Movies, Music

Bob Marley: One Love

Cinebiografia foca em período turbulento do maior ícone do reggae mas peca em não ousar mostrá-lo além da já consagrada fama mundial

Texto por Abonico Smith

Foto: Paramount/Divulgação

Desde que o Queen rompeu a barreira das cifras astronômicas das bilheterias que cinebiografias de ídolos planetários da música pop vêm sendo preparadas em série pelos grandes estúdios na tentativa de colar no vácuo e garantir outros bons resultados financeiros às custas dos amantes de canções que marcaram a história do rádio e da televisão antes do consumo no mercado fonográfico ganhar uma nova ordem em plataformas online. Elton John, David Bowie, Aretha Franklin, Whitney Houston, Elvis Presley, Amy Winehouse, Michael Jackson, Madonna: grandes astros do mundo dos discos já chegaram às telas (de cinema e de streaming) ainda deverão chegar daqui a algum tempo.

Nesta semana é a vez do homenageado da vez na sétima arte ser o cara que conseguiu furar a bolha socioeconômica que quase sempre separou o terceiro mundo da fabricação de estrelas musicais vindas do eixo formado entre América do Norte e Europa. Bob Marley: One Love (EUA, 2024 – Paramount) chega aos cinemas para mergulhar na intensidade dos anos finais de vida do jamaicano que virou sinônimo eterno de reggae, gênero que ajudou a exportar ao mundo inteiro nos anos 1970 depois de iniciar, na década anterior, carreira precoce na capital Kingston com embriões como o ska e rocksteady. O foco aqui está em toda a turbulência compreendida entre 1976 e 1978.

Tudo começa com a polarização política que levava a toda a ilha caos, violência e terror. Nos bastidores de uma apresentação organizada por Bob para tentar celebrar um momento de paz e união que fosse, sua casa/estúdio é invadida por terroristas que disparam dezenas de tiros contra ele, a esposa Rita e integrantes de seu estafe. Isto leva o artista a um autoexílio na cidade de Londres, onde fica a sede da gravadora Island, que desde 1974 já faturava à beça lançando seus discos no mercado europeu. Lá, longe da esposa Rita (que se recupera das balas recebidas e opta por levar os filhos para passar um tempo com a vó residente nos Estados Unidos), Marley concebe o álbum Exodus, considerado por muita gente um dos maiores momentos de sua carreira (com hits como “Jamming”, “Three Little Birds”, “Waiting In Vain”, “Exodus” e “One Love”) e que traz em suas letras um reflexo do momento vivido por ele desde o atentado. O recorte termina em 1978, período marcado por dois momentos: a descoberta de um câncer de pele que viria a tirar sua vida em 1981, aos 36 anos de idade, e o retorno à Jamaica para mais um show triunfal, no qual levou ao palco os dois maiores rivais políticos do país e os fez dar as mãos em sinal de paz. No meio disso tudo, alguns flashbacks expertos da vida do jovem Bob: a época em que ele e Rita se conheceram melhor e começaram a ficar juntos, a tensa performance que resultou na conquista do primeiro contrato assinado para um disco, a criação do clássico “No Woman No Cry”, a pregação da cultura e filosofia rastafári, que acabaria por tornear toda a sua vida posterior. A base disso tudo é o livro biográfico assinado por Rita e com edições nacionais datadas de 2004 e 2020.

Dirigido por Reinaldo Marcus Green (mais conhecido do grande público por uma outra cinebiografia anterior, a do pai das irmãs tenistas Serena e Venus Williams) e roteirizado pelo próprio Green e outras seis mãos, a história de um Bob Marley já idolatrado na Jamaica e fora dela não foge muito da regra comum a outras recentes biografias: caracterização impecável, cuidado extremo na parte da reprodução sonora fidedigna e uma vontade tão grande de agradar musicalmente aos fãs que pagam o ingresso que isso acaba se tornando bem mais importante do que o cuidado com o roteiro. Não que este derrape feio em dados históricos como o filme do Queen, por exemplo, mas também a narrativa se mostra muito acanhada aqui: pinta Bob Marley já como herói da música, mas não sabemos como ele chegou a este patamar. O ator britânico Kingsley Ben-Adir não só canta e fala igual ao cantor e compositor, mas também parece incorporar o espírito de Marley no gestual performático, no olhar e no jeito de ser longe dos microfones. Fica difícil não embarcar na transmutação ao olhá-lo nas cenas rodadas em Kingston e Londres. Só que isto é pouco para fazer do longa algo tão poderoso e revolucionário quanto a música do jamaicano (inclusive sua influência decisiva no punk rock da terra da rainha Elizabeth também é abordada bem pela tangente durante a projeção).

