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Ney Matogrosso – Homem com H

Musical presta tributo ao cantor ao recriar desde a turbulenta relação com pai ao sucesso da carreira solo após a saída dos Secos & Molhados

Texto por Abonico Smith

Foto: Lina Sumzono/Festival de Curitiba/Divulgação

Já faz meio século que um furacão chamado Ney Souza Pereira tomou conta da música brasileira para nunca mais abandoná-la. Desde a meteórica ascensão dos Secos & Molhados até a afirmação de sua carreira solo, iniciada logo após a turbulenta saída do trio e consolidada com uma série de hits pelos anos seguintes. Hoje prestes a completar 83 anos de idade, Ney Matogrosso continua bastante na ativa, produzindo discos e shows, sendo um ícone de gerações na representativa de questões relacionadas a gênero e sexualidade. Isso sem falar no seu gogó de ouro, capaz de produzir notas agudas que arrepiam; na performance, sempre capaz de enlouquecer multidões até os dias atuais; e na calibrada capacidade de escolher repertórios provocativos e que cutucam lá no fundo o conservadorismo da sociedade brasileira.

Por isso que construir um espetáculo musical sobre o artista ainda vivíssimo e esperneando constituiu-se um grande desafio para a turma que montou e colocou nos palcos Ney Matogrosso – Homem com H. A encenação – apresentada no Festival de Curitiba nas duas primeiras noites de abril – mostrou como é possível ser bem sucedida mesmo com as dificuldades mais do que naturais. Ancorada na personificação plena de Renan Mattos como o protagonista (mesmo com a dificuldade de chegar perto do falsete inigualável), o texto cobre desde a turbulenta relação familiar nos tempos de adolescência em Brasília até o sucesso profissional como cantor solo no Rio de Janeiro, depois da meteórica e badalada passagem pelos Secos & Molhados, trio vocal paulista que subverteu a música popular brasileira e desafiou a censura e os militares dos anos de chumbo no regime ditatorial que tomou conta do Brasil após o golpe de 1964.

O esquema do roteiro é simples. Uma sucessão de pequenos esquetes que cobrem paulatinamente o desenvolvimento do artista Ney. Sempre com muito humor, o que favorece ainda mais a aproximação com o público. O primeiro ato começa nas discussões às turras com o intransigente pai militar e se estende às descobertas da juventude em Brasília: drogas, sexualidade, carreira artística. Ao sair da capital federal como ambiente, Ney se joga na vida cultural Rio de Janeiro até ir a São Paulo e se tornar o vocalista do Secos & Molhados, trio que estava nascendo e já vinha sendo bastante cultuado no underground. O recorte histórico da parte inicial se encerra com a realização do fenômeno de vendas e popularidade, por isso mesmo, uma implosão interna motivada por um “golpe financeiro” aplicado nos incautos Ney e Gerson Conrad pelo membro mais atuante nas composições musicais: o português João Ricardo.

A costura musical, até mesmo por questões lógicas, não segue a mesma ordem cronológica da vida antes da entrada em cena do trio – até porque o artista ainda dava seus primeiros passos rumo à fama. Entretanto, farta-se de uma discografia solo, rica em composições com temáticas que ilustram com perfeição cada período retratado. A mobilidade do cenário, formado por diversos palanques cúbicos (de alturas diferentes) e uma dupla de rampas, colabora para a fluidez do roteiro. A cantora e compositora Luli (autora do hit “O Vira”) e o amigo Vicente Pereira (que nos anos 1980 se destacaria como um dos nomes-chave do teatro besteirol nos palcos cariocas) são as personalidades que aparecem com relativo destaque, inclusive sendo “resgatados” no segundo ato.

Passado o breve intervalo, entretanto, a correria toma conta da narrativa, em virtude do tanto de acontecimentos na careira solo de Ney na segunda metade dos anos 1970 e a primeira da década seguinte. Personagens entra e saem de cena, sem muito aprofundamento. Rita Lee é badalada, mas o nome de Roberto de Carvalho, guitarrista da banda solo do cantor montada logo após o Secos & Molhados, sequer é mencionado (Matogrosso foi o “cupido” do casal!). Rosinha de Valença, quem foi ela, afinal? A celebrada musicista desaparece em questão de segundos logo depois de estar no palco. O pianista Arthur Moreira Lima, lá no final, também resvala na tangente das citações, mesmo sendo a peça-motriz da mais significativa mudança artística de Ney durante os 1980s. Mazzola, o produtor artístico de muitos de seus discos, vai e vem, vai e vem, mas também sequer o seu porquê de estar ali é aprofundado. A seleção musical já passa a incluir canções alheias, não gravadas por Ney, mas com toda a relação com a ocasião enfocado. Por falar nisso, a fase do sucesso nacional estrondoso do RPM (primeiro show brasileiro a usar raio laser, com Matogrosso assinando a direção de iluminação) é solenemente ignorada, o que é uma pena.

