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Angela

Isis Valverde revive a intensa história de fogo e paixão da socialite Ângela Diniz, vítima de famoso caso de feminicídio nos anos 1970

Texto por Janaina Monteiro

Foto: Downtown Filmes/Divulgação

Noite de 15 de julho de 2011. Uma menina, de 4 anos, perambula sozinha na rua de casa, em Colombo, região metropolitana de Curitiba. Encontra uma mulher e bate nas costas dela: “tia, minha mãe está morta”. Em cima da cama, a polícia encontra o corpo de Carine Andréia dos Santos do Carmo, executada com dois tiros na cabeça. Suspeito: o marido, foragido. Lembro até hoje o rosto da menina deixando a casa onde vivia há apenas dois meses, de mãos dadas com os conselheiros tutelares e as cenas da tragédia cravadas na memória. Sem mãe, nem pai.

30 de dezembro de 1976. Às vésperas do réveillon, a socialite mineira Ângela Maria Fernandes Diniz é executada com quatro tiros, três no rosto e um na nuca, pelo então companheiro Raul Fernando do Amaral Street, conhecido como Doca Street. “Se você não for minha, não será de ninguém”, disse o assassino, antes de disparar à queima-roupa. 

O crime ocorreu na casa onde os dois moravam, na Praia dos Ossos, município de Búzios, litoral do Rio de Janeiro. Ossos do homicídio. Raul fugiu, foi preso e, no primeiro julgamento, em 1979, seus advogados alegaram a tese de legítima defesa da honra, desabonando a conduta de Ângela, na famosa estratégia de culpar a vítima, que muitos advogados ainda sustentam hoje, um traço característico da cultura machista. Durante o júri, ela foi descrita como a mulher fatal, capaz de levar o homem à loucura.

Doca, o homem que havia “matado por amor”, recebeu a condenação de dois anos de prisão, que nem chegou a cumprir. O absurdo dessa pena “simbólica” deixou a sociedade perplexa e fez até o poeta Carlos Drummond de Andrade se manifestar: “estão matando essa moça todos os dias”, escreveu na época.

Os movimentos feministas logo se organizaram e criaram o slogan “Quem ama não mata”. Em 1981, Street foi levado a segundo julgamento e pegou 15 anos de prisão por homicídio doloso qualificado. Cumpriu quatro anos em regime fechado até progredir para o semiaberto. Antes de morrer, em 18 de dezembro de 2020, aos 86 anos, ele chegou a publicar um livro de memórias chamado Mea Culpa.

A história desse feminicídio, amplamente divulgado na mídia na época, agora está nas telas dos cinemas com direção de Hugo Prata. O cineasta, aliás, vem se tornando um especialista em cinebiografias de artistas e celebridades, sobretudo personagens femininas marcantes, como fez com Elis e agora Ângela. 

Angela (Brasil, 2023 – Downtown), o filme que traz Ísis Valverde na pele da protagonista e Gabriel Braga Nunes como Doca Street, estreia no país, no dia da Independência, 7 de setembro, e no ano em que o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a tese de legítima defesa da honra, usada em casos de feminicídio ou agressão contra as mulheres para justificar o comportamento do acusado. 

Num bate-papo pós pré-estreia no Cine Passeio, em Curitiba, comandado pelos curadores, Marden Machado, jornalista e crítico de cinema, e pelo diretor Marcos Jorge, Prata conversou com os espectadores e revelou detalhes de como o filme foi idealizado: “Achei que tinha perdido o timing. Porque quando comecei a rodar, logo veio o movimento #metoo. Depois, o caso ainda foi repercutido no podcast Praia dos Ossos”, lembrou. Portanto, foram sete anos até o lançamento do longa, prazo de expiração para muito casamento. Mas seu timing não poderia ser mais preciso, por causa da decisão histórica do STF.