Dois detalhes podem explicar tudo isso: a voz e a presença constante de Ziggy Marley nos bastidores das filmagens, além de sua assinatura, ao lado de Rita e a irmã Cedella na produção executiva da obra. O filho do casal Bob e Rita esmerou-se tecnicamente em colocar o pai com perfeição técnica nas telas, sobretudo na hora das canções, você vê músicos profissionais da ilha atuando como os instrumentistas dos Wailers (inclusive Aston Barrett Jr, filho do baixista original do grupo, falecido agora, no início de fevereiro) e as três backings do I Threes. No arco romântico, a preocupação é mostrar a mãe como a eterna fiel escudeira de seu pai, tanto nos palcos e estúdios como na vida. As aventuras extraconjugais do astro surgem em breves pinceladas e o relacionamento de um ano com a Miss Mundo 1976 Cindy Breakespeare (com quem ele teve o filho Damian, nascido no ano seguinte em solo londrino) é praticamente apagado do roteiro.

A intenção de ligar o sobrenome Marley à união espiritual de uma família pode ser, enfim, a justificativa da escolha do hit “One Love” para servir de subtítulo ao longa, já que a faixa que encerra o lado B de Exodus aparece somente no início dos créditos finais. E justamente essa veia chapa-branca apaga um pouco do brilho do que poderia ser a primeira biografia musical de um ícone do reggae. A poderosa música de um país do terceiro mundo acaba ficando encaixotada na fórmula comercial imposta pela máquina hollywoodiana.

Music

Ira!

Oito motivos para não perder o show que recria na íntegra as oito faixas de Psicoacústica, o disco mais conceitual e cultuado do quarteto

Texto por Abonico Smith (com colaboração de Filipe Silva)

Foto: Ana Karina Zaratin/Divulgação

Deus escreve certo por linhas tortas, já dizia aquele velho provérbio. A frase parece se encaixar bem quando o assunto é Psicoacústica, o terceiro álbum da carreira do Ira!. Lançado em maio de 1988, o trabalho foi precedido por uma grande expectativa. O quarteto paulistano vinha de dois primeiros discos muito badalados por crítica e público, tendo o segundo, de dois anos antes, ultrapassado a marca das 250 mil cópias vendidas. Pegou o tempo das vacas gordas do Plano Cruzado e impulsionou a carreira, ainda curta, de uma banda que apresentava aos jovens brasileiros a sonoridade dos mods britânicos da década de 1960. De quebra, jogou o grupo, já bastante conhecido do circuito underground, ao estrelato nacional, chegando a garantir uma escalação para a primeira edição do megafestival internacional Hollywood Rock, surgido na cola do Rock In Rio.

Com a moral alta dentro da gravadora, ficaram livres para fazer o que quiseram durante a concepção e gravação do álbum, inclusive tendo orçamento generoso e tendo o privilégio de poder produzir a própria obra. Contudo, o resultado flopou. Pelo menos comercialmente falando. Oito faixas longas no vinil, arranjos extensos e nada radiofônicos. Não havia quase refrão e a viagem sonora levou Nasi (voz), Edgard Scandurra (guitarras), Gaspa (baixo) e André Jung (bateria) a explorarem sonoridades e ritmos que ainda não cabiam direito nos ouvidos da multidão que consumia aquele “novo” nicho fonográfico brasileiro chamado rock. Resultado, o disco não ganhou videoclipe para a divulgação na TV aberta e tocou bem pouco nas emissoras que abriam (muito) espaço em sua programação a outros colegas de gênero. A chegada a “apenas” 50 mil exemplares adquiridos nas lojas foi considerada decepcionante.

