Books, Music

Mário de Andrade – O Turista Aprendiz

Recriação dos delírios da viagem feita pela Amazônia há quase um século não se furta a mostrar as contradições acerca do mítico autor paulistano

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Divulgação

São poucas as obras contemporâneas que se propõem a, ao mesmo tempo, reverenciar e expor as contradições de uma mesma figura. Em tempos de maniqueísmo em tela, tanto quanto da defesa moral ou deferência absoluta das personalidades que protagonizam, o cinema se vê distante daquele impulso de enfiar o dedo na ferida. Mário de Andrade – O Turista Aprendiz (Brasil, 2024) o faz sem dó.

Uma recriação de Murilo Salles dos diários da viagem de Mário pela Amazônia, o filme opera pela atuação-declamação-leitura dos textos de Mário de Andrade (aqui interpretado por Rodrigo Mercadante) e suas desventuras com as jovens Dulce (Dora Freind) e Mag (Dora de Assis) pelo Rio Amazonas. Tanto homenagem e tanto ficção, o longa-metragem é rápido em explicitar sua camada satírica e já nos lança a 1927 com exposições das personagens cientes de seu lugar na história e da figura mítica e maior que a vida que fora o poeta.

Esta não é uma biografia, entretanto. Quiçá se aproxima mais até do filme-ensaio. É uma adaptação conceitual d’O Turista Aprendiz. Não teme transpor palavra por palavra de Mário-escritor para Mário-personagem, que fita o espelho encarando a câmera – e por extensão, nós mesmos – indagando os porquês da falta de identidade brasileira e do impulso dilacerado do intelectual brasileiro em imitar a Europa e negar em si o próprio Brasil – aquilo em que se debruça brilhantemente Roberto Schwarz, filósofo e crítico que enxerga esse sujeito cindido na vida cultural brasileira, de Machado de Assis ao Século XX.

No entanto, estando interessado no conceito e não na ode desmedida à figura, a direção do carioca Salles insiste em lançar olhos desconfiados ao paulistano Mário e expô-lo em seu regionalismo que se pretende brasileiro por inteiro e distância para com as matas pelas quais viaja. Em uma abordagem que aproxima a sátira da caricatura, Andrade chega até a bradar um “puta fome, meu!” em típico paulistês. Há uma quebra sutil que constantemente desafia a matéria da poesia, do pensamento acerca do Brasil e da pessoa e seus conflitos internos. Sua sexualidade, sua herança negra, sua aristocracia pra francês ver.

E tal distância crítica entre autor e objeto se coloca não somente no campo do texto, mas na produção mesma do filme. Murilo Salles, cujo primeiro filme como diretor de fotografia fora Lição de Amor (adaptação de 1975 de Amar, Verbo Intransitivo, de Mário de Andrade), decide não replicar ou aproximar-se dos registros fotográficos do autor durante sua viagem. Se eles lembram os avanços do cinema impressionista dos anos 1920, o filme de 2024 nos aproxima das chanchadas e dos cenários de teatro. Entre as paredes brancas, até infinitas, e o intenso uso de projeções e telas verdes, Salles instaura uma artificialidade onipresente que põe em xeque, a todo segundo, a condição crítica à figura marioandradiana, ao movimento modernista e às intenções nacionalistas que inundaram a cultura brasileira nos anos 1920 e 1930.

O baixo orçamento, que tornaria inviável uma viagem tal como a da embarcação Vaticano, se torna elemento estético definidor de uma obra que escancara a distância entre si e seus objetos – porque, ao falar da busca de Mário por um Brasil brasileiro, Salles mesmo disserta sobre o tema nacional. Neste sentido, este é um filme que se provoca, provoca o público e ainda sugere um olhar denso ao cânone, por vezes espetacularizado, da arte brasileira.

Mário de Andrade – O Turista Aprendiz veio a Curitiba (para o festival Olhar de Cinema) com altas expectativas, pelo tamanho do autor e de sua matéria-prima. Aqui, foi assistido pela primeira vez por seu elenco e por um público ávido a se debruçar sobre as aspirações modernas (e contemporêneas) de nosso país. Assusta, de início, pela inventividade e assim permanece, até o fim, desafiando História, espectador e a própria condição fílmica.

Books, Movies

Retrato de um Certo Oriente

Filme de abertura deste ano do festival Olhar de Cinema aborda a imigração de irmãos libaneses com inspiração em livro de Milton Hatoum

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: O2 Play/Divulgação

Foi dado o pontapé inicial de mais um Olhar de Cinema. A 13ª edição do Festival Internacional de Cinema de Curitiba segue até a próxima quinta-feira, com mostras nacionais e internacionais nos cinemas do Cinemark Mueller e do Cine Passeio. Uma das estreias nacionais da vez foi o filme de abertura do evento, Retrato de um Certo Oriente (Brasil, 2024 – O2 Play), adaptação livre do livro Relatos de um Certo Oriente, de Milton Hatoum.