Cazuza, este sim, recebe mais holofotes. Claro, foi um dos namorados que mais marcou a vida de Ney – e também sua obra. Com caracterização tão duvidosa quanto sua interpretação (que dividiu opiniões entre os jornalistas que cobriam o festival), o vocalista aparece em momentos de grande intimidade com o protagonista e ainda à frente do Barão Vermelho. Outro nome de destaque entre as relações pessoais do cantor também aparece com força: o médico Marco de Maria, o único com quem Matogrosso aceitou dividir o cotidiano em uma mesma casa. Tanto Marco quanto Caju faleceram em decorrência de complicações do vírus HIV. Por isso, a chegada de ambos em cena acaba por deixar um clima bem mais pesado e dramático no musical, que abandona quase que de vez o humor escrachado de antes. A enorme sombra da aids sobre toda a juventude daquela geração foi uma cruz muito pesada de se carregar para quem viveu aquela época (e sobreviveu!). Portanto, não havia mesmo como escapar dela no ato derradeiro mesmo mudando radicalmente a atmosfera de festa.

Foi justamente esta transformação comportamental de uma geração, porém, que sela o fim do musical de uma forma maravilhosa, apesar dos pequenos escorregões no decorrer da encenação de quase quatro dezenas de canções e quase três horas de duração. Os vários Neys que o Ney apresentou entre os anos 1970 e 1980 estão lá, até tudo terminar nele próprio, despido da persona sexualmente fantástica que todo mundo conheceu de início e passou a amar e idolatrar. O Ney Matogrosso incorpora o Ney Souza Pereira também no figurino e na performance de palco, fechando um ciclo de sucesso (e também de insistência, perseverança e também orgulho) para aquele jovem que se lançou no mundo querendo ser ator (e não cantor), sobreviver de sua arte e viver um dia a dia de liberdade plena, sem quaisquer amarras (as sentimentais também!), curtindo e sorvendo cada minuto da vida ao máximo. Homem Com H é um grande tributo a este múltiplo artista de meio século de magnificência e brilho intenso. Tanto que no próximo semestre partirá para uma turnê nacional por grandes arenas e estádios de futebol.

Set List: Primeiro ato – “Sangue Latino”, “Por Debaixo dos Panos”, “Tic Tac do Meu Coração”, “Assim Assado”, “Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua”, “Vira-Lata de Raça”, “Bandido Corazón”, “Divino, Maravilhoso”, “Trepa no Coqueiro”, “Maria/The More I See You”, “Trepa no Coqueiro”,”Nem Vem que Não Tem”, “Balada do Louco”, “O Vira”, “Rosa de Hiroshima”, “Mulher Barriguda”, “Amor”, “Sangue Latino” e “Sei dos Caminhos”. Segundo ato – “América do Sul”, “Com a Boca no Mundo”, “Dancin’ Days”, “Tigresa”, “Não Existe Pecado ao Sul do Equador”, “Coubanakan”, “Mulheres de Atenas”, “Bandoleiro”, “Ano Meio Desligado”, “Maior Abandonado”, “A Maçã”, “Homem com H”, “Pro Dia Nascer Feliz”, “Poema”, “Blues da Piedade”, “O Tempo Não Pára”, “Mal Necessário”, “O Mundo é um Moinho”, “O Sol Nascerá” e “Homem com H”.

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Corinne Bailey Rae

Oito motivos para não perder o show da cantora inglesa, que passa por três capitais brasileiras antes do Rock in Rio

Texto por Janaina Monteiro

Foto: Divulgação

Não é todo dia que uma cantora vencedora do Grammy se apresenta em turnê pelo Brasil. Pois esse já é um dos motivos para conferir o show de Corinne Bailey Rae, que aproveita sua passagem pelo Rock in Rio 2022 (dia 8 de setembro) para se apresentar antes em Curitiba (1), Belo Horizonte (3) e São Paulo (5) – mais informações sobre locais, preços, ingressos você encontra clicando aqui.