Psicoacústica foi uma espécie de rebeldia do Ira! frente ao pertencimento ao mundo da fama e do mainstream. A banda renegou o modus operandi de fazer playback em programas de auditório. O dinheiro torrado pela gravadora meio que queimou o filme dentro da própria casa – outros três álbuns chegaram a ser lançados pela Warner (então WEA), mas nem a atenção da gravadora nem as vendas conseguiram voltar aos velhos tempos – tanto que o lançamento em CD levou anos e anos e anos para acontecer, mesmo com a explosão do consumo do formato nos anos seguintes ao Plano Real, em meados dos 1990s. Só que, por outro lado, do fracasso nasceu o culto: muitos fãs fiéis amaram o disco e fizeram com que ali nascesse uma das fases mais queridas da banda. Não à toa, listas de melhores elaboradas pelas revistas Rolling Stone e Billboard já neste século 21 consideram o conjunto destas oito faixas “estranhas e esquisitas” um dos cem melhores trabalhos da música brasileira de todos os tempos.

Por isso, Psicoacústica é considerado hoje um dos grandes ativos dentro da trajetória do Ira!. Hoje com a formação modificada (Evaristo Pádua na bateria e Johnny Boy Chaves no baixo, ambos com passagens pela banda solo de Nasi), o grupo resolveu celebrar os 35 anos de Psicoacústica levando-o na íntegra aos palcos. O show leva, no decorrer deste ano, aos espectadores de algumas grandes cidades brasileiras a mesma ordem original das faixas. A estreia ocorreu em primeiro de abril em São Paulo. Ontem foi a vez de Porto Alegre. Hoje (7 de outubro), quem recebe o espetáculo é Curitiba (clique aqui para mais informações sobre horário, local e ingressos).

Mondo Bacana destaca abaixo oito motivos para você não perder esta apresentação especialíssima de poucas datas espalhadas pelo calendário de 2023.

Fartos do rock’n’roll

Com moral dentro da gravadora, o Ira! conseguiu fazer com que um barracão no bairro paulistano da Barra Funda com a instalação até de uma estrutura de palco vinda do Radar Tantã (danceteria paulistana que ficava no lugar depois consagrado pela marca AeroAnta). Assim, os quatro tiveram liberdade de tempo e pressão para criar, através de jam sessions, algumas faixas que viriam a ser gravadas em Psicoacústica. A ideia, entretanto, era fugir do esquema de banda mod que predominara nos dois álbuns anteriores. Então surgiram arranjos mais longos e pesados, novas timbragens, canções sem aquele esquema tradicional de estrofe e refrão intercalados e flertes com outros ritmos e gêneros, como o psicodelismo, o hard rock, o reggae, a embolada e o hip hop. Edgard compôs uma canção, com muito humor, chamada “Farto do Rock’n’Roll”, que foi incluída no lado B do vinil, só que (ironia das ironias!) o arranjo é capitaneado por uma guitarra bem pesada e que dobra o riff de baixo criado por Gaspa. Depois um longo tempo trabalhando em estúdio (fazendo prés em Sampa, gravando oficialmente no Rio) possibilitou mais experimentos que rompessem com o padrão do rock básico do power trio com guitarra, baixo e bateria. Edgard explica. “Todos os trabalhos do Ira! sempre foram conceituais. Não digo discutidos anteriormente, pensados, mas às vezes intuitivamente acabaram criando um caminho a se trilhar, de sonoridade, de conceito, de paisagem musical. E assim foi com o Psicoacústica. A gente mudou um pouco os timbres, os efeitos, usando mais tecnologia. Acho que no princípio o Ira!, de criação, era muito inspirado nos nossos ídolos, e os ídolos como os Beatles. Vamos dizer que não seja a maior influência da gente, mas tem um Sgt Pepper’s na sua carreira. Assim como Clash tem o Sandinista, o Who tem o Quadrophenia. E outros artistas têm um disco especialmente conceitual. Acho que o Ira! tem esse objetivo de fazer discos diferentes que deixem marcas mesmo e o Psicoacústica foi feito pra não ser uma continuidade, teve um rompimento ao mesmo tempo que expunha o melhor de todos nós.”

