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O Poderoso Chefão

Legado e moldura do clássico que há 50 anos projetou Francis Ford Coppola à fama e consolidou uma nova geração de diretores em Hollywood

Texto por Leonardo Andreiko

Fotos: Paramount/Divulgação

Nas comemorações que se deram em virtude dos 50 anos de O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola, foi mais que enfatizado o lugar monumental que a obra ocupa na história do cinema. Desde seu lançamento, em 1972, o impacto da saga de Michael e Don Vito Corleone é dos mais perceptíveis e presentes no imaginário popular. 

Não somente o pioneiro da reabilitação do filme de gângster, que teve seu auge de popularidade nos anos 1930, O Poderoso Chefão é um dos pilares da Nova Hollywood, movimento definido pelo protagonismo de uma nova geração de autores egressos das novas faculdades de cinema norte-americanas, que estouraram na década de 1960 e produziram uma geração fortemente influenciada, entre outros, pelo cinema europeu da época. A definição desse período é palco de um conflito, pois é possível considerá-lo uma mudança estética em voga, que renunciaria ao classicismo hollywoodiano em virtude da exploração de um cinema moderno. Ou como uma mudança de paradigmas comerciais para o cinema produzido pelos grandes estúdios. 

Entender O Poderoso Chefão em toda sua magnitude é enxergá-lo como esse marco central para a história do cinema. Nesse texto, pretendo introduzir o leitor às particularidades de uma peça tão única da sétima arte. Não como um especialista, o que estou longe de ser. Esse é o papel de teóricos e críticos que cito adiante – sou um mero entusiasta da história por trás da saga do Padrinho e da história do cinema.

Produção turbulenta 

Esse não foi o primeiro filme de Francis Ford Coppola, mas sim o responsável por catapultá-lo ao estrelato. Se, ao dirigir a continuação da saga, lançada dois anos depois, em 1974, o então jovem diretor gozou de um controle criativo que beirava o absoluto, em O Poderoso Chefão contava uma história praticamente oposta.

Coppola enfrentara diversas dificuldades de produção, com a insistente e pesada mão da Paramount controlando o orçamento, cortando diárias e insistindo na contratação e demissão de outro elenco. Por pouco não tivemos James Caan (que interpreta Sonny Corleone) como Michael e Robert De Niro escalado para interpretar Sonny.

Esses descompassos dão o tom de uma produção que ainda não usufruía do alto controle e independência conferidos ao diretor, mas certamente teve um papel fundamental num giro de mercado que passaria a ressignificar a relação entre autor e estúdio. A Nova Hollywood, enquanto entendida como uma mudança econômica no sistema de produção cinematográfica dos estúdios, passou por dois períodos fundamentais. Após a derrocada do antigo sistema, pela crise fiscal e surgimento da televisão, que muito bem renderiam outro desses textos, O Poderoso Chefão (1972) se encontrou no limiar que antecedeu a guinada ao modelo de blockbusters integrados aos mercados de multimídias (os blockbusters high concept), brinquedos e afins. Três anos separavam o longa do ápice que se deu a partir de Tubarão (1975) e cinco do “ponto de não retorno” que foi Guerra nas Estrelas (1977).

O filme-produto e a ida aos cinemas como um espetáculo em si mesmo são duas noções já concretizadas na discussão contemporânea, mas cuja gênese foi justamente esse período. Os estúdios perceberam, a partir desse momento, novas estratégias de lidar com a criatividade norte-americana e torná-la monetizável para além do valor do ingresso. A sociedade de consumo setentista, que culminaria na globalização que vivemos pouco tempo depois, percebeu o frescor da filmografia dessa Nova Hollywood e a abraçou completamente.