Bonita, elegante e à frente do seu tempo, Ângela Diniz casou-se ainda adolescente com o engenheiro Milton Villas-Boas, quatrocentão da sociedade paulistana. Aos 21 anos, já tinha três filhos para criar. Na época em que conheceu Doca Street (que, então, era casado com outra socialite, Adelita Scarpa), Ângela estava fragilizada por causa do desquite, já que a lei do divórcio só seria aprovada no país em 1977, ano posterior ao homicídio.

Por isso, ao contrário do que muito se divulga, ela teve de renunciar à guarda dos filhos pequenos em prol de sua liberdade, de sua independência. Ao contrário dela, muitas mulheres permaneciam casadas para manter as aparências. Ficar longe das crianças foi o primeiro preço alto que teve de pagar, como mostra o filme. Prata contou que, desde o início, a ideia foi desmitificar nas telas a imagem da socialite como sendo a “mulher fatal”, a “pantera de Minas” que participava de festas ao lado do colunista social Ibrahim Sued, seu namorado antes da paixão avassaladora por Doca.

Durante seu processo de pesquisa, o cineasta entrou em contato com os filhos da vítima. Soube que um deles morreu num acidente. O outro tem uma doença que o paralisou e, por isso, é assistido pela irmã Cristiana Maria Villas-Boas Viana, sua tutora. Prata chegou a conversar pessoalmente com a filha de Ângela depois de encontrá-la nas redes sociais, mas não conseguiu muito subsídio para construir a história. Afinal, a dor ainda é grande. E, ao contrário do que muita gente pensa, há poucas imagens de Ângela em público porque ela não podia se expor.

“Ao falar da morte ficam dizendo que ela era rica, que ela era bonita, muito sedutora. Tudo aquilo que foi colocado no julgamento permeou a imagem da Ângela. Então, a gente descartou a tese de que não importa o que ela viveu antes de conhecer o Raul e antes dele matá-la. Ângela tinha o direito de viver a vida do jeito que ela quisesse. Então, o filme começa no dia em que eles se conheceram, evento fatídico da vida dela”, contou. Ou seja, Prata e a roteirista Duda de Almeida recriaram a protagonista livre de julgamentos, a partir do momento em que ela conhece seu assassino, numa festa, até a sua morte.

Foram quatro meses de fogo e paixão. Por isso, há muitas cenas de sexo (até demais!) no longa, que traz três atos bem marcados. O primeiro é quando ela conhece Doca, um homem que já dava indícios de índole violenta, habilidoso com armas e amante de safaris africanos. Numa cena, o playboy se gaba por ter enfrentado um elefante e ter matado uma presa mais forte que ele. No segundo, no meio do filme, ocorre a primeira agressão. No terceiro, a vítima passa a ser agredida frequentemente até acontecer o homicídio. Quando Ângela decide por um fim na relação, o orgulho ferido do caçador entra em ação. “Aliás, nós decidimos chamar Raul pelo nome e não pelo apelido”, contou o diretor, que esbanjou dos big close-ups, sobretudo por conta da intensidade de interpretação de Ísis Valverde, procurando manter um estilo narrativo de filmes feitos para televisão. E como se trata de uma cinebiografia, o público já sabe como é o final, desenhado aqui de forma potente como se todas as mulheres fossem atingidas pelos disparos de pistola no rosto.

O que, logo depois, leva à seguinte conclusão: se toda mulher é meio Leila Diniz, muitas ainda são Ângela Diniz.

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A Carta de Esperança Garcia

Documentário resgata a história da escrava do Piauí do século 18 que foi reconhecida pela OAB como a primeira advogada brasileira

Texto por Janaina Monteiro

Foto: Divulgação

A esperança é a última que morre. Na mitologia grega, a esperança presa na caixa (ou jarra) de Pandora pode ser considerada um mal. Ou um bem. Depende da interpretação, do ponto de vista. Afinal, de todos os males liberados pela mulher criada pelos deuses, foi ela – a esperança – que ficou aprisionada. 