Muita gente, entretanto, não associa o nome à voz da cantora britânica. Ou seja, é possível que você indague a alguém se conhece a Corinne Bailey Rae. E é bem provável que essa pessoa responda que nunca ouviu falar! Se  isso acontecer, deve ser refeita a pergunta “Sabe aquela música da novela Páginas da Vida, chamada “Put Your Records On”?” e comece a cantarolar. Aí, sim! O gatilho é automático.

Nascida na cidade inglesa de Leeds, Corinne alcançou o estrelato em 2006 com seu autointitulado álbum de estreia (que chegou ao número 1 em vendas no Reino Unido), apresentando os sucessos globais “Put Your Records On”, que hoje tem quase 500 milhões de reproduções apenas no Spotify, e “Like A Star”. Apesar de ter apenas três discos lançados, ela não pode ser considerada uma artista one hit wonder. Corinne, dona de uma das vozes mais doces de sua geração, já assinou composições com produtores famosos e teve uma guinada na carreira depois de perder o marido Jason Rae, um saxofonista escocês com quem se casara em 2001. Ele foi encontrado morto em 2008, com suspeita de overdose. Ela conseguiu superar a fase do luto e, pouco tempo após a morte do marido, lançou outro trabalho, batizado The Sea. O último disco da cantora veio seis anos depois e se chama The Heart Speaks in Whispers

Portanto, para aquecer os corações no finzinho deste inverno, o Mondo Bacana lista oito motivos para não perder a passagem desta britânica de linda voz por terras brasileiras.

Cantora premiada

Corinne já ganhou dois Grammy, dois Mobos, além de ter recebido várias indicações para o Brit e o Bet Awards. O primeiro Grammy veio em 2008 na categoria Álbum do Ano, ao participar de River: The Joni Letter, de Herbie Hancock. O segundo veio com o EP Is This Love, pelo qual recebeu o prêmio de Melhor Performance de R&B. Já o álbum The Sea foi indicado ao Mercury Music Prize, o prêmio máximo da indústria fonográfica britânica.

Sucesso de crítica

Corinne é muito querida pela crítica musical, especialmente a britânica. Tanto é que, em 2016, o jornal The Guardian considerou o álbum The Heart Speaks in Whispers o melhor disco de R&B daquele ano. O trabalho incluía a impressionante “Green Aphrodisiac”, nomeada pela Billboard como uma das dez melhores músicas de R&B de 2016  e selecionada pelo então presidente Barack Obama para sua famosa playlist anual de verão.

Flerte com vários gêneros

Filha de mãe inglesa e um pai caribenho, a cantora começou cantando em coros na igreja, assim como várias intérpretes da soul music. Depois passou a se aventurar a mesclar outros estilos como o jazz e o pop.

Versões fofinhas

No show de Corinne, podemos esperar uma mistura de canções, das mais intimistas às mais alegres. Certamente haverá espaço para alguma cover famosa, como “Is This Love”, de Bob Marley. Esta faixa está presente no EP The Love, no qual também regravou “My Love” (Paul McCartney), “Low Red Moon” (Belly), “I Wanna Be Your Lover” (Prince) e “Que sera sera (Whatever Will Be Will Be)”, (imortalizada na voz de Doris Day). Bailey Rae ainda gravou a versão de “The Scientist” (Coldplay) para a trilha sonora do filme 50 Tons Mais Escuros, e participou do álbum Instant Karma, tributo a John Lennon, interpretando “I’m Losing You”. 

Parcerias de peso

A cantora continua a colaborar e se apresentar com artistas de vários gêneros musicais, incluindo nomes como Paul McCartney, Mary J Blige, Al Green, Herbie Hancock, KING, Kele Okereke (Bloc Party), ?uestlove, Salaam Rami, RZA, Tyler The Creator, Paul Weller, Stevie Wonder, Tracey Thorn, Logic e Mick Jenkins.

Voz de veludo

Ela já foi comparada a de Billie Holiday, Lauryn Hill e Macy Gray. Foi definida pelo The Guardian como sendo “calorosa e intimista”. Lady Gaga, certa vez ,disse que, ao ouvir Corinne pela primeira vez, ficou enlouquecida e queria saber de quem era aquela voz “brilhante”. 

Gosto pela música brasileira

A cantora se inspira na música brasileira e disse que a bossa nova de João Gilberto e Tom Jobim é uma grande influência na sua música. Além disso, disse em uma entrevista à imprensa brasileira que também é fã de Elis Regina. 

Tire o atraso da pandemia

Depois do período crítico da covid-19, os shows voltaram a acontecer e estão jorrando por aí em demanda represada. Portanto, vista seu jeans desbotado e aproveite seu encontro com Corinne Bailey Rae!