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O Urso

Série transmite com destreza toda a energia e estresse que os chefs passam nas cozinhas dos restaurantes

Texto por Taís Zago

Foto: Hulu/FX/Star+/Divulgação

Esta é uma série em oito intensos episódios que estreou no Brasil agora em outubro no Star+ e veio para bagunçar a cabeça de leigos e servir de gatilho para quem já trabalhou numa cozinha de restaurante. Enquanto os clientes nas mesas degustam a comida como forma de lazer ou de recompensa após um dia de trabalho, nos fundos, os chefs e funcionários travam uma batalha contra fogo, facas afiadas e o relógio num ambiente que lembra mais um campo minado de restos de comida e cacos de louça. Exagero? Nem um pouco. O Urso (The Bear, EUA, 2022 – Hulu/FX/Star+) é cozinha on speed. Faz a gente suar frio. O cortisol vai nas alturas, entre o caos e a glória da elaboração do prato perfeito. Nesse caso, em especial, do sanduíche perfeito. 

Carmen “Carmy” Berzatto (Jeremy Allen White) é um jovem chef acostumado com restaurantes agraciados com várias estrelas Michelin. De origem humilde, deu um duro danado para frequentar as melhores escolas, como a CIA (Culinary Institute of America), e ser reconhecido no mundo dos famosos do ramo. Foi premiado. Chegou ao topo. Enquanto Carmy ia atrás do sucesso, seu irmão mais velho, Mike (Jon Bernthal), comandava uma lanchonete em Chicago com o melhor amigo Richard “Richie“ Jerimovich (Ebon Moss-Bachrach). O Original Beef of Chicagoland era o boteco querido da vizinhança onde trabalhadores, gangsters e moradores faziam suas refeições. Tudo parecia bem até a tragédia bater na porta e Mike, que aparentemente escondia de todos o seu vício em painkillers (analgésicos), acaba por se matar, deixando para Carmy de herança a sua parte na sociedade do Original Beef. Carmy, então, decide deixar de lado a vida de glamour e usar suas facas de grife e a metodologia francesa no boteco que, como se desgraça pouca fosse bobagem, estava atolado em dívidas e sob o comando de Richie, um caótico com sérios problemas de agressividade e autocontrole.

Temos, aparentemente, uma receita de fracasso com uma trilha sonora de arrebentar os nervos e bombar adrenalina nas veias. Carmy entra na cozinha como quem entra em um ringue, ao som de “New Noise”, da banda Refuse, mas não antes de contratar a sous chef Sidney Adamu (Ayo Edebiri), para formar com ele um front de ataque culinário protocolar. E aqui começa um embate interminável de técnica versus intuição, entre os jovens chefs e a trupe de confiança do Original Beef formada pela veterana da cozinha Tina (Liza Colón-Zayas), pelo confeiteiro Marcus (Lionel Boyce), por Ebra (Edwin Lee Gibson) e pelo fake cousin (falso primo) Richie.

Cenas que beiram a tortura em ambientes culinários já são comuns em realities meio sádicos como Masterchef Hell’s Kitchen (e suas inúmeras variantes), porém essa é a primeira vez que um roteiro original consegue passar essa energia, traduzida em puro estresse, ansiedade e úlcera gástrica, de forma convincente para a ficção televisiva. E isso não se deu ao acaso: Courtney Storer, a irmã de Christopher Storer, criador de O Urso, é chef de cozinha e assessorou toda a produção culinária da série. E ainda temos a presença do chef Matty Matheson na coprodução e também em um pequeno papel como um faz-tudo nerd amigo de Richie. Tem comida feia, comida linda, manobras radicais de equilibrismo e um enriquecimento involuntário do vocabulário dos que nunca pisaram em uma cozinha comercial ou escola de culinária.

Imagino que Anthony Bourdain, se ainda vivo fosse, gostaria muito dessa obra ou talvez fosse até ele mesmo o consultor culinário escolhido por Storer. Carmy não é um pastiche do mais famoso e controverso chef, mas consegue transmitir medo, dúvida, pânico e inseguranças que não estamos habituados a ver na figura supostamente rígida, imponente e autoritária dos mestres da cozinha. A atuação é visceral e intensa, os atores sensacionais. E com esses ingredientes de qualidade não tem erro. O banquete está servido. The Bear é a melhor série de 2022 a sair do forno dos canais de streaming até agora. E isso não significa abrir mão do sal de frutas depois da degustação. O prato é pesado porém delicioso.