Pelo viés pessimista nietzschiano, a esperança serve para que o homem não abandone a vida após ser torturado por todos os outros males – doenças, guerras, sofrimento. Por isso, é considerada o mal supremo, já que prolonga o nosso suplício. É como se fosse uma armadilha, que nos aprisiona na aceitação das coisas.

Por outro lado, a esperança pode ser encarada como o único bem: aquele que, justamente, torna a vida suportável, apesar de todo o mal. No Piauí do século 18, a Esperança com E maiúsculo e sobrenome Garcia foi escravizada, arrancada de sua família, maltratada, violentada, acorrentada. Diante de todos os infortúnios contidos numa caixa chamada fazenda Poções, ela escreveu uma carta que mudaria o seu futuro e de tantas outras mulheres. Por causa dessa carta, Esperança foi considerada autora da primeira petição escrita por uma mulher negra e, assim, reconhecida pela OAB como a primeira advogada do Brasil.

Esperança Garcia é a prova da benevolência desse sentimento que carrega seu nome de batismo. O pedido de socorro, escrito em um pedaço de papel ao governador da província, serviu de inspiração para o documentário A Carta de Esperança Garcia (Brasil, 2023), com roteiro e direção de Douglas Machado e pesquisa da advogada Maria Sueli Rodrigues de Sousa. 

Esperança Garcia nasceu em 1751, na fazenda Algodões, em Nazaré do Piauí, e foi arrancada da família e enviada para a fazenda Poções, em Isaías Coelho. Em 6 de setembro de 1770, aos 19 anos de idade, decidiu denunciar as condições desumanas pelas quais ela, seus filhos e outros escravos eram submetidos.

A carta dizia assim: “Eu sou uma escrava de Vossa Senhoria da administração do Capitão Antônio Vieira do Couto, casada. Desde que o capitão lá foi administrar que me tirou da fazenda Algodões, onde vivia com o meu marido, para ser cozinheira da sua casa, ainda nela passo muito mal. A primeira é que há grandes trovoadas de pancadas em um filho meu sendo uma criança que lhe fez extrair sangue pela boca, em mim não posso explicar que sou um colchão de pancadas, tanto que caí uma vez do sobrado abaixo peiada; por misericórdia de Deus escapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confessar há três anos. E uma criança minha e duas mais por batizar. Peço a Vossa Senhoria pelo amor de Deus ponha os olhos em mim ordenando digo mandar ao procurador que mande para a fazenda de onde me tirou para eu viver com meu marido e batizar minha filha.”

O filme, rodado na comunidade quilombola Algodões, onde Esperança Garcia viveu, é dividido em quatro partes e se inspira na carta-denúncia da escrava piauiense para retratar a vida de mulheres que dão continuidade ao movimento de resistência contra as ressonâncias da escravidão, da opressão, da violência, da discriminação. Mesmo porque havia pouca informação sobre Esperança.

“Só sabíamos a história da carta. E que Esperança, de 17 anos, havia se casado com Ignácio, de 57”, disse o diretor Douglas Machado, durante uma sessão de exibição do documentário no Cine Passeio, em Curitiba. 

O fato de ter sido alfabetizada – possivelmente pelos jesuítas – e de carregar a força de uma mulher guerreira lhe possibilitou mudar o seu futuro e das outras “Esperanças”, como Chitara Souza, Luíza Miranda, Tina Ribeiro e Catarina Santos, que mostram como é o cotidiano no quilombola: uma vida simples, de pés no chão e gingado de capoeira, comida feita no fogão a lenha, fava colhida na árvore e algodão, do pé. 

Para transmitir essa aura bucólica porém de muito trabalho e luta de Algodões, Machado organizou oficinas de filmagem com as moradoras para que elas mesmas pudessem registrar as cenas do cotidiano. Assim mesmo, no improviso. Como a vida é. Além de Tina, Chitara, Luíza e Catarina, também fazem parte do elenco a primeira governadora negra do Piauí, Regina Sousa, mais a atriz e cantora Zezé Motta, que na última parte do documentário conduz uma entrevista com todas as personagens reais.  

