas mudanças foram aprovadas não só pelos fãs da animação como também pela atriz Jodi Benson, que deu a voz à princesa Ariel no longa de 1989.

O filme de 2023 abre com uma citação do próprio Hans Christian Andersen (“Uma sereia não tem lágrimas, assim ela sofre muito mais”), que fica com o espectador do começo até o final, principalmente nas cenas mais dramáticas. As novas músicas também se destacam ao longo da história, sendo acrescentadas de maneira orgânica e trazendo muito para dentro da narrativa. A trilha sonora original foi escrita por Alan Menken. Já para o live action, o compositor recebeu a ajuda do talentosíssimo Lin Manuel-Miranda.

Outra das mudanças positivas foi o melhor desenvolvimento da personalidade de Eric. Aquele de 1989, comparado com os príncipes encantados das outras princesas da Disney, tinha bastante personalidade mas não o suficiente para os dias de hoje. Agora Eric não só ganha uma música para chamar de sua, como também somos apresentados aos seus sonhos e vontades, similares às de Ariel (louco para explorar o mundo embora sua mãe queira que ele fique na proteção de seu palácio). Esse acréscimo, apesar de simples, permite com que os espectadores também se conectem com o personagem e faz com que o amor entre os dois personagens seja mágico porém mais natural.

 O romance dentro do filme também foi bem desenvolvido com esses minutos adicionais. Na animação isso já fora bem executado – apesar da intensidade de amor à primeira vista, por ter cedido sua voz, Eric não reconhece Ariel e assim acaba se apaixonando “novamente” pela garota de maneira gradual ao longo da história. No live action o foco na relação é grande, com diversas cenas em que os personagens percebem o quanto têm em comum e aproveitam a companhia um do outro – o que torna a narrativa ainda mais envolvente, também pela química dos atores.

Por falar em romance, durante o longa em diversos momentos é colocada de maneira clara a independência de Ariel, algo muito questionado ao longo dos anos. A princesa sempre quis conhecer a superfície e Eric e sua paixão foi apenas mais um motivo a mais. Dentro do filme, além de “Part Of Your World”, que já expressa as vontades da garota, a nova canção “For The First Time” mostra com perfeição a personalidade da sereia curiosa, determinada, querendo conhecer o novo mundo mas ainda assim assustada com as novidades. E tudo isso na voz potente de Halle Bailey.

A atriz e cantora aqui entrega uma performance digna de longos aplausos, encarnando perfeitamente como Ariel e sendo o verdadeiro destaque dentro do filme. Bailey dá vida a uma protagonista muito corajosa e apaixonante, com muito da essência daquela de 1989, mas construindo a personagem à sua maneira. Desta maneira, impressiona e cativa desde o primeiro momento. E a voz potente da atriz engrandece todas as músicas do filme, desde aquelas que canta solo até as que acompanha em segundo plano. Halle também impressiona pela expressão corporal e performance nas cenas em que Ariel fica sem voz.

Assim como no primeiro filme, os coadjuvantes também não ficam para trás. Aqui a temida Úrsula é vivida pela carismática Melissa McCarthy, que traz uma performance exagerada (num bom sentido) e extremamente debochada. Sua atuação bem teatral fica perfeita para a personagem. Já os amigos de Ariel estão muito afiados, apesar de realistas demais. Linguado (Jacob Tremblay) é extremamente fiel a Ariel e traz divertidos momentos principalmente no começo do filme. Já Sebastião (o talentoso Daveed Diggs) é o braço-direito do rei Tritão e ajuda a princesa a sair de sua enrascada trazendo uma maravilhosa performance da música “Under The Sea”. Por fim, a dublagem de Sabichão acaba incomodando um pouco pela voz da atriz Awkwafina ser extremamente reconhecível. Ainda assim, traz engraçados momentos e recebe uma música só sua, “The Scuttlebutt”, com traços reconhecíveis das obras de Lin Manuel-Miranda.

A Pequena Sereia também ganha muito com os avanços tecnológicos e transporta os espectadores para um mundo mágico, tanto embaixo da água quanto na superfície. Sob o mar tudo é muito colorido e quase viciante de se olhar por causa de diversas criaturas e cenários maravilhosos. O CGI e a maneira natural como Ariel se movimenta também impressionam. Já em terra temos a chance de explorar mais do castelo e da cidade de Eric, ambos também recheados de cores e objetos interessantes. Isso faz entender ainda mais a curiosidade de Ariel.

