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13 Sentimentos

Diretor e roteirista de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho retorna aos cinemas misturando sua própria experiência recente e uma história de ficção

Texto por Abonico Smith

Foto: Vitrine Filmes/Divulgação

Felicidade. Tesão. Paixão. Raiva. Tédio. Ansiedade. Frustração. Vergonha. Nostalgia. Tristeza. Conforto. Calma. Esperança. São estes os sentimentos vividos por João na montanha-russa de emoções pela qual ele passa logo após o término de um longo período de relacionamento. Treze no total. Um atrás do outro, sem dar muito tempo para descanso.

Esta é a base de 13 Sentimentos (Brasil, 2024 – Vitrine Filmes), novo longa-metragem de Daniel Ribeiro, que chega nesta quinta-feira com o retorno do cineasta aos cinemas. Há exatos dez anos, Ribeiro teve o filme Hoje Eu Quero Voltar Sozinho bastante badalado no circuito comercial, chegando a beliscar uma indicação do país para concorrer ao Oscar de filme internacional daquela temporada, o que acabou não prosperando depois nas seleções posteriores da comissão da Academia para os finalistas. Era ainda o início de uma cinematografia nacional voltada para o universo LGBT+, o início da pavimentação de um caminho consistente para que nos anos seguintes a diversidade sexual pudesse estar melhor representada nas telas em tintas verde e amarela.

Todo o processo de desenvolvimento de roteiro foi feito pelo próprio Daniel enquanto ele tentava achar um caminho de superação para a mesma situação recém-experimentada por ele. Portanto, fazendo de João uma espécie de alter ego para o que acontecia no seu dia a dia, ele faz de 13 Sentimentos uma espécie de “documentário ficcionalizado” da sua própria vida. Nas telas, o protagonista interpretado por Artur Volpi vivencia muito do que Ribeiro passou, primeiro como oportunidade de terapia de escapismo das próprias aflições do diretor ao se ver retratado como um personagem de si próprio, depois como a grande desforra que permitiu reescrever os finais de várias situações para poder ver a transformação de coisas que deram muito errado na amarga matrix da realidade.

João é egresso da faculdade de cinema. Enquanto aguarda a oportunidade de aprovação de orçamento para seu primeiro longa-metragem autoral, tira sua sobrevivência de roteiros escritos para uma agência. De uma hora para a outra, ele se vê sem rumo ao terminar com o namorado de dez anos. Enquanto aguarda a chance de começar a filmar sua obra autoral e tenta reconstruir (sem muito sucesso, aliás) questões emocionais para uma nova afetividade, descobre novos e impensáveis caminhos. Como, por exemplo, usar o seu olhar e a sua percepção de diretor filmar relações sexuais alheias (quase todas homo, mas também com casais hétero) para a alimentação de plataformas de internet. Se nesta condição experimenta uma rápida ascensão, na satisfação de seus próprios desejos João se vê emperrado e tendo de lidar com uma certa sensação de incompatibilidade quanto no lado pessoal como no profissional. Sua ancoragem são um amigo e uma amiga, ambos também gays, para poder compartilhar o que anda passando pela sua cabeça todo dia.

Por ser uma história urbana (tudo se passa na cidade de São Paulo, em ambientes frequentados por gente bonita, elegante, hypada e descolada) e girar em torno de questões sobre relacionamentos (afetivo e sexual), 13 Sentimentos pode soar um tanto quanto enfadonho no início. Ainda mais para quem não vê a mínima graça naqueles filminhos adolescentes que jorram sem parar na Netflix. Não empolga nem o fato de tentar localizar no roteiro cada um dos sentimentos que formam o número do título.

Como não empolga também João. Ele pode até estar chegando (ou ter chegado) aos 30 anos, mas se comporta como um teenager ingênuo e um tanto quanto fútil em suas ambições cotidianas. Sua obsessão por um novo relacionamento irrita, tanto quanto o fato de carregar sempre consigo um cubo mágico como lembrança eterna do seu ex (oi???). Aí resta a dúvida Tostines: a atuação de Volpi é mesmo fraca ou ele está muito bem como um protagonista insosso?

