Clássico filme do diretor Dario Argentino é recriado com simbolismo macabro e sangrento do universo místico das bruxas
Texto por Leonardo Andreiko
Foto: PlayArte/Divulgação
Dario Argento é um cineasta do horror italiano. Sua obra foi eternizada pelo clássico Suspiria, de 1977. Em 2018, o também italiano Luca Guadagnino (que disputou no mesmo ano o Oscar por Me Chame Pelo Seu Nome) lançou sua versão de Suspiria. Mas que insiste não ser remake. Estrelado por Dakota Johnson e Tilda Swinton, Suspiria – A Dança do Medo (Suspiria, Itália/EUA, 2019 – PlayArte), a nova “versão”, é mais extensa e esteticamente divergente do original. Sendo assim, faço meus esforços pra analisar Suspiria (daqui em frente, como chamarei apenas a produção do ano passado, que entrará em cartaz nos cinemas brasileiros no próximo dia 11 de abril) sem quaisquer comparações com o filme original – como irei me referir ao clássico de Argento.
A trama, dividida em seis atos e um epílogo, gira em torno de Susie Bannion (Johnson), aspirante que acaba de ingressar na companhia de dança de Helena Markos, e de Patricia (Chloë Grace Moretz), uma ex-dançarina dessa companhia, convencida de que as mulheres que a comandam – um grupo de senhoras das mais variadas idades – são bruxas. Se existe alguma incerteza a respeito da veracidade da afirmação de Patricia, ela é esmagada pelo trailer e pelo horroroso subtítulo brasileiro, que omito com muito prazer. Ainda assim, se você escapou destes, pode enxergar uma personagem delirante, tal como seu psicólogo, Dr. Klemperer (Lutz Ebersdorf), acredita. O misticismo bruxo da companhia gira em torno de sua principal figura, Madame Markos, e de sua contraposição, Madame Blanc (Swinton).
Enquanto certos diálogos, roteirizados por David Kajganich, são superficiais, buscando a sensação de uma obra profunda e autorreferencial, outros acertam seu simbolismo da melhor maneira possível. As melhores passagens do filme, quando não visuais, são as falas de Susie com Madame Blanc. Não obstante, é inegável que certos fragmentos do roteiro são obscuros até demais. Pouco acrescenta à trama o subtexto político – o filme se passa em 1977, durante o sequestro do avião Lufthansa 181, que culminou no chamado Outubro Alemão –, que Guadagnino tanto insistiu em retratar. Desta forma, todo o ato dedicado a Patricia – ponto fundamental da trama por sua relação com Sara (Mia Goth), amiga de Susie – é nada mais que mera exposição sobre as nefastas bruxas.
Ainda assim, é inegável que Moretz entregue uma boa atuação. O ponto alto, porém, é a dupla Swinton e Johnson. Pouco há para acrescentar a Tilda, cujo nome já é sinônimo de boas atuações, mas Dakota vem como uma ótima surpresa. A protagonista é capaz de atuar não só com o rosto, mas com todo seu corpo, em belíssimas cenas de dança. Todas as demais retratam suas personagens competentemente, em especial Mia Goth, cuja importância aumenta na parte final do filme.
O mais debatido aspecto de Suspiria é, no entanto, sua direção. Alguns afirmam que Guadagnino nada acrescentou, estética ou semanticamente, ao filme original. Como afirmei antes, não entrarei nesse mérito. A referência à obra de Argento se apresenta, como esperado. A direção do italiano imerge seu filme nos anos 1970, tanto em história quanto em estilo. A impressão de que o filme é, de fato, setentista é recorrente. Ainda assim, é contemporâneo em seus efeitos visuais e especiais – que configuram uma das mais fortes cenas –, bem como em sua fotografia – comandada por Sayombhu Mukdeeprom (que trabalhou como diretor em Me Chame Pelo Seu Nome). Esta é preenchida por seus tons pasteis, criando um filme constantemente bege. Desta forma, é surpreendente quando, em seu sexto ato, o quadro é completamente banhado de vermelho. No entanto, a mais surpreendente adição é a sequência em longa exposição (mais detalhes não podem ser dados a seu respeito). Por sua fotografia escura e desenho de som vital, Suspiria é um longa obrigatoriamente de telas de cinema.
A montagem funciona organicamente, sem deixar que as duas horas e trinta e dois minutos do filme tornem-se vagarosas. O ponto mais confuso dos aspectos técnicos é, infelizmente, a música de Thom Yorke. Nos momentos em que o vocalista do Radiohead canta, o aspecto setentista de Suspiria e perde completamente, chutando seu espectador para o presente. Por outro lado, é na música que se formam os momentos mais emblemáticos da obra – os quais apelidei de cenas Volk e Unmade. É ótimo, porém, ouvir a voz de Yorke em caixas de som de qualidade.
Sendo assim, aquém de seu original, Suspiria funciona como um pós-horror, imerso no simbolismo macabro e sangrento do universo místico das bruxas, alçado pela dança. Porém, ao tentar traçar suas obscuridades com maestria, cai por terra em superficialidade indigesta. Sem expectativas de um novo clássico, o filme de Guadagnino pode resultar em uma boa experiência a seu espectador. É difícil que chegue a encher salas, já que estará disputando a atenção com blockbusters como Capitã Marvel, Shazam!e Nós, de Jordan Peele – outro grande lançamento do horror.
OBS: O primeiro nome a quem a produção agradece, nos créditos finais, é Paul Thomas Anderson. Me intriga o porquê.