Apaixonante, satisfatório e divertido, o novo filme consegue emplacar como uma das melhores adaptações feitas pela Disney nessa leva de live actions. Prende os espectadores do começo até o fim, melhorando a narrativa de 1989 e apresentando uma ótima performance de Halle Bailey.

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Guardiões da Galáxia Vol. 3

Encerramento da trilogia do grupo de anti-heróis da Marvel conta a história do carismático guaxinim Rocket Raccoon

Texto por Andrizy Bento

Foto: Marvel/Disney/Divulgação

“Esta história sempre foi sua, você só não sabia disso”. O filme que encerra a trilogia da equipe mais disfuncional do MCU dá protagonismo ao carismático Rocket Raccoon e é um gigante megalômano com qualidades, defeitos e muito coração. Em suma, um filme muito humano.

Mesmo dentre os marvetes, há quem torça o nariz para os longas dos Guardiões da Galáxia. Mas a característica principal que sempre admirei nos filmes do grupo é o quão autossuficientes e independentes eles conseguem seguir do restante dos exemplares do MCU. Diferentemente dos demais, com seu caráter episódico, as obras dos Guardiões caminham mais com as próprias pernas, obviamente fazendo referências a toda estrutura Marvel nos cinemas, com citações e alusões a personagens e eventos ocorridos nos outros filmes da casa. Mas não é tão descaradamente um tie-in como seus pares, concentrando-se em contar uma história com começo, meio e fim, desenvolver seus personagens e trabalhar a dinâmica entre eles. Desse modo, esses longas têm o mérito (e em termos de MCU, é um mérito de fato!) de poderem ser curtidos independentemente de se ter visto as outras produções do estúdio ou não. O maior responsável por isso é o cineasta James Gunn, que assina a trilogia e é, seguramente, um dos poucos diretores autorais a assumir uma empreitada cinematográfica com o selo Marvel.

O desfecho da trilogia, Guardiões da Galáxia Vol. 3 (Guardians Of The Galaxy Vol. 3, EUA/Nova Zelândia/Frnça/Canadá, 2023 – Marvel/Disney) narra a história do misterioso personagem Rocket Raccoon (Bradley Cooper), que sempre carregou consigo uma revolta pela sua condição mas nunca explicitou, de fato, os motivos que o levaram a ser como é. Ele sempre optou por omitir detalhes sobre a origem de sua natureza adulterada, embora deixasse evidente o rancor consequente das modificações genéticas sofridas. Enfim, temos acesso a esse background e nos deparamos com uma história trágica que envolve experimentos científicos cruéis e desumanos com animais e, posteriormente, crianças. O responsável por isso, denominado Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji), intenta criar uma raça superior em um mundo perfeito. Já cegado pela sua obsessão, tomado pela ganância e completamente desprovido de qualquer traço altruísta, ele sequer enxerga as falhas em seu plano que resultaram no fracasso e tende a repetir o mesmo trajeto e conclusão de modo sucessivo. Sem se aprofundar muito nas temáticas mais espinhosas, Guardiões da Galáxia Vol. 3 é uma metáfora das próprias falhas da humanidade e do mau uso da ciência e tecnologia, que ultrapassa os limites éticos e morais, e da utilização de animais como cobaias para experimentos genéticos vis em laboratórios. No entanto, essas discussões se restringem a um plano mais superficial, em ordem de privilegiar a diversão e os efeitos especiais – marca registrada de qualquer filme da Marvel.

O longa abre com a toada melancólica de “Creep”, do Radiohead, em versão acústica, que Raccoon ouve no MP3 player de Peter Quill (Chris Pratt) enquanto este se embriaga pelo sofrimento da ausência de Gamora (Zoë Saldaña). A música, acompanhada pela voz martirizada de Raccoon, reflete sua própria natureza, bem como a cena ilustra a essência dos Guardiões da Galáxia no cinema: emocional e bem-humorado. Até agora, todos os filmes da equipe se comprometeram a arrancar risadas e lágrimas dos espectadores, com igual intensidade. E não é diferente neste terceiro exemplar.

