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O Escândalo

História sobre os assédios sexuais que derrubaram recentemente o CEO da Fox News chega aos cinemas de forma confusa

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Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Paris Filmes/Divulgação

O escândalo Bombshell estourou em 2016, em pleno período eleitoral (quando Donald Trump chegou à presidência norte-americana), e envolveu estrelas do maior canal de TV conservador dos Estados Unidos. Nele, âncoras da Fox News, bem como diversas outras mulheres, acusaram o diretor e CEO Roger Ailes de abuso sexual. Entre elas, Gretchen Carlson e Megyn Kelly, duas das maiores apresentadoras da emissora.

Em O Escândalo (Bombshell, EUA/Canadá, 2019 – Paris Filmes), filme dirigido por Jay Roach e escrito por Charles Randolph, acompanhamos a trajetória dessas mulheres, desde o momento em que Gretchen (Nicole Kidman) entra em litígio com Ailes (John Lithgow) até o momento em que aceita o acordo judicial, que conta com um pedido de desculpas oficial da Fox. No entanto, não é Gretchen a protagonista – a história foca no conflito interno da jornalista Megyn Kelly, que demorou a se pronunciar a respeito do escândalo, mostrando também a pressão produzida dentro do quadro de funcionários da Fox News, condenando seu inicial silêncio. Ainda, há Kayla (Margot Robbie), uma jovem evangélica que acredita nos ideais do canal mas torna-se a mais recente vítima do CEO. As três “protagonistas” têm pouco tempo de tela compartilhado, suas tramas são solitárias e pouco se entrelaçam.

Este é um filme fortemente necessário, que traz luz a um caso seríssimo de assédio sexual no ambiente de trabalho, demonstrando com crueza a dinâmica opressora entre patrão e empregadas. Mais obras com a mensagem de O Escândalo devem surgir, visibilizando o comportamento deplorável de homens em posição de poder. No entanto, é uma pena que uma história tão rica e impactante tenha sido conduzida de uma maneira tão confusa como esta.

A direção de Roach, que está em seu terceiro drama, com um passado de comédias pastelão como Austin Powers, Entrando Numa Fria e Os Candidatos, é confusa e bastante inquieta. Com exposição despejada num rompante nas cenas iniciais, com quebras inconstantes da quarta parede e câmeras na mão, com muito zoom e montadas em uma justaposição estranha, O Escândalo começa num conflito de estilos radicalmente divergentes, buscando sua estética num emaranhado de ideias que, a partir do segundo ato, são abandonadas em prol de uma abordagem mais comercial. Há cenas em que a quebra da quarta parede chega a ser incômoda, por ser súbita, breve e um caso isolado – uma das personagens o faz uma única vez; outra, duas ou três; e a última não chega a tanto.

No entanto, Roach busca um hiperrealismo que, apenas na trama de Kayla, é eficaz. Grande parte do mérito é de Margot Robbie, que interpreta muito bem uma millennial de extrema direita com certas nuances – incluindo sua sexualidade. Seu texto não é dos melhores, o que cria uma personagem por vezes estereotipada, mas que se redime quando Robbie rouba a cena.

A montagem, assinada por Jon Poll, é, no máximo, eficiente. Contudo, erra a mão em momentos que quebram o ritmo do longa, com uma sensação de estranhamento terrível. A maquiagem é ótima em Charlize Theron, que também atua muito bem, porém causa um leve desconforto em Nicole Kidman, que parece um pouco imobilizada pelas próteses.

Por mais necessário que seja, o longa afasta o espectador com sua indecisão, que cria momentos desnecessários e desconfortantes, em especial o início de sua trama. Sinto que, nas mãos de outro diretor e com melhor cuidado de desenvolvimento de personagens, a fim de evitar unidimensionalidade das protagonistas e coadjuvantes, O Escândalo poderia alcançar resultados muito mais impactantes que com a equipe escalada. Uma história tão importante não deveria, de forma alguma, se tornar esquecível – e é isso que ocorre aqui.

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Um Funeral em Família

Tyler Perry volta a encarnar o personagem Madea em comédia repleta de obviedades e estereótipos

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Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Paris Filmes/Divulgação

Há uma corrente argumentativa que nega a necessidade de obras enaltecendo a representação da população negra nos cinemas e sustentam que filmes como Pantera NegraMoonlight e Infiltrado na Klan não fazem serviço algum ao povo que representam. Pois bem: Um Funeral em Família (A Madea Family Funeral, EUA, 2018 – Paris Filmes) se coloca como prova cabal de que tais filmes se fazem necessários.

Mais uma história de Tyler Perry protagonizando o personagem Madea, Um Funeral Em Família parece revolver em torno da morte de Anthony (Derek Morgan), o patriarca da família da “icônica” idosa, mas sua estrutura é desenvolvida de forma a introduzir o funeral apenas na segunda metade do filme. Não vale muito construir esta resenha em torno da trama. Afinal, é claro, ela é ignorada completamente pelo roteirista, diretor, produtor e protagonista.

Perry interpreta assombrosos quatro personagens, sendo três desenvolvidos em cima das próteses de rosto. Seus alter-egos masculinos, Joe e Tio Heathrow, são monótonos e resumem-se a piadas de cunho extremamente machista ou racista. Madea também replica este humor lastimável, com maior ênfase em sua história criminal. Claro, todos têm sua própria ficha policial quilométrica, como bons negros (o diretor afirma isso durante o filme quase explicitamente). Para completar o núcleo de idosos, Bam (Cassi Davis) e Hattie (Patrice Lovely) são a ridicularização da mulher negra levada ao próximo nível. A título de comparação, a linguagem corporal de Hattie recorda Jim Crow, clássica figura do humor racista americano, revisitada recentemente por Childish Gambino no clipe da faixa “This Is America”.

Os demais personagens não escapam uma cena sequer do estereótipo que representam. Claro, todos os homens são musculosos enquanto as mulheres têm cabelos lisos, corpos definidos e são vítimas de assédio pelo menos uma vez no filme.

A direção de Perry é óbvia em toda chance possível e, com uma montagem peculiarmente diferente, causa estranheza desde sua primeira cena. Ângulos de câmera, posicionamento dos personagens na mise-en-scène e até a razão de aspecto do filme dão a impressão de que este nada mais é que uma sitcom que, por acidente, foi parar nos cinemas.

Gostaria, sinceramente, de ser capaz de apontar bons traços de Um Funeral em Família. Contudo, seu mérito é ser tão indigesto que causou a todos os presentes na sessão em que presenciei a inexplicável vontade de retirar-se do cinema. Por sorte, Tyler Perry já anunciou que largará Madea de vez. O que significa mais espaço para diretores como Barry Jenkins, Jordan Peele e Ryan Coogler no mercado.