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A Última Noite

Produção britânica que se passa em festa natalina abusa do humor corrosivo e ainda mistura elementos de drama, suspense e horror

Texto por Abonico Smith

Foto: Paris Filmes/Divulgação

Filmes de Natal jorram aos borbotões em Hollywood para preencher todas as lacunas de cinema, streaming e VOD nas semanas que antecedem a festa de Papai Noel. Quase sempre com mensagens positivas, alguns tendendo para o lado da comédia e nunca descartando o indefectível final feliz, aliás.

Só que agora chega ao Brasil um filme de Natal diferente. Para começar, ele é britânico e carrega consigo todo aquele humor acidamente satírico costumaz da dramaturgia da ilha da Rainha Elizabeth. Some-se a isso ao fato de apostar em um blend de gêneros (drama, comédia, suspense, horror, musical, ficção científica) cada vez mais característico em obras extremamente autorais surgidas no cinema dos últimos anos. E, sim, é uma produção bastante esquisita pelo menos para quem chega esperando linearidade em histórias natalinas.

Estreia na direção e roteiro em longas-metragens de Camille Griffin, de ascendência franco-inglesa e veterana nos bastidores de produções cinematográficas (já atuou em várias obras como segunda assistente de câmera ou, mais popularmente, operando as claquetes que dão início a todas as cenas rodadas), A Última Noite (Silent Night, Reino Unido, 2021 – Paris Filmes) parte da premissa de que a tão cultuada e festejada noite de Natal, na verdade, será a última de toda a existência de seres vivos que habitam o nosso planeta. Tudo porque uma catástrofe ambiental liberou uma nuvem de gás tóxico que, por toda e qualquer área externa por onde passa, irá matar quem o respira em questão de segundos. Pensando nisso, um casal (Keira Knightley e Matthew Goode) e seus três rebentos (entre eles Roman Griffin Davis, revelado em Jojo Rabbit e um dos três filhos da diretora/roteirista) reúne em sua casa de campo alguns familiares e amigos dos velhos tempos de escola. Todos não estão ali para celebrar o futuro, mas sim fazer uma espécie de acerto de contas com o passado, inclusive colocando em pratos limpos todas as suas mágoas, diferenças e frustações uns com os outros.

Isto impulsiona o filme para aquela que parece ser sua faceta mais proeminente, a comédia de humor corrosivo, mórbido e politicamente incorreto, o que torna a primeira metade do filme uma experiência angustiante para quem a assiste. As farpas trocadas fazem espectadores se sentiram na companhia de um elefante em uma sala de cristais. A todo instante – inclusive com iniciativa das próprias crianças, o que não deixa de dar uma verossimilhança à atitude delas, já que uma das características da infância é a conjunção entre espontaneidade, sinceridade e autenticidade na hora de abrir a boca – os personagens são atropelados por rolos compressores verborrágicos. Mas nada de mal estar ali entre eles. O negócio é se recompor rapidamente e devolver na mesma moeda, já que não haverá outra oportunidade para tal. Vale o registro de que todos ali pertencem a famílias de classe média alta. Portanto, são abastados economicamente, tiveram acesso a uma boa educação e bons trabalhos e compõem uma certa elite tradicionalista, conservadora e que manda no dia a dia da sociedade britânica. Isto faz uma boa diferença em determinas ocasiões nos comentários disparados. 

Com o andar dos ponteiros do relógio e a proximidade do ponto final para a humanidade, o drama vai ganhando maior contorno, às vezes sendo intercalado por interlúdios de músicas pop de sucesso nos anos 1980 e 1990 (quando todos aproveitam para cantar e dançar freneticamente na sala) e ferinas críticas sociopolíticas (o governo britânico entregou eficazes pílulas mortais para que toda a população abreviasse seu fim sem passar por muito sofrimento físico, porém teria negado as mesmas para moradores de rua e imigrantes em situação irregular). Como os adultos presentes à festa fazem um pacto de suicídio de tomar os comprimidos e dá-los a seus filhos pequenos, muito da conversa e das atitudes ali muda de figura: passa do sopapo do Batman no Robin naquele famoso meme a questionamentos sobre o futuro da humanidade, de uma criança e inclusive de um feto que ainda se desenvolve na barriga da mãe. Como já era de se esperar, tem quem hesite em engolir o sinal prontamente, quem se recuse a fazer isso e quem o faça prontamente.

A Última Noite (atente para o título em português que, de uma certa forma, já antecipa o mote principal da história; se o nome original Silent Night também fosse traduzido para o português tal qual o nome da famosa canção/oração natalina e virasse Noite Feliz não só seria melhor como ainda daria um pouco mais daquele sarcasmo que carrega os diálogos escritos por Camille) não chega a ser tão envolvente o tempo todo e perde-se um pouco quando flutua entre os gêneros. De qualquer forma, a maravilhosa experiência de levar um elefante à sala de cristais em um filme natalino já faz com que ele mereça ser visto. Pode ainda ser em qualquer época, nem precisa ser nos últimos dias de dezembro. Afinal, aqui, o clima natalino é o que menos importa.

