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Neirud

Filme de abertura do festival Olhar de Cinema deste ano busca redescobrir um “misterioso” espectro da história familiar da diretora

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Divulgação

Abrindo a mostra competitiva brasileira do 12° Festival Olhar de Cinema, o longa-metragem Neirud (Brasil, 2023) fez sua estreia mundial na noite da última quinta-feira (15 de junho). Documental, a obra traz de volta às telas curitibanas um cinema cujo objeto é a família da própria autora.

Com uma investigação quase autobiográfica da diretora Fernanda Faya sobre a história de sua Tia Neirud, uma grande “amiga” de sua avó com um passado circense misterioso a ser desvelado, são traçados os passos de Faya por entre fotos, telefonemas e lembranças da infância para se construir o cenário afetivo do filme. Com forte uso da narração em off, que sempre posiciona a autora como agente da ação, os 70 minutos da projeção, pouco mais de uma hora, não diferem muito entre si – essa é uma narrativa simples e direta.

Não à toa, o andamento da obra parece prejudicado pela qualidade estática de sua forma, que justapõe fotografias do passado com insistentes telas pretas (a ausência de registro) e imagens de arquivo, realizando uma reconstrução plástica em última análise falsa dessa história, e pela aparente necessidade de Faya em falar tudo que deseja transmitir ao público. Parece que, para reparar a suposta falta de fontes, Neirud tornasse o processo de busca de uma narrativa na narrativa em si mesma. A potência das imagens, principalmente as fotografias, é ignorada em nome da garantia de que o público “entenderá” a obra.

O mistério da identidade de Neirud (lê-se Nei-rú) exemplifica uma problemática muito brasileira: as vozes dissidentes que foram apagadas e silenciadas pela branquitude heteronormativa brasileira. Neirud era, como se deixa claro desde o início do filme, a companheira de vida de Nely, avó de Fernanda e diretora artística do circo em que conheceu nossa protagonista-objeto. Ela, por sua vez, era a icônica Mulher-Gorila, subvertendo preconceitos para fazer-se precursora da luta-livre feminina num tempo em que a prática era proibida no país.

Embora o material documental sobre o passado de sua avó fosse rico, Fernanda não encontrava quase nada sobre Neirud. É particularmente aterrador, então, que cheguemos à conclusão junto de Fernanda Faya de que a última pessoa a apagar os traços da vida de Élida Neirud dos Santos foi ela mesma, na ânsia de encaixar-se na sociabilidade evangélica após a morte de Nely.

A violenta transformação de modos de vida que escapam das garras da normatividade conservadora brasileira em verdadeiros espectros do passado, reticentes em compartilhar sua memória, permanece um traço forte de nossa sociabilidade. Até lá, filmes como Neirud, ainda que este peque na forma, tomam uma postura militante em se apegar ao pouco que há disponível para investigar as histórias que não puderam ser contadas. As memórias que não passaram para frente.