Flerte com o hip hop

Lançada no mesmo ano de Psicoacústica, a coletânea Hip Hop Cultura de Rua significou o marco zero do rappaulistano no mercado fonográfico. O álbum reúne os grupos e pessoas que costumavam se encontrar na estação de metrô do Largo de São Bento para dançar break, falar sobre grafite, trocar informações sobre o efervescente gênero que vinha dos guetos negros dos grandes centros americanos e ainda compor as primeiras letras. Nasi e André foram dois dos produtores destas gravações. O diálogo constante com essa turma toda se refletiu no disco do Ira!. Em “Farto do Rock’n’Roll”, o vocalista usa e abusa dos scratches. Já o canto falado em cima do ritmo aparece em “Advogado do Diabo”. E o sampler copia trechos incisivos do filme O Bandido da Luz Vermelha em “Rubro Zorro”.

Prévia do manguebit

Chico Science gostava tanto de “Advogado do Diabo” que às vezes incluía a música no set list de seus shows. Tudo porque, alguns anos antes do manguebit surgir em Recife para ser exportado para o resto do país e o mundo, o Ira! já conectava o regionalismo musical brasileira (no caso, a percussão nos pandeiros da embolada nordestina) com o que as antenas captavam de sonoridade vinda do exterior (no caso, o hip hop nova-iorquino). Sem falar no teor extremamente crítico da letra, que também já antecipava toda a esculhambação que temos visto ultimamente nos meios da politica e da justiça neste país. No disco, a faixa ainda acaba com o sample de discurso de uma conhecida celebridade que transita entre o religioso e a caridade, mandando ver na conjunção entre o fascismo e o neoliberalismo nas ondas de uma emissora AM: “Não adianta, tem que haver rico, tem que haver pobre; tem que haver negro, tem que haver branco; tem que haver patrão, tem que haver empregado; por que o povo quer assim!”.

Verão da lata

Era uma vez um navio de bandeira panamenha chamado Solana Star, que partiu da Tailândia rumo aos Estados Unidos no segundo semestre de 1987. Além de pescados, a tripulação também traficava 22 toneladas de maconha acondicionadas em 15 mil latas. Contudo, a agência americana de combate às drogas descobriu o plano e avisou a polícia federal brasileira porque a embarcação precisaria aportar em nosso país para fazer alguns reparos. Com a delação do chefe do bando, o Solana Star precisou se livrar do material ilícito e a solução foi jogar tudo em águas internacionais antes de chegar por aqui. Resultado: o verão tupiniquim, da Bahia ao Rio Grande do Sul, foi infestado a partir de dezembro por estas latas trazidas pelas ondas até as praias. Quem provou da erva atestou que nunca existiu (e nem deverá existir) qualquer outra coisa parecida ou melhor no ramo. Foi tanto fuzuê que a PF paralisou todas as outras atividades naquele momento e se concentrou somente neste caso. Enquanto isso, muita gente aproveitou a remessa gigante para ganhar dinheiro com vendas posteriores ou então viajar bastante com o consumo. E o Ira!, enquanto gravava o disco, ficou fã. O que acentuou ainda mais o psicodelismo de Psicoacústica. Sobretudo na última faixa do lado B, “Mesmo Distante”. Nela, Edgar sobrepõe camadas e texturas de craviola, violão e guitarras cheias de efeito. Tem até loop do instrumento tocando ao contrário. Para Scandurra, a época do fumo da lata foi importante. “A gente já estava querendo alguma coisa que transpusesse a coisa do experimentalismo técnico, de ficar experimentando ritmos musicais como se fosse um trabalho acadêmico. A gente buscava uma essência que talvez a lata tenha nos ajudado a atingir. Principalmente quando você fica mais de um mês dentro do estúdio gravando. Era um disco de oito músicas, não um disco de muitas faixas. Um disco de oito músicas densas, grandes, longas. Acho que a lata foi importante para a coisa recreativa, da diversão, que a cannabis produz, provoca na pessoa, e na inspiração mesmo, relaxamento.”

O terceiro mundo vai explodir!