Após o ataque súbito de um inimigo desconhecido – mais tarde identificado como Adam Warlock (Will Poulter) – a Luganenhum (QG, refúgio e cenário habitual das aventuras do grupo), Rocket acaba severamente atingido e, devido a um dispositivo letal presente em sua estrutura, não há meios de socorrê-lo. Na correria para salvar sua vida, os Guardiões devem unir a banda toda novamente, inclusive a Gamora da linha temporal ramificada e alternativa que emergiu em Vingadores: Ultimato – rebelde, impulsiva, egoísta, sem um traço da estoica que fora sacrificada por Thanos em Guerra Infinita e que não apresenta um resquício de sentimento por Peter Quill, rendendo sequências verborrágicas do autodenominado Senhor das Estrelas, que não hesita em expressar toda a sua mágoa e ressentimento. Obviamente, essa Gamora não possui qualquer interesse em salvar o guaxinim. Ela entra nessa para um objetivo específico dos Saqueadores, grupo espacial de criminosos chefiado por Stakar Ogord (Sylvester Stallone), ao qual se uniu após a morte de seu pai, Thanos (Josh Brolin).

Juntos novamente, os Guardiões precisam partir para o perigoso território do “criador” de Rocket e se infiltrarem na Orgocorp, uma empresa intergaláctica de bioengenharia fundada pelo Alto Evolucionário. Enquanto permanece desacordado e com a vida por um fio, toda a trajetória do guaxinim vai passando por sua mente e tomando a tela por meio de flashbacks. Há de se destacar o quão expressivos e tridimensionais são Raccoon e seus amigos do passado, também vítimas de modificações genéticas – mais do que muitos heróis que protagonizam as produções da casa, convém dizer.

Um dos pontos fracos dos filmes da Marvel Studios está em criar sólidos vilões, sempre apresentando nêmesis descartáveis para seus heróis (exceto por Thanos, que foi bem construído). Neste Guardiões não é muito diferente, mas pelo menos a performance do ator garante um inimigo deliciosamente histriônico pelo tempo em que acompanhamos a narrativa. Mais uma vez, uma produção do MCU exagera no CGI e na megalomania (maior e mais intensa a cada novo longa lançado). É realmente tão difícil assim criar uma boa história de super-herói sóbria e sem tantos excessos? Não. O último Batman nos provou isso, mas parece que Kevin Feige e sua turma não estão muito interessados nessa conversa. Outro ponto em que o filme peca é nos excessos musicais, nas tiradas cômicas e nas criaturas estranhas.

A trilha sonora dos longas dos Guardiões continua sendo a melhor da Marvel. Contudo, neste terceiro volume nem sempre as faixas surgem organicamente; ainda que pontuais e correspondentes a cada momento, é muito tempo desperdiçado com música embalando cenas que poderiam durar metade do tempo, enquanto diversos subplots são desfavorecidos. Nem todas as piadinhas funcionam, pois algumas soam por demais forçadas e com timing errado diante da necessidade de colorir o longa de humor. Quanto às criaturinhas que invadem a tela… Bem… A estética de sci-fi B dos anos 1970 e 1980 que os Guardiões da Galáxia evocam é sempre deliciosa de se apreciar e mostra que não há muito compromisso de se levar a sério demais, existindo com o propósito pleno de diversão. Nisso, este filme, bem como os demais, é honesto em suas intenções e carregado de despretensão. Mas o terceiro volume, em particular, exagera na concepção visual. De qualquer forma, tem um fundamento, afinal é de forma a alicerçar toda a estética de espaço exterior já introduzida nos episódios anteriores. E, como dito anteriormente, não é para se levar a sério.

Ainda no que se refere ao visual, a cinematografia por vezes vacila ao não valorizar a batalha das cenas com movimentos muito rápidos de câmera, embora no que concerne aos planos estáticos haja muito primor na composição dos frames, especialmente no que diz respeito ao jogo de luz e sombras (em perfeita alusão aos quadrinhos). Também há falhas visíveis e gritantes na montagem, com cortes muito secos e abruptos, que deixam os espectadores desnorteados em vários momentos. Mas o maior pecado do longa é o fato de transformarem Adam Warlock em um bobalhão… O personagem que, nas HQs, já conseguiu derrotar o poderoso Thanos, dá as caras pela primeira vez no MCU e se converte em uma enorme decepção, surgindo não apenas deslocado na narrativa, como estupidamente infantilizado.

Os méritos, ainda bem, se apresentam em muito maior número: além de focar sua narrativa no cativante Rocket Raccoon, preocupar-se em contar uma história com início, meio e fim, e proporcionar uma excelente, ainda que curta, batalha em plano-sequência (uma das mais divertidas e memoráveis do filme), Gunn se arrisca ao investir em mais violência e cenas de horror que tornam louvável o malabarismo do diretor em manter o longa no PG-13.