O longa é um retrato da imigração de Emir (Zakaria Kaakour) e Emilie (Wafa’a Celine Halawi). Libaneses católicos, os irmãos fogem da guerra rumo ao Brasil para construir uma nova vida. No caminho, Emilie se apaixona pelo muçulmano Omar (Charbel Kamel), viajante costumeiro das águas intercontinentais. O roteiro, que toma o livro como ponto de partida, é assinado por Maria Camargo, Gustavo Campos e Marcelo Gomes, diretor da obra. Desde o início, coloca-se uma dificuldade: segundo declarou o próprio Milton Hatoum, durante a solenidade de abertura do Olhar, Relatos… é um “romance subjetivo feito para não ser filmado”. Ficou um longa-metragem que difere do material original, propõe-se noutra época, e resulta em uma abordagem intimista de transposição da letra à tela.

Retrato… tem uma narrativa linear, mas se recusa a precisar com exatidão o tempo histórico abordado. Essa ambiguidade é um triunfo do longa, que universaliza a condição dos refugiados e nos permite enxergar histórias como a dos palestinos e indígenas dos anos 1950, mas sem perder a capacidade de transpô-las às tragédias que esses povos sofrem na atualidade. Este exercício de alteridade é uma das dimensões principais do discurso do filme, que se coloca como porta-voz dessa multiplicidade de experiências migratórias.

Contudo, mesmo com seus matizes de filme-manifesto, Retrato de um Certo Oriente é um romance. Ao sair do Líbano, o casal de irmãos espera deixar tudo para trás e recomeçar a vida. Sozinha perambulando pelo navio, Emilie encontra Omar, que se aproxima e ensina português à conterrânea. É pela descoberta da linguagem que a relação entre eles se estabelece e é fortalecida. Sem abandonar o árabe, às vezes utilizando a língua francesa, escutando dialetos indígenas amazônicos e aprendendo o português, Emilie é introduzida a um mundo rico de multiplicidades. Seu modo de vida colide com estes a que é exposta, mas nunca com as amarras retraídas de seu irmão. Este, por sua vez, também ancora sua jornada no deslumbre com uma outra linguagem – a fotográfica. Sua relação, na borda entre a amizade e o romance, com o fotógrafo Dorner (Eros Galbiati) é um dos pontos altos da trama, em que Gomes explora melhor a sutileza da transposição e perpassamento entre as descobertas pessoais e linguísticas.

Sendo assim, fotografia, passado e memória ocupam posições simbólicas semelhantes e até idênticas. Os fotogramas unem a memória (no fotograma de família que abre o longa) à atualidade em um movimento que afirma também a memória do fotógrafo em questão (nas fotografias tiradas por Dorner e Emir que encerram a projeção). Aquilo do que se pretende fugir no que passou, por sua vez, é reafirmado na xenofobia de Emir, reiterando disputas ascendentes de intolerância religiosa.

O conflito religioso da tradição católica dos irmãos com a vida muçulmana de Omar nunca se resolve e configura um abismo intransponível entre as três personagens. No jogo imagético que Marcelo Gomes propõe, abusando dos desfoques em baixa profundidade de campo para estabelecer intimidades; e em sentido contrário, da nitidez como elemento de descoberta de paisagens, as relações são próximas, mas nunca perfeitamente conjuntas na mise-en-scène.

Esta gramática dos quadros é grande protagonista da direção de Gomes, cuja câmera aproximada de suas personagens é a intromissão do espectador na privacidade de seu desejo e aspirações. O intimismo e a subjetividade que Hatoum expressou como características não-filmáveis são transpostas nesse jogo, em que o desfoque representa a intimidade, acompanhada de uma dialética entre planos detalhe e planos abertos; lentes grande-angulares e telephoto, enquadrando atores e atrizes em espaços confinados e molduras culturalmente carregadas em tela.

A narrativa é entreposta a momentos de poesia visual, com grandes dissoluções de elementos da natureza – evidências da unidade cosmológica que equipara larvas, árvores e humanos – ou planos estáticos do mar e dos rios amazônicos que, por sua vez, nunca estão parados. Por vezes, o mar é esperança, com reflexos na superfície que lembram o impressionismo de Monet; noutro momento, é monstro que urra junto à grandeza metálica do navio que o corta madrugada adentro. O rio e sua superfície pacata são de importância extrema para o simbolismo da narrativa.

