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Bom Dia, Verônica

Série brasileira da Netflix prende o espectador com trama misteriosa e envolvente sobre a violência contra as mulheres

Texto por Ana Clara Braga

Foto: Netflix/Divulgação

Produções que tratam de violência contra a mulher tendem a perder a mão e exagerar no conteúdo gráfico, como se o tema já não fosse pesado e chocante o bastante. Bom Dia, Verônica (Brasil, 2020 – Netflix) entra nesse mundo com muita responsabilidade e sob a muitas vezes injusta lupa colocada em produções nacionais. A série é uma adaptação do livro de mesmo nome de Ilana Casoy e Raphael Montes e conta com grandes nomes globais no elenco. 

Verônica (Tainá Müller) é uma escrivã da polícia civil com sede de justiça e empatia que a diferenciam da maioria de seus colegas. A princípio, Verô (seu apelido na série) está no encalço de um golpista em série que ataca mulheres, mas após uma aparição na TV a policial se vê em meio a uma trama misteriosa envolvendo um tenente-coronel da polícia militar, Brandão (Eduardo Moscovis), e sua esposa, Janete (Camila Morgado).

O enredo é envolvente, cheio de revelações chocantes e tensão, elementos que fazem uma boa série policial. O roteiro consegue balancear bem problemas burocráticos reais e a liberdade criativa para dar ritmo à história. Verônica é apenas uma escrivã. Seu trabalho é interno, mas sua vontade de fazer diferença a leva a quebrar algumas regras. Online é possível achar reclamações de espectadores que se incomodaram com as atitudes da policial, considerando “impossível” ela conseguir fazer tais coisas exercendo o cargo que exerce. Injusto. Séries internacionais estão a todo o momento quebrando convenções, mas ninguém reclama, por exemplo, de médicos em hospitais de ponta fazendo trabalho de enfermeiros.

O núcleo de Brandão e Janete é responsável pelos melhores momentos da série. Moscovis está impecável na pele de um misógino violento e Camila dá show como a esposa presa em um casamento extremamente tóxico. A cada episódio mais uma pequena camada da mente doentia do serial killer é revelada. Porém, não é o suficiente. Muitas perguntas ficam em aberto. Qual a relação da mãe de Brandão com suas atitudes violentas? O que é o ritual performado por sua avó? Qual a importância de pegar as meninas na rodoviária? São questões que instigam a curiosidade do público mas não são respondidas. 

Como já dito, a violência contra a mulher é um terreno perigoso em produções audiovisuais. O revenge porn é um exemplo do que não fazer. Esse subgênero do terror utiliza-se do abuso contra o corpo feminino para chocar. Isso não acontece em Bom Dia, Verônica. Existem, sim, cenas de violência, mas elas se encaixam na trama e não são exageradas ou sensacionalistas. Os diretores souberam tratar do tema de maneira respeitosa, não recorrendo à exploração da dor feminina. 

Verônica é uma personagem complexa, que carrega traumas do passado e não aceita as coisas continuarem da forma como são. Essa é uma combinação explosiva que a leva a romper protocolos e buscar meios fora do convencional para conseguir justiça. Tainá Müller é uma boa atriz e se joga de cabeça no papel. Na mesma medida que vê seu lado de investigadora cada vez mais aflorado, a protagonista vê a evolução e deterioração das relações que mantém com o marido, filhos, chefe e colegas de trabalho. O lado humano da escrivã não some em nenhum momento, justificando a série levar seu nome.

Esta é uma boa série nacional, que pode ter defeitos, mas merece reconhecimento. O nível de produção é cinematográfico, contém boas atuações e uma trama que prende o espectador. E, o melhor, Bom Dia, Verônica termina com abertura para uma segunda temporada, já confirmada pela Netflix.