Ao resgatar a cultura brasileira e tocar num assunto urgentíssimo que é a reparação pela escravidão, o documentário traz à tona algo que ainda nos incomoda: o descaso com a memória do povo brasileiro. Tudo o que resta da carta de Esperança Garcia é uma cópia guardada no arquivo municipal da capital Teresina. Não se sabe como, nem quando, muito menos quem foi o responsável pelo sumiço da original –  sendo que um documento histórico como esse deveria estar num museu, emoldurado, para todos terem acesso. Ao contrário disso, porém, seu paradeiro é desconhecido. Não se sabe se foi furtada ou até mesmo está em Portugal. Segundo Machado, o pedaço de papel do século 18 vivia sendo manuseado e transportado de um lado para o outro, apresentado em eventos e exposições sobre a escravidão no Piauí. Até que um dia ele desapareceu.

No final do documentário, uma nova carta escrita pela pesquisadora Sueli traz uma lista com demandas atuais. Sueli sofria de uma doença degenerativa que lhe paralisou os movimentos do corpo. Ela morreu antes de ver o filme finalizado e deu novo sentido ao verbo “esperançar”.

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Fale Comigo

Irmãos youtubers Danny e Michael Philippou estreiam no cinema com história de premissa e ingredientes clássicos do terror

Texto por Carolina Genez

Foto: Diamond Films/Divulgação

Um grupo de amigos descobre uma mão embalsamada que permite que eles conversem com espíritos. Em busca de emoção, eles, um a um, passam a se divertir, permitindo que esses espíritos entrem em seus corpos. Até que algo dá errado…

Fale Comigo (Talk To Me, Austrália/Reino Unido, 2022 – Diamond Films), que estreia hoje em circuito nacional, tem uma premissa clássica de filmes de terror: adolescentes com ideias idiotas que você já sabe que vão dar errado desde o primeiro momento. O longa tem direção dos estreantes Danny e Michael Philippou, conhecidos por seu canal no YouTube chamado RackaRacka, que conta com mais de 6 milhões de inscritos. Os irmãos, inclusive, recusaram dirigir um filme do DCU para que Fale Comigo fosse a estreia no cinema.

Em relação à direção, este filme tem momentos bem interessantes, principalmente levando em consideração que essa é a primeira obra dos dois diretores para a telona. A história, inclusive, tem início com um plano sequência bem interessante, que mostra em uma festa e já deixa claro o tom que vai imperar mais para a frente, com cenas fortes, violentas e muito, muito sangue. Por se tratar de uma obra pequena, com orçamento barato e poucos atores, existe uma sensação bem pessoal, até por fazer uso de efeitos práticos, aumentando o realismo e fazendo com os espectadores sintam diversas agonias mostradas na projeção.

O roteiro – encabeçado por Danny – talvez seja o aspecto mais fraco, já que ele nada mais é do que mais um filme de terror genérico com adolescentes tomando as decisões mais sem noção de todas. Assim como todo bom exemplar do gênero, aqui encontram-se espíritos, um objeto misterioso e enigmático que garante essa conexão e, claro, regras para que a brincadeira não passe do controle.

Entretanto, sente-se a falta de explicações para todas essas coisas. A posse da mão, por exemplo, é algo explicado de qualquer jeito, assim como sua própria origem. Também não se explica como essas regras foram estipuladas e nem mesmo investiga-se como destruir a tal mão. Talvez todos esses fatos sejam melhor explicados na sequência, que já foi confirmada pela produtora A24.

Fale Comigo também demora bastante para engatar seu ritmo como uma obra de terror. A narrativa, genérica, apoia-se em sentimentos como luto, trauma e solidão. Os personagens até têm potencial de serem melhores desenvolvidos, porém a maioria recebe poucas características, basicamente sendo presentes e relevantes em alguns recortes, quase passando a sensação de que existem somente naquele determinado. Já Mia, a protagonista, é a exceção: ela é quem mais conhecemos dentro do filme, porque aparecem um vislumbre de seu passado e as angústias partilhadas pela garota. Embora toda a história já vivida antes por Mia seja superficial, ainda assim isto é suficiente para entendermos suas ações e emoções ao longo da projeção.