Uma coisa, porém, acaba salvando 13 Sentimentos de passar ao espectador um deles, que é o tédio. No desenrolar das agruras de João, vão ficando mais claros a interação entre ficção e realidade e o quanto de “realidade dentro do filme” foi colocada por Ribeiro por toda a história. Se ao menos ele tivesse desenvolvido melhor o roteiro (assim como fizera seu protagonista algumas vezes em cena), este segundo longa poderia ter saído com um resultado de maior qualidade. Resta agora a torcida para que, assim como João, Daniel supere as dores de amores que o fizeram atravancar no meio do caminho e apresente uma terceira obra (o final de uma já anunciada trilogia LGBT+) que empolgue do início do fim.

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O Escândalo

História sobre os assédios sexuais que derrubaram recentemente o CEO da Fox News chega aos cinemas de forma confusa

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Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Paris Filmes/Divulgação

O escândalo Bombshell estourou em 2016, em pleno período eleitoral (quando Donald Trump chegou à presidência norte-americana), e envolveu estrelas do maior canal de TV conservador dos Estados Unidos. Nele, âncoras da Fox News, bem como diversas outras mulheres, acusaram o diretor e CEO Roger Ailes de abuso sexual. Entre elas, Gretchen Carlson e Megyn Kelly, duas das maiores apresentadoras da emissora.

Em O Escândalo (Bombshell, EUA/Canadá, 2019 – Paris Filmes), filme dirigido por Jay Roach e escrito por Charles Randolph, acompanhamos a trajetória dessas mulheres, desde o momento em que Gretchen (Nicole Kidman) entra em litígio com Ailes (John Lithgow) até o momento em que aceita o acordo judicial, que conta com um pedido de desculpas oficial da Fox. No entanto, não é Gretchen a protagonista – a história foca no conflito interno da jornalista Megyn Kelly, que demorou a se pronunciar a respeito do escândalo, mostrando também a pressão produzida dentro do quadro de funcionários da Fox News, condenando seu inicial silêncio. Ainda, há Kayla (Margot Robbie), uma jovem evangélica que acredita nos ideais do canal mas torna-se a mais recente vítima do CEO. As três “protagonistas” têm pouco tempo de tela compartilhado, suas tramas são solitárias e pouco se entrelaçam.

Este é um filme fortemente necessário, que traz luz a um caso seríssimo de assédio sexual no ambiente de trabalho, demonstrando com crueza a dinâmica opressora entre patrão e empregadas. Mais obras com a mensagem de O Escândalo devem surgir, visibilizando o comportamento deplorável de homens em posição de poder. No entanto, é uma pena que uma história tão rica e impactante tenha sido conduzida de uma maneira tão confusa como esta.

A direção de Roach, que está em seu terceiro drama, com um passado de comédias pastelão como Austin Powers, Entrando Numa Fria e Os Candidatos, é confusa e bastante inquieta. Com exposição despejada num rompante nas cenas iniciais, com quebras inconstantes da quarta parede e câmeras na mão, com muito zoom e montadas em uma justaposição estranha, O Escândalo começa num conflito de estilos radicalmente divergentes, buscando sua estética num emaranhado de ideias que, a partir do segundo ato, são abandonadas em prol de uma abordagem mais comercial. Há cenas em que a quebra da quarta parede chega a ser incômoda, por ser súbita, breve e um caso isolado – uma das personagens o faz uma única vez; outra, duas ou três; e a última não chega a tanto.

No entanto, Roach busca um hiperrealismo que, apenas na trama de Kayla, é eficaz. Grande parte do mérito é de Margot Robbie, que interpreta muito bem uma millennial de extrema direita com certas nuances – incluindo sua sexualidade. Seu texto não é dos melhores, o que cria uma personagem por vezes estereotipada, mas que se redime quando Robbie rouba a cena.

A montagem, assinada por Jon Poll, é, no máximo, eficiente. Contudo, erra a mão em momentos que quebram o ritmo do longa, com uma sensação de estranhamento terrível. A maquiagem é ótima em Charlize Theron, que também atua muito bem, porém causa um leve desconforto em Nicole Kidman, que parece um pouco imobilizada pelas próteses.

Por mais necessário que seja, o longa afasta o espectador com sua indecisão, que cria momentos desnecessários e desconfortantes, em especial o início de sua trama. Sinto que, nas mãos de outro diretor e com melhor cuidado de desenvolvimento de personagens, a fim de evitar unidimensionalidade das protagonistas e coadjuvantes, O Escândalo poderia alcançar resultados muito mais impactantes que com a equipe escalada. Uma história tão importante não deveria, de forma alguma, se tornar esquecível – e é isso que ocorre aqui.