Guardiões da Galáxia Vol. 3 não é tão emocionante quanto Vingadores: Ultimato, como alguns exagerados afirmaram por aí. É um ótimo filme, superior a Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, e que deve agradar especialmente aqueles que já curtiram os Guardiões nas obras anteriores. Destaca-se como uma das gratas surpresas de uma safra tão esquálida como foram a Fase 4 da Marvel e o início da Fase 5, com o último longa do Formiga. James Gunn é um cineasta vaidoso, excêntrico e, por vezes, caprichoso. Mas sabe como administrar bem um elenco numeroso e contar uma boa história com coração e humanidade nas telas. Sobretudo, nutre evidentes carinho e paixão pelo marginalizado grupo de anti-heróis que ficou incumbido de transportar para o cinema. E só isso já o torna uma das maiores aquisições e uma das mais sentidas perdas para o MCU, já que provavelmente, ele não retornará mais ao posto de diretor de um filme da franquia (não sei se vocês sabem, mas James virou um dos chefes da rival, DC Studios). Mas esperamos que seu exemplo seja seguido.

Series, TV

Stranger Things 4

Quarta temporada da série da Netflix traz o novo vilão Vecna e os personagens adolescentes agora mais crescidos e em diferentes lugares

Texto por Tais Zago

Foto: Netflix/Divulgação

Foram longos três anos de espera, mas finalmente no dia 27 de maio estreou na Netflix a tão aguardada quarta temporada do cult hit Stranger Things. Poucas séries reuniram, até hoje, um fã-clube tão leal ao nível de Game Of ThronesLosou The Walking DeadStranger Things repetiu essa façanha. Há exatos seis anos estreava na plataforma de streaming uma nova viagem cultural aos gêneros da nossa infância, primeiro embarcando no hype do revival dos anos 1980 e depois permanecendo pela competência de seus atores e criadores.

Pensando nisso os irmãos Duffer, criadores da série, não economizaram esforços (e dinheiro) e nos apresentam um show de opulência em episódios que, por vezes, ultrapassam uma hora de duração. Para aumentar ainda mais a expectativa (e despedaçar a paciência dos fãs mais afoitos), essa quarta viagem ainda foi dividida em duas etapas. A primeira trouxe sete deles, adiando o showdown em forma de dois episódios – incluindo um gran finale com a extensão de um longa – para o primeiro dia de julho. Sim, Netflix quis fazer render um de seus carros chefes e nós, como fãs, obviamente, aceitamos as regras.

Nessa nova etapa, batizada Stranger Things 4 (EUA, 2022 – Netflix), reencontramos nossos “heróis” crescidos, apesar de temporalmente ter se passado apenas alguns meses do fim da terceira temporada – o hiato de três anos nas produções, devido à pandemia, não permitiu que fosse diferente. Estamos agora diante de adolescentes, não mais de crianças, assim como os personagens os temas abordados se tornam mais maduros. O monstro da vez, ainda que coabitante do Mundo Invertido (Upside Down), não é mais um Demogorgon ou um Demodog – criaturas que tem como mero objetivo se alimentar e dominar humanos. O novo monstro, curiosamente nomeado Vecna, inspirado nos jogos de Dungeons & Dragons da garotada, quer possuir e manipular os vulneráveis que encontra pelo seu caminho. 

Para complicar ainda mais as coisas, temos a divisão da história em três diferentes locações. Na Califórnia, seguimos a trajetória de Eleven (Millie Bobby Brown), Joyce (Winona Ryder), Will (Noah Schnapp) e Jonathan (Charlie Heaton), na tentativa de reconstruir uma nova vida após os acontecimentos do final da terceira temporada. O segundo grupo, em Hawkins, é formado pelo resto da patota – Mike (Finn Wolfhard), Dustin (Gaten Matarazzo), Lucas (Caleb MacLaughlin), Max (Sadie Sink), Steve (Joe Keery), Nancy (Natali Dyer) e Robin (Maya Thurman-Hawke) – e tenta se adaptar a mais um ano de escola e trabalha os traumas e as cicatrizes deixadas pelos monstros. Vem ainda um terceiro cenário representando uma prisão russa em meio ao severo inverno siberiano, cujo significada aprendemos logo nos primeiros capítulos. Além disso, ainda voltamos para a “clínica” onde Eleven fora criada e treinada: passeamos pelo seu passado, revisitamos antigos personagens e conhecemos novos. Com tantas pontas soltas, pode ficar meio difícil dedicar a mesma atenção para todos os acontecimentos paralelos. Impossível captar todas as referências ao cinema e à cultura popular norte-americana da década de 1980. Porém, todos esses enredos estão interligados, como um quebra-cabeça que começamos a montar pelas beiradas e no final nos leva para o encontro no centro.