Ainda, no andar da narrativa, é evidente a preocupação com a unidade estética dos planos e sequências por parte de Gomes e Pierre de Kerchove, diretor de fotografia da obra. O jogo de espelhos, aliado à tensão proposta entre o ruído analógico do papel-filme e a nitidez plástica da filmagem digital, geram uma mise-en-scène requintada, que nos convida a desvelar suas camadas.

É uma pena, contudo, que os planos bem arrojados deixam de lado um elemento central à fotografia em preto e branco: o contraste, que aqui é muito ausente e, quando aparece, se destaca com primor do restante da obra. As escalas de cinza são lavadas, e a iluminação naturalista pouco oferece a ressaltar a profundidade estética da obra, ao contrário do bom uso de elementos cênicos de primeiro plano e plano de fundo, que atuam como significantes do estado emocional das personagens com efetividade.

Assim, o Olhar de Cinema oferece uma abertura atinada aos conflitos sociopolíticos do tabuleiro global, e aposta em uma narrativa convencional para ecoar sua mensagem, ainda que se permita um ou outro momento de contemplação estética. Esta curadoria, que é sempre interessada no caminhar do mundo, na celebração da diversidade como matéria fílmica e da alteridade como polifonia discursiva, mostra a que veio desde o primeiro minuto de projeção.

Series, TV

Bebê Rena

Série da Netflix mostra o impactante resultado de alguém com potencial destruidor que encontra outro empenhado em autodestruição

Texto por Tais Zago

Foto: Netflix/Divulgação

Donny (Richard Gadd) é um comediante que está no limite. Após anos de trabalho com stand up sem obter qualquer sucesso significativo, ele se sustenta fazendo pequenos serviços. Um deles é como barman. E é no pub onde ele trabalha em Londres que em um (não tão) belo dia Martha (Jessica Gunning) entra pela porta, senta-se no balcão e se debulha em lágrimas. Com pena da moça, Donny lhe empresta o ouvido e lhe serve uma bebida.

A partir desse momento Martha aparece todos os dias no bar e seu encantamento por Donny é impossível de ser ignorado, a ponto do rapaz virar motivo de chacota entre seus maldosos colegas de trabalho. O motivo é simples: Martha não se enquadra em uma beleza convencional, não faz grandes esforços para cuidar da aparência e, claramente, mente muito sobre os fatos de sua vida. Mas a paixão dela por Donny, que a princípio reluta em aceitar a afeição, acaba por se tornar uma de suas únicas fontes de atenção.

Donny fica viciado, por um tempo curto, nas injeções de ânimo, apoio e incentivo vindas de Martha e isso o faz ignorar o que pode estar por trás de tanta adulação. Ela está completamente obcecada por ele e em sua cabeça ambos vivem um relacionamento sério. Somente após um date entre os dois se tornar um fiasco é que Donny percebe que Martha é sua stalker e não será fácil se livrar dela. Ou será que é isso mesmo que ele deseja?

O ator, comediante e escritor escocês Richard Gadd criou para os palcos o espetáculo Bebê Rena (Baby Reindeer, Reino Unido , 2024 – Netflix), segundo ele, baseado em fatos autobiográficos. Com o interesse do canal Netflix em fazer uma minissérie do material, Gadd assumiu o roteiro e o papel principal, assim como a tarefa da produção executiva. Weronika Tofilska, coautora do roteiro de Love Lies Bleeding, e Josephine Bornebusch, de Bad Sisters, ficaram com a cadeira da direção dos sete episódios. Para o papel de Martha, Gadd escalou a excelente Jessica Gunning, de The Outlaws.

O resultado dessa junção de talentos é uma obra profunda, de humor ácido e de cenas ousadas e difíceis de serem assistidas. Bebê Rena, apelido carinhoso dado a Donny por Martha, não é de fácil digestão e, apesar da classificação como tragicomédia, é muito mais trágico do que cômico. A minissérie aborda diversos aspectos das formas de perseguição, coação, abuso e violência as quais Donny passa em sua vida. Em especial é recomendada parcimônia com o episódio onde o autor relata o abuso que sofreu pelas mãos de um ator/produtor que ele tanto admirava. São cenas extremamente pesadas e que marcam a espiral da queda de Donny em um buraco sem fundo de autodepreciação e autodestruição, do qual Martha é apenas a cereja do bolo.

