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Morrissey – ao vivo

Ídolo britânico presenteia os fãs com repertório multifacetado e performance inspirada em São Paulo

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Texto por Abonico R. Smith e Silvia Macedo

Foto: Fernando Pires/Ultimate Music/Divulgação

Qual Morrissey é o que você quer ver? A maioria de quem já passou dos 40 anos de idade certamente prefere manter na memória aquele jovem topetudo do tempo dos Smiths, que cantava palavras de dor e sofrimento emolduradas pela luxuosa combinação entre batida e dedilhado das cordas da guitarra de Johnny Marr? Tem também aquele horroroso monstro, desprovido de escrúpulos e forrado de preconceitos, que volta e meia veículos corporativos sobre música pop (incluindo aqueles que outrora era independentes e hoje pertencem a grandes grupos de comunicação) andam pintando por aí, como se frases de impacto negativo corressem soltas em sua boca. Tem ainda um impávido senhor quase sexagenário, sagaz, perspicaz e muito bem-humorado, que não perde a chance de brincar com quem está na sua frente e fazer declarações pelas quais escorrem ironia e sarcasmo. Tem também o ídolo decadente, para quem ele parou de fazer algum álbum de boa qualidade faz tempo – as mesmas pessoas, aliás, que procuram sempre ouvir os mesmos discos mais antigos e esperam que os recentes sejam um ctrl C + ctrl Vdas mesmas coisas de sempre. Tem os que se deliciam a cada boa novidade que chega, ao notar que a atual banda está cada vez mais afiada e o acréscimo de parceiros musicais (quatro dos cinco músicos que o acompanham) só resultou em um genial painel de diversidade na sua literatura sonora.

Todos estes Morrisseys eram esperados, de uma forma ou de outra, por quem esteve em 2 de dezembro no Espaço das Américas, em São Paulo. Tinha até aquele fã mais desesperado e obcecado, formando fila na casa desde a manhã daquele domingo com o objetivo de pegar aquele lugar privilegiado à beira do palco, junto à grade da frente da Pista Premium. Tinha também quem não era nem nascido quando o poeta de Manchester irrompeu no cenário musical britânico à frente de sua primeira banda, entre os anos de 1982 e 1987. Mas o Morrissey que subiu ao palco era apenas um: a pessoa inspirada e de bem com a vida, desfrutando de novo período de intensa fertilidade criativa, gravando um disco após o outro, fazendo longas turnês no intervalo entre as sessões de estúdio e sem nenhum grande protesto por ora, interessado apenas em fazer aquilo que faz de melhor, que é cantar.

E como canta! Às vésperas de completar 60 anos, Morrissey canta hoje muito mais e melhor do que já cantava, sem abrir mão de estilo, técnica, doçura e interpretação das palavras. Sua performance também está mais tranquila, sem os arroubos de antes, mas ainda intimamente ligada a seus fãs mais histéricos, como aqueles que levam vinis para o ídolo assinar em plena ação no palco (e ele, bem simpático, fez isso!) ou disputam a tapas pedaços das camisas que ele tira do corpo, rasga e arremessa à plateia.

Antes da subida do sexteto ao palco a já tradicional seleção de repertório em audiovisuais feita a dedo pelo próprio vocalista. Desta vez, começou o punk dos Ramones e culminou com o glam de David Bowie em “Rebel Rebel”. Depois foram cem minutos de intenso bom humor e  boa forma de Morrissey. Quem queria um reencontro com faixas dos Smiths ganhou três delas de presente (“William It Was Really Nothing”, “Is It Really So Strange?” e “How Soon Is Now”). Quem queria novidades ficou com outras três do mais recente trabalho, o álbum Low In High School, lançado no final do ano passado (“Spent The Day In Bed”, “Jacky Is Only Happy When She’s Up On a Stage”, “I Wish You Lonely”). Quem queria o resgate de faixas que havia tempos não apareciam no repertório dos shows também pode saborear preciosidades como “Sunny”, “Jack The Ripper”, “Hold On To Your Freinds”, “Break Up The Family e “Hairdresser On Fire”. Teve o novíssimo single ainda inédito em álbum, a cover de “Back On The Chain Gang”, dos Pretenders (aliás, ele pediu aos fãs que comprasse o trabalho de regravações que lançará no início do ano que vem). Quem procurava por raridades também ganhou “Dial-a-Cliché” (do primeiro pós-Smiths, Viva Hate, de 1988, e até a atual turnê latino-americana nunca cantada em shows) e b sidesde compactos como “If You Don’t Like, Don’t Look At Me” e “Munich Air Disaster 1958”. Também teve hitsda primeira fase solo (“Alma Matters”, “November Spawned a Monster”, “Everyday Is Like Sunday). Por fim, uma breve espanada pelos bons trabalhos mais recentes (“Life Is a Pigsty”, “The Bullfighter Dies” e uma inesperado “First Of The Gang To Die” para encerrar o bis e jogar mais uma camisa na direção dos fãs).