Apesar de poucas características, os atores conseguem fazer um trabalho maravilhoso com performances naturais e reais. Dentre os principais destaques entram Sophia Wilde e Joe Bird. Wilde interpreta Mia. A garota vive com o luto pela morte “acidental” da mãe pairando pela cabeça, além de se sentir sozinha e buscar essa emoção que o contato com os espíritos garante. Já Bird faz Riley, o mais jovem dos adolescentes, e consegue arrepiar o espectador durante uma das cenas mais violentas.

A estreia cinematográfica dos Philippou tem coisas boas, potencial e um final interessante. Para quem gosta de filmes de terror sobrenatural, Fale Comigo é uma boa pedida. É compreensível seu sucesso de bilheteria ao redor do mundo, principalmente em comparação com as outras obras do gênero lançadas no ultimo biênio. Mas a sensação que fica ao final é que o longa peca em não explorar diversas camadas da história. O que pode ser corrigido na sequência, aliás.

Series, TV

The Idol

Nova série do criador de Euphoria se inspira levemente em Britney Spears para contar uma nova história de abuso nos bastidores do showbiz

Texto por Taís Zago

Foto: HBO Max/DIvulgação

Para quem estava à espera da mais nova, polarizante e hipersexualizada série da gigante HBOMax, The Idol (EUA, 2023) é um prato cheio. Aliás, como dizem os americanos: “ela morde um pedaço maior do que é capaz de mastigar”.

O diretor e criador Sam Levinson atingiu o olimpo do stream e caiu nas graças da diretoria da HBO ao nos presentear com Euphoria (iniciada em 2019), um grande e incontestável sucesso que trouxe várias figuras novas e talentosas da jovem Hollywood como Zendaya, Hunter Schafer, Barbie Ferreira ou Sydney Sweeney. Euphoria virou instantaneamente uma febre mundial ao esfregar em nossas caras o lado sombrio, caótico, depressivo e borderline que também faz parte da geração Z. Levinson, obviamente, não gosta de uma digestão fácil: ele nos confronta com cenas, diálogos e situações que ficam conosco mesmo após o término dos episódios.

The Idol já havia preenchido há tempos as páginas dos folhetins de fofoca. sua produção não foi suave. Após ter sido quase que totalmente filmado pela diretora Amy Seimetz (que fez episódios de AtlantaThe Killing e Stranger Things), tudo foi jogado no lixo por desagradar Levinson, que a partir dali tomou para si a direção em colaboração com o músico e ator The Weeknd (Abel Tesfaye). Para eles, a versão da saga de uma pop queen estava centrada demais no personagem principal de Jocelyn (Joss), interpretada por Lily-Rose Depp, e deveria envolver mais o personagem Tedros, feito por Abel Tesfaye. Nesse processo, muito do material empoderado feminista que Amy havia incluído em sua versão foi eliminado. Levinson e Tesfaye preferiram colocar o foco no lado mais misógino, sombrio e abusador da indústria fonográfica norte-americana.

Então, todos os limites do tolerável foram ultrapassados, The Idol é uma grande festa de abusos físicos, psicológicos e emocionais. Isso não agradou a grande parte da crítica internacional. A série acabou virando o enfant terrrible dos lançamentos de 2023 feitos pelo canal. Ainda antes de sua estreia, rumores de comportamentos abusivos nos sets de filmagem também começaram a circular, o que tornaria a experiência ainda mais meta para todos os envolvidos.

