Music

Kiss – ao vivo

Lenda do rock comandada por Paul Stanley e Gene Simmons se despede do Brasil com show épico na Grande Florianópolis

Texto por Frederico Di Lullo

Foto: Sofia Mayer/G1 SC/Reprodução

No último dia 25 de abril, uma terça-feira, a região da Grande Florianópolis recebeu uma das maiores lendas do rock mundial. O Kiss apresentou-se pela última vez no Brasil, depois de trazer para cá (pela terceira vez) sua turnê de despedida (batizada End Of The Road) e passar (desta vez) por outros quatro pontos do país (Manaus, Brasília, Belo Horizonte e São Paulo).

Alocado estrategicamente do lado direito do palco montado no Hard Rock Live (na cidade catarinense de São José), cheguei diretamente do trabalho para poder cobrir este que deve ser o último concerto do quarteto pelas terras de Machado de Assis ou, melhor falando, do poeta Cruz e Sousa. Incrivelmente dez minutos antes do horário previsto (21h), os quatro cavaleiros do apocalipse já desciam por enormes plataformas para chegar próximo de nós, meros mortais, entoando a seminal “Detroit Rock City”. A essa altura, meu amigo, a audiência era um verdadeiro delírio musical, com homens e mulheres de todas as idades cantando a plenos pulmões toda a música. E todas as que estariam por vir. A plateia era composta, em maioria, por muitas famílias, onde era nítido o amor geracional pelo rock e pela banda destes quatro senhores. Algo lindo e épico demais.

Diferente da última passagem da banda por este sul do sul do mundo, no ano de 2015, desta vez sim tivemos o espetáculo completo, recheado de trajes extravagantes, maquiagens marcantes, plataformas levadiças, efeitos visuais, pirotecnia, fogo, sangue, luz e demais elementos que tornam o show do grupo algo único, simplesmente o maior espetáculo da terra. Também foi nítido que, desde o início da perfoirmance, o Kiss demonstrou toda a sua energia e paixão pelo rock, coisa pouco vista em vários shows de pessoas que possuem a metade de idade de Paul Stanley, Gene Simmons, Eric Singer e Tommy Thayer.

Sobre as músicas, nenhuma surpresa. O set list cravou só clássicos da banda, que há meio século percorre o mundo tocando “I Was Made For Lovin’ You”, “Calling Dr Love”, “I Love It Loud”, “Deuce”, “Psycho Circus”, “Love Gun”,  “God Of Thunder”, “Black Diamond”, “Do You Love Me” e “Rock And Roll All Nite”, entre outras. Esta última, inclusive, foi a que fechou a noite histórica, com aquela tradicional chuva de confetes, fogo e loucuras que precedem a saída de cena da banda – e, neste caso, o fim da passagem física do Kiss pelo Brasil, iniciada já exatos 40 anos, lá em 1983, no Maracanã. 

Em resumo: se de fato foi a última vez, será épico ter vivenciado ao vivo e em cores um verdadeiro espetáculo de rock’n roll. Deixará saudades em todos os fãs brasileiros e marcará a história catarinense para sempre.

Set List: “Detroit Rock City”, “Shout It Out Loud”, “Deuce”, “War Machine”, “Heaven’s On Fire”, “I Love It Loud”, “Say Yeah”, “Cold Gin”, “Lick It Up”, “Makin’ Love”, “Calling Dr Love”, “Psycho Circus”, “God Of Thunder”, “Love Gun”, “I Was Made For Lovin’ You” e “Black Diamond”. Bis: “Beth”, “Do You Love Me” e “Rock And Roll All Nite”. 

Movies, Music

Amor, Sublime Amor

Com direção certeira de Steven Spielberg, clássico musical da Broadway ganha nova versão para o cinema repaginada aos dias de hoje

Texto por Abonico Smith e Camila Lima

Fotos: Fox/Disney/Divulgação

Com a transmissão simultânea do som junto à imagem, trazida às salas de projeção em 1927, Hollywood escancarou as portas para que o musical reinasse absoluto como o gênero preferido da audiência nas décadas seguintes. Títulos como O Mágico de Oz (1939), Sinfonia de Paris (1951), Cantando na Chuva (1952), Nasce Uma Estrela (1954), Minha Bela Dama (1964) e A Noviça Rebelde (1965) viriam a se tornar clássicos do cinema norte-americano. Entretanto, a partir dos anos 1970, com a mudança de paradigmas da indústria e a chegada de uma turma de produtores, diretores e roteiristas que passaram a apostar no diferente, no conceitual, no alternativo, as histórias apoiadas por coreografias e canções passaram a ser, pouco a pouco, escanteadas pelos grandes estúdios em seus cronogramas de lançamentos anuais. Mesmo com os teatros sempre lotados na Broadway, a expectativa da experiência cinematográfica tornou-se algo cada vez mais longe das tramas musicadas, apesar de algumas recentes tentativas de soerguimento delas através de boas bilheterias e prêmios obtidos por La La Land: Cantando Estações (2016), Mamma Mia! O Filme (2008), Chicago (2002) e Moulin Rouge: Amor em Vermelho (2001).