Steven Patrick Morrissey incorpora tantos Morrisseys – tanto em seu dia a dia quanto no imaginário de seus fãs e detratores ou ambos ao mesmo tempo – que ele ainda se dá ao luxo de usar no show uma camiseta estampada com seu próprio nome e rosto (daquelas oficiais à venda foi a que se esgotou mais rapidamente, deixando muita gente a ver navios após o show) e por isso mesmo se torna a cada dia ainda mais fascinante. Desta vez ao menos, todos devem ter saído contentes do show. Sem reclamações.

Set list: “William, It Was Really Nothing”, “Alma Matters”, “I Wish You Lonely”, “Is It Really So Strange?”, “Hairdresser On Fire”, “November Spawned a Monster”, “Break Up The Family”, “Back On The Chain Gang”, “Spent The Day In Bed”, “Sunny”, “If You Don’t Like Me, Don’t Look At Me”, “Munich Air Disaster 1958”, “Dial-a-Cliché”, “The Bullfighter Dies”, “How Soon Is Now?”, “Hold On To Your Friends”, “Life Is a Pigsty”. “Jack The Ripper” e “Jacky’s Only Happy When She’s Up On The Stage”. Bis: “Everyday Is Like Sunday” e “First Of The Gang To Die”.

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Morrissey

Oito motivos pra não perder os shows que o cantor inglês fará com sua banda no Brasil neste final de ano

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Reprodução

Depois de dar um tempo no meio do ano com sua atual turnê, Morrissey retomou-a com uma série de shows pelos Estados Unidos antes de partir rumo à perna latino-americana, iniciada nos próximos dias 22 e 23 de novembro no México. Depois disso serão mais outras datas no Peru (27), Brasil (30 e 2 de dezembro), Paraguai (5), Argentina (7) e Chile (14 e 15). Em solo brasileiro, as apresentações serão, respectivamente no Rio de Janeiro (mais informações aqui) e São Paulo (mais informações aqui).

Por isso, o Mondo Bacana preparou oito motivos pelos quais você não deve deixar de ver – sob qualquer hipótese – a nova passagem do cantor inglês por nosso país.

Cada turnê é uma turnê

Nada desse papo de “ah, mas eu já vi outros shows dele antes”. Cada turnê é bem diferente de todas as outras turnês já feitas. Além de privilegiar bastante o último lançamento, Morrissey nunca se acomoda em um repertório fixo. Troca basicamente todas as outras canções, resgatando coisas lá do passado (como “Sunny”, “Hairdresser On Fire”, “Hold On To Your Friends” e “Jack The Ripper”), recuperando b-sides (“Munich Air Disaster 1958” e “If You Don’t Like Me, Don’t Look At Me”) e excluindo hits e obviedades (ao contrário, aliás, do que a maioria dos ídolos de carreira longa fazem em suas gigs pelo mundo).

Banda afiadíssima

Cada ano que passa a disco que grava, Morrissey vem mantendo uma banda bastante afiada – e fiel, diga-se de passagem – para acompanha-lo. Por isso, muitas vezes faz questão de se fotografar junto a seus músicos e gravar seus videoclipes com eles. Na verdade, é uma trajetória disfarçada de “carreira solo”, já que agora o vocalista desenvolve parcerias com quatro dos membros: os guitarristas Boz Boorer (o membro mais antigo do grupo) e Jesse Tobias, o baixista Mando Lopez e o multi-instrumentista e preferencialmente tecladista Gustavo Manzur. Completa a formação o baterista Matt Walker.

Latinidade à flor da pele

Já faz um bom tempo que Morrissey mora em Los Angeles e, volta e meia, é visto nos pelas regiões latinas nos arredores da cidade. Dois dos atuais membros de sua banda nasceram na América do Sul: Manzur é colombiano e Lopez, peruano. Nas últimas turnês por aqui, ele não tem se limitado aos países-chave, como Brasil, Argentina e Chile. Estende suas apresentações também a Peru, Colômbia, Paraguai e Uruguai. E o álbum World Peace Is None Of Your Business, lançado em 2014, é cheio de violões, percussões e sonoridades latinas, além de citar nominalmente o Brasil (no caso das manifestações de rua ocorridas no ano anterior).