É sensato afirmar que houve uma flexibilização dos códigos morais dessa sociedade a partir dos anos 1960. A Era de Ouro e a Nova Hollywood representavam duas americanidades muito distintas, uma mudança de tom que acompanhou a maré social e aceitou e até convidou a margem para o centro da tela. O cinema passou a tratar da sujeira das grandes metrópoles: os criminosos, gigolôs e prostitutas, traficantes e usuários de drogas, os desajustados e psicopatas. A Nova Hollywood não fantasiava um mundo que não existe, mas partia das contradições e feridas reais de uma sociedade em crise para criar sua expressão.

O movimento deu ao público o que ele queria mas não sabia ainda. Se o primeiro grande longa-metragem de Francis Ford Coppola, de cerca de seis milhões de dólares, alcançou lucros vinte vezes maiores que seu custo (ao contar os relançamentos, estratégia muito comum na época), restou aí prova suficiente do sucesso de um novo modelo estético e econômico. Estava dado um precedente que reformularia o relacionamento dos grandes estúdios com os diretores responsáveis por seus lançamentos seguintes.

Heranças e legados

A esses jovens autores, dos quais podemos citar Coppola, Martin Scorsese, Steven Spielberg (é claro!) e também Brian de Palma, Michael Cimino e Paul Schrader, coube uma maior liberdade criativa. Seu cinema poderia respirar para além dos paradigmas mercadológicos que, nos últimos anos, teriam trazido Hollywood a uma de suas baixas históricas, ao mesmo tempo em que crescia a influência dos cineastas europeus sobre o público geral e os novos cinéfilos estadunidenses.

Fernando Mascarello, historiador do cinema de grande relevância, assinala em um dos artigos do livro História do Cinema Mundial, do qual foi organizador, como a mudança estética, no fim das contas, não se permitia tomar tanta distância do cinema clássico hollywoodiano quanto se esperava. O cineasta Peter Greenaway, um pouco mais polêmico, afirma que Scorses fazia o mesmo cinema que HW Griffith, um dos pais da sétima arte nos EUA, ainda em 1910.  Mas isso não quer dizer que longas desse período não se caracterizem pelo rico desenvolvimento de um discurso cinematográfico por meio da linguagem – e Francis Ford Coppola o faz com primor. 

O Poderoso Chefão já começa na panela de pressão de Don Vito Corleone. Enquanto o agente funerário Bonasera relata o violento abuso de sua filha em uma cena sem cortes, a câmera lentamente se abre para revelar a impassível silhueta da personagem de Marlon Brando. O pedido por vingança (ou justiça) é impassivelmente negado e o Don é categórico ao dizer “você nunca quis minha amizade”. Respeito é essencial e sem ele não há devolutiva do Padrinho. Afinal, a Família não é um bando mercenário.

Como o crítico Pablo Villaça, um dos maiores conhecedores da trilogia no Brasil, apontou em sua recente palestra sobre o longa para o Cine Passeio, o primeiro episódio dessa saga de poder nos introduz ao contraste entre a Família, a soturna máfia e sua verve impassível que opera sob um código moral bastante rígido, e a família Corleone: Don Vito e seus filhos, filha e relações agregadas. Michael (Al Pacino) é o mais novo dos irmãos homens e, ao contrário dos demais, recusa-se a participar do negócio da família. Nosso primeiro contato com o próximo Don, que se tornará cada vez mais cruel, é o vislumbre de um jovem oficial do exército que almeja a faculdade e um relacionamento saudável com Kay (Diane Keaton) bem distante das sujeiras da Família.

Assim, alavancado pelo belíssimo jogo fotográfico de Gordon Willis, que justapõe o claro e vivaz jardim onde ocorre o casamento de Connie Corleone (Talia Shire) e as lúgubres sombras dos “negócios de Família” que se dão no escritório do Padrinho sem contrapô-las – pois são indissociáveis, uma contraparte inerente da outra –, Coppola desenvolve temática e esteticamente todo o arco de Michael. E, aqui, aqueles que ainda não assistiram ao clássico devem se atentar: Al Pacino pode não ser o poderoso chefão da família Corleone, mas é o protagonista dessa história. Esse é o filme sobre sua virada de chave – o declínio moral de quem esperava manter-se distante das tramas de poder da máfia.