Bebê Rena é o humor extremamente macabro e ácido britânico levado às últimas consequências. É onde a dor toma o lugar do riso, onde a falta de perspectiva estimula ações erráticas e impensadas, onde o amor próprio é soterrado pela solidão e pelo abandono levando os personagens às margens da loucura. Tudo soturno, sombrio, úmido e sujo –  os sentimentos dos personagens refletem na cenografia, cenários e figurinos. É a representação plástica da desesperança, feita com maestria e apuro técnico.

Desde agora, esta é uma das melhores séries do ano – e justo da Netflix, que andava nos desapontando com uma crescente superficialidade das obras calcadas em audiência. Raramente se viu os papeis sendo invertidos nas posições de abuso de forma tão crua como aqui. E talvez, até mesmo por isso, Bebê Rena seja uma obra necessária.

Books, Movies

A Ordem do Tempo

Conceituada diretora italiana Liliana Cavani volta aos cinemas adaptando para uma história ficcional conceitos de um livro de física quântica

Texto por Abonico Smith

Foto: Pandora Filmes/Divulgação

Liliana Cavani é sinônimo de reverência no cinema italiano. Contemporânea de nomes como Michelangelo Antonioni, Bernardo Bertolucci e Pier Paolo Pasolini, ela não dirigia um longa-metragem para as grandes telas desde o início deste século – mais precisamente desde 2002, quando foi lançado O Retorno do Talentoso Mr Ripley, com John Malkovich encabeçando o elenco. Passadas duas décadas e já à beira de completar a nona década de idade (hoje está com 91 já), ela encarou o desafio de acrescentar mais um título à sua extensa trajetória. Com um bom grau de dificuldade na narrativa.

A Ordem do Tempo (L’ordine del Tempo, Itália, 2023 – Pandora Filmes) chega esta semana ao Brasil trazendo para a sétima arte conceitos e discussões a respeito… de física quântica! Cavani se interessou tanto pelo livro homônimo do físico Carlo Rovelli que o chamou para também coescrever o roteiro. Mas como transpor teorias tão abstratas para uma obra audiovisual?

A saída foi inventar um núcleo de dramaturgia que pudesse usar em seus diálogos muito do que está nas páginas escritas por Rovelli. Assim, Cavani criou um grupo de amigos que ano após ano se reúnem à beira da praia, em uma luxuosa casa situada em um pequeno e sossegado vilarejo italiano. A desculpa da vez é, agora, a comemoração do meio século de idade da proprietária da residência. Isto posto, devido ao renome de Liliana na área, também pode dar ao filme um elenco recheado de grandes atores, como, por exemplo, Claudia Gerini (Elsa) e Alessandro Gassman (Pietro, seu marido).

A tranquilidade da reunião, entretanto, é abalada por uma alarmante notícia: a possibilidade de um asteroide batizado Anaconda, chocar-se contra a Terra e provocar o tão temido e polemizado fim do mundo. É o que basta para a mudança de comportamento de todos os que estão naqueles dias na casa, de Elsa à sua empregada sulamericana, passando por cada um dos convidados. Então, tendo como base considerações a respeito da passagem do tempo e de como isso se reflete na humanidade (inclusive a sensação de proximidade da finitude), é um tal de jorrar conversas, diálogos e até alguns pitis. Segredos escondidos das personagens se revelam em sequência para o espectador, assim como momentos de desconcentração também são promovidos por gente “alheia” ao grupo como Charlie Chaplin e Leonard Cohen. O primeiro aparece enquanto alguns deles caem na gargalhada ao assistir à clássica cena de Em Busca do Ouro (1925) na qual Carlitos “come” uma botina e seu cadarço. O outro canta a música “Dance Me To The End Of Love” no DVD extraído de um concerto, fazendo todos os amigos engatarem improvisadas coreografias.

Só que A Ordem do Tempo esbarra em um grande porém que acaba tornando-o maçante. É uma história baseada em diálogo demais e ações de menos. Reúne muita gente falando, falando, falando quase ao mesmo tempo em praticamente uma mesma localidade (também… o que esperar de um filme que importa conceitos e teorias de física quântica a um exercício de ficção dramatúrgica?). Mesmo que as personagens sejam diferentes em seus temperamentos e personalidades, tudo se torna arrastado. Talvez adaptada para o teatro, onde a quarta parede do palco é o público in loco, isso funcionasse melhor e fosse mais cativante do que como um audiovisual exibido numa tela, seja na sala de cinema e ou depois no streaming em casa. Talvez ficar só na leitura do livro de Rovelli possa-se entender melhor a física quântica que acabou dispersa no roteiro do longa-metragem.