Cinismo, acidez e ironia

A língua de Morrissey sempre foi altamente ferina e mordaz nas suas entrevistas. Uma pena que é, nas últimas décadas, boa parte da imprensa corporativa (isto inclui aqueles veículos online que outrora se consolidaram como independentes e há um tempo foram comprados e absorvidos pela máquina de grandes indústrias da comunicação euro-americanas) não entenda as provocações ou simplesmente aja de má fé distorcendo as ideias do vocalista. Como os recentes comentários sobre Brexit e nazifacismo, por exemplo. Basta lembrar que Moz ficou qunze anos sem falar à NME pelo fato da mesma ter considerado a música “The National Front Disco” (lançada no álbum Your Arsenal em 1992) uma ode ao partido britânico de extrema direita National Front. Como diria o Robin, “santa asneira, Batman!”.

“Back On The Chain Gang”

Desde o início desta turnê, um dos covers que frequentemente aparecem no set list de cada noite é o hit dos Pretenders lançado como single em setembro de 1982 e também incluído como uma das faixas do álbum Learning To Crawl, de 1984. Além de bons amigos, Morrissey e Chrissie Hynde têm duas coisas em comum: ambos são vegetarianos e ativistas pelos direitos dos animais. No clipe feito para a gravação de estúdio desta música (incluída na versão em vinil duplo de Low In The High School e que estará também no álbum California Son, previsto para março de 2019), ele chega a empunhar uma guitarra enquanto canta. Mais duas releituras costumavam aparecer até a parada ocorrida em março: “Judy Is A Punk”, dos Ramones” e “You’ll Be Gone”, de Elvis Presley.

Recriando os Smiths

A carreira solo de Morrissey não só é bem consolidade como altamente superior ao trabalho de cinco anos à frente dos Smiths, banda de Manchester que o revelou nos anos 1980. Só que tem muita gente, fã do grupo, que ainda não superou a dissolução da banda, mesmo já tendo passado mais de trinta anos. E vai aos shows do vocalista com aquele afã de ouvir um repertório inteiro daquela época. De uns tempos para cá ele rendeu-se à ideia de voltar a cantar músicas de sua antiga banda. Agora ele vem presenteando a plateia com três recriações: “William, It Was Really Nothing”, “Is It Really So Strange” e “How Soon Is Now”. Portanto, tire de sua cabeça qualquer esperança de ouvir outra faixa composta em parceria com Johnny Marr.

“Dial-a-Cliché”

Décima primeira das doze faixas do álbum de estreia solo, Viva Hate, lançado em 1988. Morrissey nunca havia cantado ao vivo esta música até a noite do último 31 de outubro, quando a incluiu no set list do show realizado na cidade californiana de Ventura. E a manteve e todos os outros posteriores. Segundo Simon Goddard, autor deMozipedia (espécie de enciclopédia sobre a vida e a obra de Moz), sua letra serve como uma “reflexão sobre a pressão social para se adequar a estereótipos emocionalmente impermeáveis”. Além da agradável performance vocal do artista, a bela progressão harmônica que se arrisca na troca imediata de um acorde maior por outro menos e o arranjo com trompas sintetizadas assinado pelo produtor Stephen Street, outro elemento destacado por Goddard na canção é o a riqueza poética com o uso de aliterações logo no primeiro verso (“Further into the fog I fall”).

Low In High School

O álbum mais recente de Morrissey, lançado em novembro de 2017 e que está ganhando edição luxuosa em vinil duplo (com direito a algumas faixas capturadas ao vivo na atual turnê e a inclusão de “Back In The Chain Gang”), foi gravado em estúdios na França e na Itália (este de propriedade do maestro e compositor de trilhas sonoras Ennio Morricone) e produzido pelo norte-americano Joe Chicarelli, repetindo a parceria do disco anterior. Quatro de suas melhores faixas costumam ser incluídas no atual set da turnê:
“Spent The Day In Bed”, “I Wish You Lonely”, “When You Open Your Legs” e “Jack’s Only Happy When She’s Up On The Stage”. Todas, por sinal, comprovam que o britânico ainda está longe de perder a mão para continuar compondo grandes canções.