Esteticamente, mais uma vez, não são poupados esforços em matéria de ambientação, cenários, música e efeitos especiais. O investimento material foi pesado e o resultado visual é bastante convincente, inclusive incorporando a mais recente febre do CGIs – o “rejuvenescimento” digital de atores para cenas de flashback. Mesmo com tudo isso nas mãos, alguns episódios parecem um tanto arrastados, pelo menos para o ritmo ao qual estamos acostumados nesta franquia. É inegável que Stranger Things tem ainda os seus momentos – num deles, em especial, roemos as unhas até os cotovelos tendo como pano de fundo a maravilhosa Kate Bush e seu hino “Running Up That Hill” (automaticamente catapultado, depois disso, para o primeiro lugar nas paradas musicais dos Estados Unidos, um lugar onde a artista nunca esteve) ou gargalhamos com as trapalhadas de Eddie (Joseph Quinn) e Argyle (Eduardo Franco), dois novos personagens apresentados como alívio cômico em uma temporada especialmente tensa e macabra repleta de situações de bullying, gore e terror psicológico.

Stranger Things cresceu e passa pela puberdade. Com isso, em nenhum momento deixa de fora o teenage angst de seu cardápio de atrocidades onde adultos continuam como personagens aleatórios e alienados enquanto os jovens, praticamente sozinhos, salvam o mundo nos quintais de Hawkins. E se após tudo isso alguém ainda não se sentiu compelido a assistir, cito como argumento final a brilhante participação de Robert Englund, que interpretou o icônico vilão Freddie Krueger na famosa franquia A Nightmare On Elm Street (A Hora do Pesadelo, no Brasil), em um dos episódios.

Movies

Moonfall: Ameaça Lunar

Diretor expert de filmes-catástrofe põe o planeta sendo ameaçado pela Lua em ritmo mais lento que o habitual do gênero

Texto por Flávio Jayme (Pausa Dramática)

Foto: Diamond/Divulgação

Filmes-catástrofe geralmente têm uma fórmula básica, uma cartilha que todos seguem: uma ameaça (natural ou alienígena) coloca o planeta em risco. Um astronauta ou cientista descobre antes de todo mundo mas é desacreditado. Então o caos começa, o governo americano admite o problema e uma equipe, geralmente de pessoas com sérios problemas familiares, é colocada para resolver a situação. No final, uma morte ou outra e o salvamento do planeta. Palmas para todos.

Com raríssimas exceções, este é o plot básico do gênero. E aí você pode colocar longas como 2012O Dia Depois de AmanhãArmageddonIndependence DayPresságio e por aí vai. Dos melhores aos piores. Claro que os filmes assim extrapolam as linhas do absurdo: cidades devastadas, cobertas pela água ou engolidas por terremotos, asteroides, explosões e muita ação.

Mas por que estou falando disso tudo? Porque Moonfall: Ameaça Lunar (Reino Unido/China/EUA, 2022 – Diamond), que acaba de chegar aos cinemas, tem tudo isso. Marca com louvor todos os itens da cartilha.

Na história do novo longa de Roland Emmerich (um mestre do gênero, diretor de 2012O Dia Depois de Amanhã e Independence Day), Jon Bradley (da série Game of Thrones) é KC, um aspirante a cientista e astronauta que não conseguiu chegar muito longe na vida. De seu quarto, ele descobre que a lua está mudando sua órbita e que, em breve, irá se chocar com a Terra (lembra que falei do absurdo, né?). Claro que ninguém acredita nele, até que a informação também é descoberta pelo governo americano e vaza para o público. O planeta fica, então, nas mãos de Jocinda (Halle Berry) e Brian (Patrick Wilson), dois astronautas que dez anos atrás viraram párias por um acontecimento em uma missão na lua. Claro que os dois têm famílias problemáticas, que vão defender com unhas e dentes.