Em resumo, The Idol trata da ascensão/queda/ascensão de um ídolo pop, algo levemente inspirado em Britney Spears e seus dramas pessoais – vemos os abusos de familiares, amigos, produtores e parceiros de carreira de Joss. A cantora atravessa um calvário e luta diariamente uma guerra em busca de manter status e fama. Joss não estabelece limites. Um cenário que a torna presa fácil de narcisistas interessados em se banhar em sua fama. É neste contexto que surge Tedros, um dono de casa noturna com um rabo-de-cavalo e layout de cafetão que construiu ao seu redor uma espécie de seita de pessoas talentosas e criativas, as quais ele “estimula” com o intuito de potencializar a força criativa dos artistas. Os métodos de Tedros são criminosos. Com ele tudo é permitido: estupro, abuso verbal, violência, tortura.

Muitas cenas são extremamente difíceis de assistir, a ponto de nos perguntarmos o quanto o sadismo pessoal de Levinson e a ambição de Tesfaye não estariam ali representadas de forma real. Nudez e cenas explicitas pipocam o tempo todo na tela, assim como o abuso de drogas e absoluta falta de caráter de todos seus personagens. Quem está ao redor de Joss só pensa em ascensão ou vingança. Quem está em torno de Tedros procura, em vão, um reconhecimento paternal que lhes foi negado. As relações de codependência são muito dolorosas e provavelmente potentes gatilhos para quem já sofreu abuso de alguma forma – e isso, infelizmente, inclui uma boa parte da audiência. Quando pensávamos que o limite do violence porn em produções já havia chegado ao seu ápice, Sam Levinson aparece para nos abrir o alçapão escuro no fundo do poço.

A questão que resta a avaliar são se seria isso necessário. Qual o valor artístico de forçar audiências constantemente além seus limites de tolerância? Para mim, as respostas se espelham no quanto o ser humano sente prazer, mesmo que não assuma, em se colocar na posição de voyeur de tragédias que não o atingem pessoalmente. Como alguém que não consegue deixar de olhar para o resultado de um acidente de carro violento mesmo que aquilo lhe traumatize. Pelo mesmo motivo que muitos de nós encontram diversão em filmes de horror. Uma dissociação da realidade momentânea mergulhando na ficção. Um desejo inconsciente de ver celebridades serem punidas pela atenção e dinheiro que recebem. Principalmente quando se trata de uma mulher que ousa se sentir livre e que vive sua sexualidade de forma irrestrita.

The Idol não é uma obra sobre o brilho. É sobre trevas, doença mental, seres destruídos por suas próprias realidades que buscam em um pseudoguru uma espécie de salvação de si mesmos. Talvez nos machuque exatamente por não maquiar feiúras. Lily-Rose teceu inúmeros elogios a Levinson, afirmou que ele foi o melhor diretor com quem trabalhou até agora, indo contra o tsunami de críticas e acusações direcionadas à série. A filha de Johnny Depp e Vanessa Paradis é incrivelmente talentosa e certamente tem pela frente uma carreira espetacular como atriz. Sem dúvida alguma, apesar da insistência de The Weeknd de puxar, sempre que possível, os holofotes para si, Lily é uma força da natureza em ascensão. Ela carrega essa série nas costas em um papel extenuante e difícil. Já Tesfaye, por sua vez, é o festejado do momento no crossover entre ator e músico, só que não entrega o que promete. The Weeknd mirou em Childish Gambino e errou feio. Não chega nem aos pés, pelo menos ainda, da genialidade de Donald Glover e sua obra-prima Atlanta.

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Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1

Início do novo capítulo da franquia proporciona uma intensa experiência cinematográfica aos fãs dos filmes de ação


Texto por Carolina Genez

Foto: Paramount/Divulgação

Ethan Hunt (Tom Cruise) e sua turma entram em mais uma perigosa aventura em que precisam localizar uma poderosa arma que ameaça a humanidade e impedir que ela caia nas mãos erradas. A equipe entra, então, em uma corrida contra o tempo ao redor do mundo enquanto enfrenta a própria IMF, que quer prender Hunt e um inimigo misterioso do passado dele.