O roteiro de Mario Puzo e Coppola é categórico ao ilustrar o primeiro momento em que Michael toma as rédeas de seu lado mafioso: a cena do hospital, que marca com precisão a primeira hora do filme. Quando percebe a emboscada em que seu pai se encontra, além de recentemente baleado em um atentado, o protagonista consegue salvá-lo e clama ao Don: “estou com você”. Os planos desse diálogo vão se afunilando, modo de Coppola deixar claro o envolvimento emocional entre Vito e seu filho mais novo. 

As duas horas seguintes ocupam-se da destruição da família Corleone, que perde o primogênito Sonny (aquele James Caan que quase fora Michael); tem de conviver com Carlo (Gianni Russo), o esposo abusador de Connie; e mais tarde sofre com a perda definitiva de Don Vito. No meio do caminho, Michael ainda deve exilar-se na Itália, apaixona-se por Appolonia (Simonetta Stefanelli) e a perde num atentado projetado para matá-lo – o segundo ponto-chave de sua história, que o sacramenta como o sucessor impiedoso e implacável dos negócios da Família. O ritmo de uma narrativa tão movimentada é invejável – o trabalho de montagem de William Reynolds e Peter Zinner jamais deixa a peteca cair, mas não comete o pecado de tornar O Poderoso Chefão uma obra que se reduz aos acontecimentos sequenciados de seu enredo.

A densidade das personagens jamais teria sido possível sem a parceria de Mario Puzo, o autor do livro que dá origem às partes I e II da saga, e Coppola. Os Corleone e seus inimigos vivem e respiram. Sentimos com eles o peso dos atritos e traições, por mais reprováveis que possam ser seus códigos morais. Uma qualidade cada vez mais rara no cinema comercial contemporâneo: são filmes sobre pessoas inerentemente falhas. Pessoas, nesse sentido, normais. Torna-se mais simbólico o pano de fundo da máfia, pois não somente o movimento mas o cinema como um todo se permitia explorar ambiguidades morais, alçar más pessoas como personagens ou até deixar de lado o julgamento ético, posturas que o pânico moral contemporâneo reduziu ao maniqueísmo ingênuo do herói contra o vilão, o bem imaculado contra o mal sem substância.

Contudo, não há nada de “normal” nos retratos de Coppola, se pelo termo entendermos algo próximo do real, verossímil. Os Corleone são figuras para além da realidade, quase que como munidos de uma atmosfera imponente e espetacular. O Poderoso Chefão é, também, espetáculo, e para sê-lo não precisa sujeitar o espectador à lógica da montanha-russa que Scorsese, grande amigo de Coppola, tanto critica. Esse é um dos exemplos mais bem-sucedidos (em recepção e no mercado) da movie magic do cinema americano após seu período clássico – e a magia do cinema não precisa de seres sobre-humanos voando cá e lá, mas de boas histórias. Não há nada mais fantástico que a humanidade.

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Casa Gucci

Lady Gaga encabeça elenco da polêmica história de amor, cobiça, intriga e assassinato que marcou o mundo da alta costura 

Texto por Camila Lima e Abonico Smith

Foto: MGM/Universal Pictures/Divulgação

A encomenda do assassinato de Maurizio Gucci por sua ex-mulher Patrizia Reggiani em 1995 é um dos acontecimentos mais polêmicos do universo da alta costura. Esta história, agora, serve de inspiração para um dos lançamentos cinematográficos mais comentados deste final de ano.

Surfando na bem-sucedida onda do estilo true crime, que vem tomando de assalto os roteiros de filmes “baseados em fatos reais” e séries documentais, Casa Gucci (House of Gucci, Canadá/EUA, 2021 – MGM/Universal Pictures) desvenda os bastidores da vida pessoal e profissional das duas últimas gerações da família Gucci que estiveram envolvidas com a marca. A trama se inicia quando Patrizia Reggiani, jovem vinda da classe média baixa, conhece em uma festa o ingênuo e doce Maurizio Gucci, que, quando jovem e estudante de direito, revela nunca ter tido pretensões de se envolver com os negócios da família. A entrada da moça na trajetória dos Gucci desencadeia uma série de acontecimentos que dão forma a uma história de amor, paixão, loucura, cobiça, intriga e traição.