O desenvolvimento aqui não é nenhum segredo: com a lua se aproximando da Terra, as marés sobem, a gravidade é afetada e, claro, o caos se instala. Cenas grandiosas de inundação e uma boa dose de drama familiar dão o recheio do filme até o final que, pasme, consegue ser ainda mais absurdo. Mas não estamos aqui pra ver um documentário. Queremos ver explosões, perseguições, prédios caindo, cidades devastadas. Na tela grande do cinema, tudo isso impressiona.

Moonfall: Ameaça Lunar – ainda que do mesmo diretor dos frenéticos 2012 e Armageddon – tem um ritmo mais lento, com cenas até mesmo mais “dramáticas” (se é que isso é possível diante do contexto). Outro grande diferencial é seu herói improvável. É uma espécie de “a vingança dos nerds” em escala de destruição global.

No fim das contas, Moonfall: Ameaça Lunar pode até não entrar pras listas dos melhores filmes do gênero e ser esquecido em breve, mas consegue divertir e empolgar (ainda que aquela explicação precise de uma boa dose de boa vontade para ser engolida).

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Wasp Network: Rede de Espiões

Elenco de consagrados atores latinos está em trama que aborda as redes de espionagem contra Fidel Castro depois da dissolução da União Soviética

Texto por Ana Clara Braga

Foto: Netflix/Divulgação 

Após a queda da União Soviética, no final dos anos 1980, muito especulou-se sobre o que aconteceria com Cuba. As redes anticastristas se fortaleceram em Miami, chamando atenção de Havana com seus salvamentos de balsas e atentados terroristas. É justamente neste contexto que Wasp Network: Rede de Espiões (Wasp Network, França/Brasil/Espanha/Bélgica, 2020 – Netflix) acontece. Dirigido e escrito por Olivier Assayas, baseado em um livro do brasileiro Fernando Morais e com elenco talentoso, o filme abocanha mais do que consegue digerir em uma trama de espionagem fora do convencional.

A trama começa com René González (Édgar Ramírez) fugindo de Cuba e refugiando-se em Miami. No processo, ele deixa a esposa (Penélope Cruz) e a filha para trás. Em solo americano, junta-se a um grupo antirrevolucionário. Ainda no primeiro ato, o filme mostra Juan Pablo Roque (Wagner Moura) desertando do exército cubano e pedindo asilo nos EUA. Roque também tornaria-se envolvido com grupos contrários ao governo de Fidel Castro.

Assayas tenta cobrir muita coisa em duas horas de filme. São fatos, reviravoltas, burocracias – o que resulta em uma trama truncada e por vezes cansativa. A premissa é interessante, mas abrangente demais. O personagem de Gael García Bernal, por exemplo, é de extrema importância para entender o que de fato é a “Rede Vespa”, mas aparece apenas no segundo ato para conservar um tipo de plot twist, fórmula que, se não tivesse sido usada, teria favorecido a fluidez da história. 

Em mais um trabalho internacional, Wagner Moura entrega uma ótima performance. Seu personagem torna-se um dos mais interessantes e é uma pena quando ele simplesmente some de cena. Penélope Cruz também faz um belo trabalho como Olga, mulher cubana fiel à revolução e protetora de seus filhos.

O roteiro é o maior problema aqui. Ambicioso, tenta manter segredos por tempo demais, prejudicando o andar do enredo. A transição entre o primeiro e o segundo ato, feita com narração, é prova de que perdeu-se muito tempo com coisas menos importantes. Entretanto, o filme acerta ao optar pela espionagem da maneira menos óbvia ao contrário de outros longas hollywoodianos. Nesse caso, os espiões estão em cena, sem o espectador saber e (fazendo jus à verdade) não portam bugigangas hipertecnológicas como um 007.

Ao contrário do que sugere nos primeiros minutos, o longa não é uma crítica ao regime castrista, mas isso também não é um elogio. Em Wasp Network: Rede de Espiões é apresentada ao público a realidade difícil da vida em Cuba, mas também que uma das razões para isso é o embargo econômico americano. São mostradas pessoas fugindo do país em busca de uma vida melhor, mas também pessoas dispostas a dar a vida pelo ideal revolucionário. Esta nova empreitada do francês Assayas tenta ser grande, mas com tanto terreno para cobrir não consegue alcançar tal feito. Entre idas e vindas no tempo, pontas soltas e pequenas confusões, o filme se escora nas boas atuações e na história, que por si só já é interessante.