Movies

13 Sentimentos

Diretor e roteirista de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho retorna aos cinemas misturando sua própria experiência recente e uma história de ficção

Texto por Abonico Smith

Foto: Vitrine Filmes/Divulgação

Felicidade. Tesão. Paixão. Raiva. Tédio. Ansiedade. Frustração. Vergonha. Nostalgia. Tristeza. Conforto. Calma. Esperança. São estes os sentimentos vividos por João na montanha-russa de emoções pela qual ele passa logo após o término de um longo período de relacionamento. Treze no total. Um atrás do outro, sem dar muito tempo para descanso.

Esta é a base de 13 Sentimentos (Brasil, 2024 – Vitrine Filmes), novo longa-metragem de Daniel Ribeiro, que chega nesta quinta-feira com o retorno do cineasta aos cinemas. Há exatos dez anos, Ribeiro teve o filme Hoje Eu Quero Voltar Sozinho bastante badalado no circuito comercial, chegando a beliscar uma indicação do país para concorrer ao Oscar de filme internacional daquela temporada, o que acabou não prosperando depois nas seleções posteriores da comissão da Academia para os finalistas. Era ainda o início de uma cinematografia nacional voltada para o universo LGBT+, o início da pavimentação de um caminho consistente para que nos anos seguintes a diversidade sexual pudesse estar melhor representada nas telas em tintas verde e amarela.

Todo o processo de desenvolvimento de roteiro foi feito pelo próprio Daniel enquanto ele tentava achar um caminho de superação para a mesma situação recém-experimentada por ele. Portanto, fazendo de João uma espécie de alter ego para o que acontecia no seu dia a dia, ele faz de 13 Sentimentos uma espécie de “documentário ficcionalizado” da sua própria vida. Nas telas, o protagonista interpretado por Artur Volpi vivencia muito do que Ribeiro passou, primeiro como oportunidade de terapia de escapismo das próprias aflições do diretor ao se ver retratado como um personagem de si próprio, depois como a grande desforra que permitiu reescrever os finais de várias situações para poder ver a transformação de coisas que deram muito errado na amarga matrix da realidade.

João é egresso da faculdade de cinema. Enquanto aguarda a oportunidade de aprovação de orçamento para seu primeiro longa-metragem autoral, tira sua sobrevivência de roteiros escritos para uma agência. De uma hora para a outra, ele se vê sem rumo ao terminar com o namorado de dez anos. Enquanto aguarda a chance de começar a filmar sua obra autoral e tenta reconstruir (sem muito sucesso, aliás) questões emocionais para uma nova afetividade, descobre novos e impensáveis caminhos. Como, por exemplo, usar o seu olhar e a sua percepção de diretor filmar relações sexuais alheias (quase todas homo, mas também com casais hétero) para a alimentação de plataformas de internet. Se nesta condição experimenta uma rápida ascensão, na satisfação de seus próprios desejos João se vê emperrado e tendo de lidar com uma certa sensação de incompatibilidade quanto no lado pessoal como no profissional. Sua ancoragem são um amigo e uma amiga, ambos também gays, para poder compartilhar o que anda passando pela sua cabeça todo dia.

Por ser uma história urbana (tudo se passa na cidade de São Paulo, em ambientes frequentados por gente bonita, elegante, hypada e descolada) e girar em torno de questões sobre relacionamentos (afetivo e sexual), 13 Sentimentos pode soar um tanto quanto enfadonho no início. Ainda mais para quem não vê a mínima graça naqueles filminhos adolescentes que jorram sem parar na Netflix. Não empolga nem o fato de tentar localizar no roteiro cada um dos sentimentos que formam o número do título.

Como não empolga também João. Ele pode até estar chegando (ou ter chegado) aos 30 anos, mas se comporta como um teenager ingênuo e um tanto quanto fútil em suas ambições cotidianas. Sua obsessão por um novo relacionamento irrita, tanto quanto o fato de carregar sempre consigo um cubo mágico como lembrança eterna do seu ex (oi???). Aí resta a dúvida Tostines: a atuação de Volpi é mesmo fraca ou ele está muito bem como um protagonista insosso?

Uma coisa, porém, acaba salvando 13 Sentimentos de passar ao espectador um deles, que é o tédio. No desenrolar das agruras de João, vão ficando mais claros a interação entre ficção e realidade e o quanto de “realidade dentro do filme” foi colocada por Ribeiro por toda a história. Se ao menos ele tivesse desenvolvido melhor o roteiro (assim como fizera seu protagonista algumas vezes em cena), este segundo longa poderia ter saído com um resultado de maior qualidade. Resta agora a torcida para que, assim como João, Daniel supere as dores de amores que o fizeram atravancar no meio do caminho e apresente uma terceira obra (o final de uma já anunciada trilogia LGBT+) que empolgue do início do fim.