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Virgens Acorrentadas

Diretor curitibano Paulo Biscaia Filho acerta a mão na sátira à vertente slasher das histórias de horror em sua primeira empreitada norte-americana

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Moro Filmes/Divulgação

O que fazer quando você envia o roteiro de um filme para várias empresas e todas elas retornam com uma resposta negativa somada a uma desculpa esfarrapada qualquer? O jeito é se desvencilhar das expectativas e frustrações e partir para o empreendimento próprio, bancando e produzindo a própria obra. É o que faz o personagem Shane em Virgens Acorrentadas (Virgin Cheerleaders In Chains, EUA/Brasil, 2017 – Moro Filmes), produção independente americano com pitadas brasileiras que estreia hoje, de forma hercúlea, em quase duas dezenas de salas comerciais nacionais.

Na verdade, VCIC é o nome do filme que Shane, sua namorada e seus colegas começam a fazer dentro do filme. A história dentro da história. Metalinguagem. Surge de sonhos frequentes que o roteirista e agora produtor de si próprio anda tendo. Segue a vertente do slasher (também conhecida entre os fãs do horror como torture porn, por misturar imagens de sugestão sexual e violência gráfica). Então, a turma segue para uma chácara afastada, escolhida como locação. Seus moradores são gente estranha. E, claro, como não poderia deixar de acontecer em um filme de horror, a coisa toda começa a desandar quando espirram as primeiras gotas de sangue.

Só que, de uma certa forma, a história desenvolvida neste longa-metragem também é o que aconteceu ao norte-americano Gary Gannaway. Desiludido com os sucessivos não tomados diante do roteiro escrito para VCIC, resolveu ele mesmo tomar a frente da produção e financiar o projeto com a ajuda de alguns benfeitores e vaquinha de colaboradores. Para dividir a direção, convocou o curitibano Paulo Biscaia Filho, de quem havia se tornado amigo em 2012, quando os dois estiveram dando um rolê pelo NOLA Horror Film Fest, o festival de cinema de horror realizado na cidade de New Orleans. O diretor e cabeça da companhia Vigor Mortis de teatro e filmes topou a empreitada e embarcou para a cidade de Austin, no Texas, para rodar as filmagens com atores locais em um período de três semanas.

Saber que o nome de Biscaia está no projeto significa que este está longe de ser um filme slasherconvencional. Pelo contrário. Diretor e roteirista aqui afinam sua parceria para exibir um humor inteligente e mordaz. Volta e meia os diálogos satirizam o mercado cinematográfico em geral, suas batidas fórmulas comerciais (enem sempre eficazes, diga-se de passagem), as condutas de seus profissionais. Em uma hora, a namorada de Shane, a co-produtora Chloe, solta a pérola de que “o recurso da “metametalinguagem” fica algo meio impossível para ser utilizado na trama. Ao mesmo tempo, porém, brindam o espectador com algo em comum à dupla: o amor pelo cinema, algo que move alguém a fazer um filme com orçamento irrisório (segundo o próprio Biscaia, algo que não chega a uma fração representativa do budget mais barato das produções mais baratas de estúdios norte-americanos) e, ainda assim, entregar uma obra com qualidade, paixão e, o principal, inteligência para nunca subestimar o espectador.

VCIC também atira farpas nos clichês do estabilishment cultural dos Estados Unidos. Já começa pela inclusão do símbolo da cheerleader sendo preso em correntes e massacrado fisicamente – por sinal, a adaptação do título para o português tirou a palavra exatamente por esta não ter tradição no Brasil. Questões econômicas (o pai que banca o filho empreendedor), profissionais (a aspirante a atriz que, para pagar as contas, trabalha num inferninho à noite fazendo pole dance e strip tease) e das drogas (o irmão de Shane, envolvido no fumacê constante e que às vezes costuma ter sacadas melhores que o profissional da área).

VCIC é um típico representante metaslahser, capaz de entreter sem dispensar questionamentos e críticas ao subgênero do horror pelo qual o próprio enredo segue. O melhor é que o roteiro vai surpreendendo quem está sentado na cadeira da sala de projeção durante todo o desenrolar da história. Por fim, vão duas dicas importantes. Não pisque durante nenhum segundo até a cena final do filme e, sobretudo, não confie principalmente em quem mais parece ser uma pessoa ingênua e inocente ali.

PS: Sim, assim como fizera em longas anteriores (Morgue Story: Sangue, Baiacu e Quadrinhos e Nervo Craniano Zero), Biscaia faz uma rápida aparição em VCIC. Agora gastando o inglês na frente das câmeras apenas para esbanjar bom humor em uma reunião de executivos do mundo do cinema.