Eis que chegamos ao ponto central onde está outro exemplo da Era de Ouro dos musicais na sétima arte. Adaptado de uma montagem de sucesso que estreara pouco tempo antes na Broadway, West Side Story (batizado singelamente aqui no Brasil como Amor, Sublime Amor) estendeu às grandes telas em 1961 a história de jovens nova-iorquinos que, quatrocentos anos depois (justamente no fervor dos anos 1950, a década que “inventou” a adolescência), reviviam as paixões proibidas, rivalidades familiares e o arquétipo do amor puro e juvenil, elementos eternizados por William Shakespeare lá na Inglaterra do final do século 16 em sua tragédia teatral Romeu e Julieta. Dirigido em parceria entre Jerome Robbins (que também assinava a empreitada dos palcos) e Robert Wise (que logo depois viria a se consagrar com A Noviça Rebelde), o longa-metragem caiu no gosto popular e da Academia. Levou dez Oscar na cerimônia do ano seguinte e emplacou a trilha sonora como um marco daquele início de percurso daquele segmento da música pop que viríamos a chamar de rock’n’roll – tanto que o nome de Elvis Presley chegou a ser cogitado para a escalação do protagonista. Então um teenager, Steven Spielberg ganhou de presente naquela época o disco com as músicas compostas pelo maestro Leonard Bernstein em parceria com o letrista Stephen Sondheim, o que fez se tornar cada vez apaixonado pela obra com o passar dos anos. 

Além de seu apreço pela obra original, há outras possíveis motivações que levaram Spielberg a reviver a trama de Tony e Maria neste momento histórico específico. Apesar de um clássico, o West Side Story de seis décadas atrás abordava questões de gênero e em especial raciais de forma muito problemática, incluindo o uso do hoje inaceitável recurso do blackface e a escalação de atores nada latinos para viver a turma latina da trama. O que o cineasta fez foi trazer – de maneira brilhante e com a ajuda do roteirista Tony Kushner – todas essas questões à tona de forma crítica, embora mantenha o tom quase sublime. Exemplos são a realidade das comunidades latinas nas grandes metrópoles dos EUA no fim da década de 1950, o racismo sofrido pelos latinos, debates de interseccionalidade, principalmente suscitados na personagem de Anita (Ariana DeBose): mulher, trabalhadora, porto-riquenha e negra.

Apesar de todo o cunho crítico e das quase três horas de duração, o novo Amor, Sublime Amor (West Side Story, EUA, 2021 – Fox/Disney) é daqueles filmes gostosos de assistir, como Spielberg sabe como fazer. A sensação passada na sala de cinema é a de estar num espetáculo da Broadway, com os atores ali bem na frente, não apenas projetados em uma tela. Os números musicais são extravagantes, maravilhosamente coreografados e dirigidos. Neles, figurino e iluminação são muito bem utilizados pra dar ainda mais vida às cenas. Há também uma contraposição muito interessante entre cores quentes e frias para representar os latinos e os yankees – algo, aliás, já feito na série Them, de Jordan Peele.

Por tudo isso – e pela sempre assumida paixão pela história juvenil de paixão, ódio e morte musicada por Bernstein e Sondheim – que a opção por Steven Spielberg (justo ele, um dos integrantes da turma underground que veio para derrubar o status mágico dos musicais nas telas!) por este novo Amor, Sublime Amor torna-se a escolha mais acertada que poderia ter sido feita. Também conhecido pela sobriedade de seus filmes sérios e pelo magnetismo espetacular que imprime aos seus so called filmes-pipoca (aqueles como gosto supremo de entretenimento leve, despretensioso e divertido, como uma boa Sessão da Tarde sempre deve ser para qualquer que seja a idade dos espectadores), ele foi o cara certo na hora certo para atualizar com precisão a história centrada na paixão do integrante dos branquelos americanos Jets Tony (Ansel Elgort) por María (Rachel Zegler, bastante cotada para indicações às principais premiações de atriz da temporada), irmã do líder da gangue latina rival Sharks. Se a onda agora for refazer musicais clássicos para conquistar a geração Z, pelo menos este West Side Story ganha disparado em poder de atração e qualidade ao também recente remake de Nasce Uma Estrela com elenco encabeçado por Lady Gaga.