Clássico conto ganha releitura sinistra, baseada em atmosfera de tensão e centrada na figura da irmã agora adolescente
Texto por Maria Cecilia Zarpelon
Foto: Imagem Filmes/Divulgação
Publicada originalmente em 1812, a clássica fábula dos Irmãos Grimm já teve diversas adaptações cinematográficas. Agora ganha uma macabra abordagem com Maria e João – O Conto das Bruxas (Gretel & Hansel, Canadá/Irlanda/EUA/África do Sul, 2020 – Imagem Filmes). Em comparação aos outros remakes, o longa dirigido por Oz Perkins se destaca. Porém, isso não quer dizer muita coisa quando sua competição são os recentes João e Maria: Caçadores de Bruxas e João, Maria e a Bruxa Da Floresta Negra, ambos de 2013.
Como a reintitulação sugere, o foco desta versão está em Gretel (Sophia Lillis), agora oito anos mais velha que Hansel (Sammy Leakey), a quem foi encarregada de proteger. A história segue o curso do conto original, mas sob uma nova interpretação e propondo algumas mudanças. Depois de serem expulsos do lar pela mãe incapaz de os alimentar, os irmãos saem floresta adentro em busca de um lugar para passar a noite. No caminho, encontram um caçador (Charles Babalola) que lhes oferece comida e instruções sobre a viagem que terão pela frente. Quando tudo parece perdido para os dois, eles se deparam com uma casa e um grande banquete, aparentemente só à espera de alguém para comê-lo. Famintos, os irmãos são recebidos por uma suspeita senhora (Alice Krige), que parece ter tudo o que eles haviam almejado e mais um pouco. Gretel fica desconfiada da fartura e teme que algo esteja errado. A partir deste ponto, o espectador provavelmente pensará que sabe para onde a narrativa seguirá. Mas pode ser que haja enganos…
Oz Perkins é conhecido por criar um terror paciente, que está definitivamente de fora do mainstream. Sua preferência pela lenta formação de uma atmosfera de tensão sobre os rotineiros jumpscares, torna suas produções diferenciadas e refrescantes, se distanciando do beabá das franquias de horror e de seus saturados clichês. Suas produções quietamente sinistras e centradas em mulheres sugerem muito mais do que revelam. Logo, sua terceira obra não é diferente. Maria e João, entretanto, demonstra Perkins se apoiando de novo na atmosfera sobre a narrativa, compreendida no roteiro de Rob Hayes. No geral, a história é sobre uma jovem encontrando sua força interior, e por mais que seja macabra, falta um melhor desenvolvimento dos personagens para assustar de fato. O diretor cria para o longa uma iconografia própria e, junto da sedutora e fantasiosa fotografia de Galo Olivares, constrói um cenário arrepiante, mas que acaba sendo enfraquecido pela unidimensionalidade da narrativa.
Dispondo de um roteiro fraco e confuso, nesta nova versão parece que houve uma preocupação muito maior com o visual do que com contar uma boa história. Esteticamente admirável e com uma fotografia hipnotizante, o longa seduz o espectador com ângulos e enquadramentos inteligentemente pensados, uma ambientação sombria e um ar quase que claustrofóbico.
Repleto de simbolismos e diálogos metafóricos, diversos significados implícitos são expressados durante o filme. O cineasta explora um repertório único de códigos e minúcias que tratam de adensar, principalmente, os diferentes lugares que homens e mulheres ocupam. O triângulo, figura recorrente no longa, além de ser um dos símbolos mais místicos da humanidade, representa mudança e desenvolvimento espiritual – referência à trajetória da protagonista.
Mas, ao mesmo tempo que tudo parece ter sido milimetricamente pensado, existem fragmentos que não encaixam e figuras que de nada agregam na história. Como exemplos, o caçador e a cena do “ataque zumbi” (que, além de ser o único momento que o filme se entrega aos baratos jumpscares, parece ter sido adicionado depois, assim como a narração de Gretel, que desnecessariamente explica o que está acontecendo na tela). Tentando inovar o enredo original, Hayes buscou acrescentar e explicar eventos que não têm impacto ou sentido.
Mais sombrio do que excitante, Maria e João é uma tentativa pertinente de trazer uma nova e atual releitura sem deixar de preservar o ar assustador original de um dos contos mais conhecidos do mundo. Oz Perkins é uma voz autoral, clara e intrigante em meio a uma cacofonia de diretores de franquias de horror, mas infelizmente não é apenas o visual que faz um filme se tornar memorável. Bagunçado, com ambições que não se realizam e ideias genuinamente promissoras que se transformam na execução, este longa, assim como os irmãos na floresta, perde-se no campo da narrativa da história. O resultado é uma obra medíocre, que tinha um enorme potencial para ser fantástica.