Nasi dá seu atestado sobre o período de concepção de Psicoacústica: “vivíamos um período muito conturbado do Brasil, prestes a ter sua primeira eleição a presidente [o que aconteceu em 1989], saindo de uma ditadura, crise econômica séria, vindo do final de um governo corrupto e inadequado como foi o Sarney, um vice [presidente] incompetente e cheio de oligarquias ao seu lado. Acho que tudo isso, assim como os dois primeiros discos do Ira! refletem uma fase mais solar, digamos, mais esperançosa do pais, 1985, 1986, esse momento do país refletiu muito nesse ar sombrio do disco, nessa atmosfera carregada dele, em letras por vezes pessimistas ou então questionadoras, como ‘Pegue Essa Arma’. Por isso que o Psicoacústica é muito diferente em atmosfera e em letra dos dois primeiros”. Na citada “Pegue Essa Arma”, que também antevia o Brasil desses últimos anos de (des)governo violento e superarmamentista, o vocalista ainda encaixou um sample com duas frases extraídas do filme O Bandido da Luz Vermelha: “O terceiro mundo vai explodir! E quem tiver de sapato não sobra!”. 

Bandido da Luz Vermelha

João Acácio Pereira da Costa aterrorizou São Paulo praticando crimes pela madrugada durante cinco anos na década de 1960. Estupros, roubos, assaltos e assassinatos foram atribuídos pela polícia a ele, que para suas atividades ilícitas se utilizava de quatro personalidades diferentes. Uma delas era o Bandido da Luz Vermelha. O fato de carregar uma lanterna com lente vermelha chamou a atenção da imprensa que o popularizou com este apelido. O cineasta Rogerio Sganzerla pegou a história de João Acácio como base e fez em 1968 um filme de mesmo nome, com o ator Rogério Villaça como o protagonista. Muita gente acha que este longa-metragem foi a inspiração para a faixa de abertura de Psicoacústica. Afinal, “Rubro Zorro” já começa com o slogan “Trata-se de um faroeste sobre o terceiro mundo”, extraído de lá. Só que o que quase ninguém sabe é que a inspiração de João Acácio veio dos Estados Unidos. Caryl Chessman foi condenado à morte em 1948 pela mesma série de crimes ocorridos nas redondezas de Los Angeles, também sob a pecha de utilizar uma lanterna de luz avermelhada. Depois de ser preso, nos anos 1950, tornou-se popular mundo afora por ter estudado Direito, ter sido o próprio advogado e escrito um romance e três livros autobiográficos que despertavam sentimentos extremos e difusos, de compaixão a raiva. Caryl foi executado na câmara de gás em 1960 e vários versos escritos por Nasi para esta canção fazem referência a ele. Depois da morte de Sganzerla, a viúva do cineasta colocou vários trabalhos inéditos feitos por ele, inclusive um clipe como cenas de seu longa-metragem para esta faixa do Ira!. Na época, Nasi o convencera de dirigir o vídeo de “Pegue Essa Arma”, mas a gravadora deu para trás e nada rolou.

Poema português

Quando serviu o exército, Scandurra conheceu outro soldado, de sobrenome Esteves, que lhe deu um poema escrito num papel. Este poema acabou virando uma música. “Receita Para Se Fazer Um Herói” já estava no repertório do Ira! havia algum tempo mas só foi gravada em Psicoacústica e virou a única faixa a emplacar execuções radiofônicas. Só que algum tempo depois a banda descobriu que, na verdade, o poema – bastante sarcástico, por sinal – era de Reinaldo Ferreira, um dos maiores poetas da História portuguesa, com especialistas comparando-o a Fernando Pessoa.

Complemento do set list

Nasi brinca que o show não duraria nem 40 minutos se a banda tocasse somente as oito faixas de Psicoacústica. Então, acabada a reedição mas uso poucoo mas uso poucoo ao vivo deste cultuado álbum, entra uma segunda parte do concerto, que privilegia várias de suas principais músicas espalhadas pela extensa discografia. Vai ter também grandes hits, como “Núcleo Base”, “Dias de Luta”, “Flores em Você” e “Envelheço na Cidade”? Óbvio. Vai ter pequenas pérolas vindas de álbuns nem tão conhecidos, como “Tarde Vazia”, “Eu Quero Sempre Mais” e “O Girassol”? Sim. Vai ter canção da safra mais nova, do disco criado e concebido depois do hiato de alguns anos? Também e ela se chama “O Amor Também Faz Errar”. Agora o mais surpreendente é que o Ira! também tocará três covers escolhidas a dedo de clássicos do rock anglo-americano (bom… se contar os nomes das músicas ou os artistas aí vira spoiler!).