Missão: Impossível é uma das poucas franquias cinematográficas que conseguem melhorar sua qualidade, tanto de narrativa quanto de aspectos técnicos, conforme o tempo passa. O novo filme tem roteiro e direção assinados por Christopher McQuarrie, que também foi responsável pelas direções dos últimas dois títulos e também fez parte do roteiro de Missão: Impossível – Protocolo Fantasma Top Gun: Maverick. Dessa maneira, o cineasta não só já tem uma conexão com a saga, permitindo algumas conexões passadas como a personagem de Vanessa Kirby, como também já entende como funciona e como melhor aproveitar toda a dedicação que Tom Cruise tem com a obra.

Em Acerto de Contas Parte 1 somos jogados para uma narrativa atual, com uma das principais temáticas sendo a inteligência artificial. Aqui há uma arma tecnológica que detém muito poder e funciona quase que de maneira invisível, estando em todo lugar e ao mesmo tempo em lugar nenhum e constantemente prevendo ações dos personagens. É a tecnologia online deixando de ser confiável, um cenário interessante dentro dos longas de Missão: Impossível, visto as diversas bugigangas que os personagens usam desde o primeiro, como a própria forma de comunicação durante as tais missões. Essa sensação é passada até pelos planos inclinados utilizados por McQuarrie, que remetem a confusão e paranoia.

O roteiro traz uma narrativa muito maior do que a vista nos últimos filmes, visto que a Inteligência Artificial, nomeada de Entidade, também é valiosa para todas as nações do mundo – ao mesmo tempo que é poderosa, esse controle traz consigo muitos inimigos poderosos. Com riscos maiores, portanto, a história acaba sendo maior e assim dividida em dois lançamentos (o outro chegará em 2024). Nesta primeira parte, acompanhamos basicamente uma caçada com diversas reviravoltas em busca de duas chaves que servirão para controlar a arma. A história é interessante e instigante. Consegue prender a atenção com facilidade muito por conta do envolvimento dos atores e das cenas de ação.

Não resta dúvida de que as cenas de ação fazem este MI7AC1 digno ser visto dentro das salas de cinema. Depois de escalar um prédio e se pendurar em um avião a cinco mil pés de altura, Tom Cruise se arrisca novamente em cenas de tirar o fôlego que merecem ser vistas na maior e melhor tela possível. A dedicação de Cruise em estar na tela sem utilizar dublês é um dos fatores que faz Missão: Impossível ser tão bom, aumentando o realismo das cenas e nos fazendo acreditar ainda mais naquele perigo que os personagens vivem. Além das cenas de acrobacias do ator, as de perseguição são muito bem conduzidas, conseguindo manter o espectador na ponta de sua cadeira. Por sua vez, as de luta apresentam boas coreografias e também prendem por completo a atenção.

Se aqui o perigo é maior do que o dos outros filmes da franquia, também temos um vilão mais pessoal, garantindo assim relances sobre o passado de Ethan e sua vida antes da IMF (e que provavelmente serão melhor explorados no próximo Acerto de Contas). E a solidão, a perda e dor presentes dentro do ofício de ser um espião acabam ganhando mais destaques no roteiro.

As atuações também impressionam, principalmente as de Tom Cruise, Rebecca Ferguson e Hayley Atwell. Tom reprisa mais uma vez o personagem Ethan Hunt, o qual parece conhecer cada vez mais, trazendo ainda mais intimidade ao protagonista. Ao contrário de outros personagens de Cruise, Hunt é mais sério e quer acima de tudo fazer o que é certo, algo debatido até mesmo dentro deste novo filme. Ferguson reprisa seu papel como Ilsa, nome inspirado no clássico Casablanca. Traz uma personagem misteriosa, argilosa e inteligente, mas que conquista os espectadores com facilidade. E Atwell interpreta a controversa nova personagem Grace, que funciona quase como uma divertida anti-heroína, trabalhando pensando em seu próprio interesse. Atwell e Cruise formam uma dupla interessante cheia de química e carisma.

Assim como o título anterior estrelado por Tom Cruise, Top Gun: Maverick, este Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1 é mais um acerto recente do gênero ação. Novamente o público fica propenso a aceitar mergulhar em uma intensa experiência cinematográfica.