O elenco é estelar e traz nomes como Lady Gaga, Al Pacino, Jeremy Irons, Adam Driver, Salma Hayek e Jared Leto. Para a direção foi convocado o veteraníssimo Ridley Scott. Contudo, expectativas e celebridades podem render muito burbirinho mais notas e postagens antecipadas na internet. Contudo, na hora do vamos ver, quando um filme chega de fato às grandes telas, como no casamento entre Patrizia e Maurizio, nem tudo é aquilo que parece ser de fato.

Casa Gucci, com seus extensos 157 minutos, procura compensar no estilo com muito glamour (reforçado pelo magnetismo da edição de videoclipe) aquilo que lhe falta um pouco em conteúdo. Com quase três horas de duração, parece que o espectador não está na poltrona da sala de projeção, mas sim no sofá de casa ou mesmo na cama, assistindo a uma minissérie. Em vários momentos percebe-se uma sucessão de altos e baixos que poderia ser evitada por uma duração menor, com uma narrativa tão ágil quanto o visual proposto. Também pudera. Já começa pela pretensão de esmiuçar três décadas – o tempo vai dos anos 1970, quando o casal protagonista está na exuberância de sua juventude, aos 1990, quando, com ambos já quarentões, há a mudança por completo das atitudes e intenções na vida.

Outra coisa que incomoda – e bastante – é a eterna mania de Hollywood querer tomar para si o resto do mundo. Aguentar o tempo todo uma típica família italiana,  morando na Itália, trabalhando na Itália, falar em inglês entre eles mesmos é algo que vai se tornando um porre no decorrer do filme. Pior é a situação de Lady Gaga. Ela, que não é má atriz, entrega uma pífia performance como a ambiciosa e determinada Patrizia, muitas vezes escorregando feio na prosódia e aparecendo em cena com um inexplicável sotaque russo. Logo ela, que vem de família ítalo-americana, vem firme e forte como favorita para o próximo Framboesa de Ouro! O tom da interpretação empregada por Al Pacino como o bonachão Aldo, manda-chuva do clã na empresa também vem dividindo opiniões, sendo criticada de maneira intensa até mesmo pelos descendentes dos Gucci.

Embora os pontos fracos sejam indisfarçáveis, há de ressaltado também o conjunto de acertos. A fotografia do filme é muito bem explorada para caracterizar o estilo de vida opulento dos Gucci, assim como a trilha sonora e o figurino são utilizados para ambientar as diferentes épocas nas quais a trama se passa. Um trecho do roteiro merece aplausos: a hora em que Patrizia e Mauricio discutem com Aldo a questão da pirataria dos produtos da grife. Enquanto o casal mostra-se contrário à prática e a condena por temer uma possível interferência nos lucros e na imagem, o tio pormenoriza tudo e desfila um breve porém certeiro comentário de que o comércio das falsificações também ajuda quem não tem dinheiro para pagar pelos produtos originais a se sentirem empoderados com a dissimulada sensação de também estarem utilizando a marca.

Já no campo das atuações, Jared Leto – irreconhecível na concepção visual do personagem – destaca-se como o histriônico Paolo Gucci. Centro de inúmeros alívios cômicos do filme, sua participação é bastante elucidativa nos caminhos recentes tomados pela Gucci. É justamente tendo a ligação com Paolo, que acaba afastado das atividades na grife através de ações comandadas pelo primo Maurizio e a esposa Patrizia, que a história nas telas leva à chegada de Tom Ford à direção criativa em 1984. Foi nesta transição que as peças de vestuário ganharam mais importância, passando a dividir as atenções com clássicas peças como as Bamboo Bags e o mocassim Horsebit.