Movies

Alan Parker

Oito filmes para lembrar para sempre a trajetória do diretor e roteirista britânico que morreu aos 76 anos de idade

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Texto por Janaina Monteiro

Fotos: Reprodução

Difícil saber qual filme de Alan Parker fez mais sucesso. O diretor e roteirista, que morreu aos 76 anos decorrente de uma “longa doença” (não informada pela família) no último dia de julho deste ano pandêmico, foi mestre em fazer um cinema comercial de qualidade e capaz de arrebatar grandes bilheterias. Saudosa época em que se formavam filas para assistir aos filmes do londrino que migrou da publicidade para o cinema na década de 1970.

Versátil, Parker transitava entre gêneros e conseguia tecer críticas ao sistema, denunciando a violência sem soar agressivo. Alcançou o estrelato com O Expresso da Meia-Noite (1978). O drama, com roteiro assinado por Oliver Stone, foi inspirado em fatos reais. A história do jovem americano preso por tráfico de drogas na Turquia rendeu-lhe a primeira indicação ao Oscar. A segunda foi por Mississipi em Chamas (1988), com Willem Dafoe, Gene Hackman, Frances McDormand, sobre violência racial que marcou (e ainda persiste) nos EUA dos anos 1960.

Mas foi o flerte com a cultura pop que fez Parker alcançar popularidade. Seus musicais marcaram duas décadas seguintes, época em que os jovens passavam a consumir videoclipes com o advento da MTV. Assinou a direção de Fama (1980), Pink Floyd – The Wall (1982), The Commitments – Loucos pela Fama (1991) e o longa Evita (1996), protagonizado pela diva pop Madonna.

Parker respirava e transpirava cinema. Gostava de estar na frente e atrás das câmeras. Atuou em alguns de seus filmes (como em The Commitments), escreveu o livro que deu origem ao roteiro de Quando as Metralhadoras Cospem (1976) e ainda compôs parte de algumas trilhas sonoras. Em 2015, Parker anunciou sua aposentadoria, após ver seus filmes arrebatarem dez estatuetas do Oscar e quinze Baftas.

O Mondo Bacana faz uma homenagem ao cineasta britânico, lembrando oito filmes que marcaram sua trajetória na sétima arte.

Quando as Metralhadoras Cospem (1976)

A estreia de Parker no cinema veio com um inusitado filme que certamente seria proibido hoje por ter atores mirins no papel de gângsteres. Parker se inspirou na própria rotina para criar o musical Bugsy Malone (seu título original), uma vez que atuava com publicidade e vivia cercado de crianças, seja nos comerciais pra TV ou em casa, já que tinha quatro filhos pequenos na época. Ambientada na Nova York de 1929, ano do crash da bolsa de valores de Wall Street, a obra talvez seja uma das mais subestimadas dele. No elenco, estavam a talentosa iniciante (e futura diretora) Jodie Foster, que no mesmo ano também fez o clássico Taxi Driver, e ainda Dexter Fletcher, o futuro diretor de Rocketman e Bohemian Rhapsody.

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O Expresso da Meia-Noite (1978)

O trabalho seguinte de Parker já mostrava uma veia mais eclética e densa, deixando clara a sua intenção de não se prender a estilos. Midnight Express é um drama sombrio baseado na história real do norte-americano Billy Hayes (Brad Davis), estudante que é preso na Turquia por contrabando de haxixe. O longa escancarou a violência no sistema prisional de países de fora do primeiro mundo e traz uma das cenas mais parodiadas na história do cinema: aquela em que um vidro separa a personagem de John Hurt e sua amada.

