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Aumenta que é Rock’n’Roll

Longa sobre a revolucionária atuação da Fluminense FM na cultura jovem brasileira dos fica muito aquém daquilo que deveria realmente ser

Texto por Carlos Eduardo Lima (Célula Pop)

Foto: H2O/Divulgação

Esta resenha promete ter muito boa vontade com Aumenta que é Rock’n’Roll (Brasil, 2024 – H2O), longa de Tomas Portella, que estreou nos cinemas do país em 25 de abril. Não se trata de fazer vista grossa para eventuais falhas (e elas existem), mas de procurar privilegiar o fato de que é uma obra que faz justiça a um evento muito importante: o surgimento da rádio Fluminense FM em 1982, no Rio de Janeiro. A Maldita, como foi rebatizada logo após ir ao ar, foi parte importante da engrenagem que divulgou e difundiu a produção de bandas e artistas brasileiros daquela década de 1980, identificados com novos idiomas do rock e do pop.

Baseado no livro do criador da rádio, o jornalista Luiz Antonio Mello, A Onda Maldita, o filme procura os fatos ocorridos entre o momento anterior à fundação da emissora, indo até o primeiro Rock In Rio – ou seja, um total de pouco menos de três anos. Não existe, porém, um rigor neste recorte. Ele fica por conta do público e vai variar de acordo com o envolvimento de quem assiste ao longa. Se você é um ex-ouvinte da Flu FM (e há muitos por aí), os fatos e as imagens o atingirão em cheio no peito.

Há uma preocupação evidente com a ambientação de época, mostrando externas em Niterói, onde a rádio existiu, além de cenários bem convincentes dos estúdios da emissora, cheios de pôsteres de bandas, capas de discos e tudo mais, dando conta da identificação primordial da Maldita com o rock’n’roll. Seu surgimento, a partir de 1 de março de 1982, quando Luiz Antonio a colocou no ar com um célebre discurso de abertura. E a figura do jornalista será a responsável por conduzir a trama que rege o roteiro. Sua angústia em relação à importância do rock, seu desejo de “fazer diferente”, suas aspirações e convicções. O roteiro falha em dar profundidade ao personagem, mostrando apenas uma pessoa que gosta do gênero, sem explicar exatamente o motivo ou alguma referência pregressa. Ao longo do filme, a atuação de Johnny Massaro, responsável por interpretar LAM para o público, torna-se exagerada, histriônica, quase irritante.

A Fluminense foi famosa por apresentar inovações importantes no dial carioca. O uso de locutoras foi uma delas e o elenco traz várias atrizes, como a ótima Bella Camero, em atuações reduzidas e subvalorizadas. Seus nomes importam pouco. Ou melhor, não importam tanto quanto poderiam se os originais fossem mantidos. Profissionais como Selma Boiron, Mylena Ceribelli, Liliane Yusim, Edna Mayo, Monica Venerabile, entre outras, foram importantes e tiveram trajetórias próprias e ricas, que, certamente dariam mais força ao roteiro. Em seu lugar, optou-se por uma solução arriscada: criar uma personagem fictícia, que “representasse” o time feminino da rádio. Daí veio Alice, vivida por Marina Provenzzano, que acaba vivendo um romance com Luiz Antonio, numa distorção séria dos eventos. Tudo bem, é uma adaptação, mas muito infeliz. A atriz ainda se esforça em dar contornos reais para a personagem, só que uma revelação feita em certo momento torna tudo impossível. Erro sério.

Se a Fluminense FM teve identificação direta com o rock, não significa que sua identificação com o novo tenha sido imediata ou natural. Enquanto a maioria da programação tocava bandas na ativa já nos anos 1970 (Who, Yes, Rolling Stones, Led Zeppelin) e todas já meio datadas em 1982, a novidade viria por conta de um programa específico da emissora. Pilotado pelo fotógrafo e DJ Maurício Valadares, que abriu as portas da programação para ska, reggae, eletrônico, post-punk, o Rock Alive, simplesmente, não existe no roteiro. Se o filme finca posição no caráter de inovação da Maldita para além das locuções e promoções, precisa entrar na questão de que bandas e artistas atuais em 1982 eram veiculados. O envio de fitas cassete para a produção da rádio, mencionado com riqueza de detalhes no longa, não era uniforme e as bandas estreantes adentravam a programação em sua maioria, pelo programa de Valadares. Aliás, não é exagero dizer que a postura dele marcou a emissora muito além de sua real atuação, identificando a Maldita com o novo, ainda que bandas como Style Council, Cure, UB40, Duran Duran e similares não tocassem na programação fora dos domínios do Rock Alive. Mas tudo bem!

O elenco de apoio é regular, as sequências são ok – lembram um pouco o ritmo do finado programa global Armação Ilimitada e optam por mostrar Luiz Antonio como o protagonista solitário da epopeia de criação da Maldita. Sabemos (incluindo o próprio LAM) que tratou-se de um esforço conjunto e altamente “descoordenado”, que deu espaço para momentos de criatividade total e improvisos heroicos. No fim das contas, a famosa “consultoria” que a Fluminense teria prestado ao Rock in Rio surge muito rápida na tela e vai embora do mesmo jeito, com a solução óbvia de um romance totalmente careta e sem sentido, entre Luiz Antonio e Alice.

Três meses depois do Rock In Rio, em abril de 1985, LAM deixaria a emissora e partiria para uma carreira de muito sucesso no meio musical, atuando em gravadoras, emissoras, escrevendo roteiros para a TV e solidificando sua marca como um dos grandes pioneiros do jornalismo cultural do estado do Rio. É justo que seu feito com a Maldita seja lembrado e saudado além de sua geração e este é o mérito que justifica a existência de Aumenta que é Rock’n’Roll. Sua chegada é saudada, mas, cá entre nós, o filme poderia ser muito melhor.