Fama (1980)

Musical que abriu a década de 1980 e se transformou em febre entre os jovens, tendo conquistado o Oscar de Trilha Sonora e Canção Original, categoria que também rendeu um Globo de Ouro. Fame revelou a atriz e cantora Irene Cara, que interpreta a música-tema e três anos depois triplicou sua fama ao estrelar Flashdance. O musical traz a história de oito adolescentes que pleiteiam uma vaga na New York’s High School of Performing Arts e virou fenômeno entre os primeiros millennials. Todo mundo passou a copiar o figurino de Irene, principalmente usando as tais polainas. Curiosidade: nomes como Madonna, Tom Cruise, Patrick Swayze e Michelle Pfeiffer não foram aprovados nas audições para participar do elenco. Depois este filme foi adaptado para uma série de televisão e chegou a ganhar um remake em 2009. O nostálgico videoclipe da música-tema, com o elenco dançando nas ruas de Nova York, está disponível no YouTube.

Pink Floyd – The Wall (1982)

Esta é a versão cinematográfica do clássico álbum do quarteto inglês e trouxe a grande influência dos videoclipes seguindo a estética inicial da MTV. Roger Waters escreveu o roteiro com tons autobiográficos. O musical (parte feita em animação assinada por Gerald Scarfe) conta a história de Pink, interpretado por nada menos que Bob Geldof (cantor e compositor irlandês e que anos depois seria o idealizador do festival Live Aid). Ele interpreta um roqueiro deprê e viciado em drogas que perdeu o pai na Segunda Guerra Mundial. The Wall fez um grande sucesso e teve, de fato, cenas transformadas em videoclipes. No entanto, o longa revelou-se um experiência desgastante e acabou minando a relação entre o cineasta, Waters e Scalfe.

Coração Satânico (1987)

Adaptação do romance de William Hjortsberg, Angel Heart se transformou em obra cult ao misturar terror com policial noir bem ao molde de Stephen King, que, por sinal, tece elogios ao livro. A história se passa em Nova York, em 1955. Louis Cyphre (Robert De Niro) contrata o detetive Harry Angel (Mickey Rourke) para encontrar um cantor desaparecido no pós-guerra. Recentemente, o título foi relançado no Brasil pela DarkSide Books.

Mississipi em Chamas (1988)

Este é um filme que infelizmente soa atemporal por tratar de questões ainda não resolvidas pela sociedade como a segregação e preconceito racial. Rupert Anderson (Gene Hackman) e Alan Ward (Willem Dafoe) interpretam em Mississipi Burning dois agentes do FBI que investigam o desaparecimento de militantes dos direitos civis em meados dos anos 1960. A atriz Frances McDormand foi revelada neste trabalho e Parker, por ele, indicado ao Oscar de melhor diretor.

The Commitments – Loucos pela Fama (1991)

Parker retornou aos musicais com esta história baseada no romance de Roddy Doyle sobre músicos amadores de Dublin que se reúnem para formar um grupo para tocar soul music. O sucesso foi tão grande, que o filme não só levou quatro prêmios Bafta em 1992 como a própria banda ganhou vida fora das telas, fazendo turnês mundo afora. A trilha sonora de The Commitments vendeu mais de 15 milhões de cópias e é considerada um marco dos anos 1990, trazendo clássicos do soul como “Mustang Sally”, “Take Me To The River”, “The Dark End Of The Street”, “In The Midnight Hour” e “Try A Little Tenderness”.

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Evita (1996)

Se Madonna foi descartada em Fame, aqui ela tornou-se a estrela principal no papel da primeira-dama Eva Perón. O filme arrebatou vários prêmios, como os Globos de Ouro de musical, canção original (“You Must Love Me”) e atriz para Madonna. A música também levou o Oscar. Baseado na ópera-rock homônima de Andrew Lloyd Webber e Tim Rice, arrecadou mais de 140 milhões de dólares de bilheteria. Na esteira do sucesso, porém, vieram polêmicas e problemas diplomáticos, como protestos do povo argentino, que não aprovou Madonna no papel de um verdadeiro mito, além do fato de terem transformado um drama político e uma tragédia pessoal num musical. Peronistas chegaram a pichar muros com “Fora Madonna”. Também estão no elenco o espanhol Antonio Banderas (Che) e Jonathan Pryce (Juan Domingo Perón).