Casa Gucci, no entanto, desperdiça a dualidade de uma excelente protagonista. Desde o início Patrizia deixa clara sua sede pelo poder e status social, o que a leva a ser a mentora do assassinato do ex-marido uma década depois dele sair de casa para nunca mais voltar e passar a namorar outras mulheres até oficializar o divórcio. No meio disso tudo, ela também se revela a namorada/esposa apaixonada e a dedicada empresária com aquela incisão que o legítimo herdeiro não procurava ter. Prende-se em tantos detalhes a mais que diminui o impacto maior que poderia ter a “plebeia” Reggiani, que até o fim sonhava em continuar sendo uma “nobre” Gucci. No fim, não passa de uma produção com qualidade mediana, que pode até atiçar momentaneamente os apaixonados pelo mundo da moda mas está longe de se tornar um clássico tal qual as bolsas e sapatos eternizados por décadas pela centenária família de origem florentina, que exatamente em 1921 dava seus primeiros passos em direção ao luxo, poder e glória.

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O Irlandês

Martin Scorsese reflete sobre o tempo em obra extensa e que traz o brilho de atores como Robert De Niro, Al Pacino, Joe Pesci e Anna Paquin

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Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Netflix/Divulgação

Martin Scorsese é, para muitos, um dos maiores cineastas vivos. Maturando a nova Hollywood nas décadas de 1970 e 1980, o nova-iorquino que nunca deixou de fazer filmes com relativa constância agora aterrissa em seu mais recente primeiro em parceria com a Netflix – e numa onda de títulosaclamados, como O Lobo de Wall Street e Silêncio. Mas O Irlandês (The Irishman, EUA, 2019 – Netflix) é divisor dessas boas águas para muitos, em especial por sua duração.

O roteiro de Steven Zaillian, adaptado do livro I Heard You Paint Houses, de Charles Brandt, traz o assassino da máfia Frank Sheeran (Robert De Niro), já em avançada idade, rememorando seu tempo na ação e sua amizade com Russel Bufalino (Joe Pesci) e o mítico líder sindical Jimmy Hoffa (Al Pacino). Para tal, o filme abusa das clássicas narrações de Scorsese e de três momentos temporais, que ficam evidentes graças aos efeitos especiais, mas também pelo costumeiramente incrível trabalho de Thelma Schoonmaker na montagem. É nela, no entanto, que temos o “grande problema” deste filme.

Sim, porque três horas e meia é muito, em especial quando o ritmo da trama não é a efusão de explosões do cinema comercial de ação. Por outro lado, não há parte da trama que não esteja em O Irlandês por um motivo – Scorsese e Schoonmaker amarram a trama do começo ao fim, o tornando um filme bastante coeso e tonalmente constante. No entanto, servindo à trama ou não, a duração por vezes exagerada das cenas (o que não é uma questão da montagem, mas do roteiro) torna inescapável a sensação de que, por mais que possamos aproveitar o longa-metragem em sua completude, poderíamos, enquanto audiência, aproveitá-lo ainda mais se uns 40 minutos se perdessem na sala de montagem.

O filme é belíssimo, com a direção de fotografia de Rodrigo Prieto criando a suja e escusa metrópole americana que é tão distinta na filmografia de Scorsese. Ele ainda  aplica a movimentação da câmera, sempre muito suave, de forma a garantir que o ritmo que Schoonmaker constrói não caia em vagarosidade. O filme é longo e lento (o que não é, em si, ruim, vide o movimento do slow cinema), mas é fotografado lindamente e muito dinâmico.

Esse dinamismo também se dá pela atuação dos quatro personagens principais: De Niro, Pesci e Al Pacino são acompanhados pela Peggy Sheeran de Anna Paquin, que, mesmo com pouquíssimas falas, rouba todas as cenas em que aparece. É de um mérito extremo da atriz ser capaz de tanto em tão pouco tempo em tela. Por outro lado, os três “sêniores” gozam de muito tempo em tela, cada um entregando um papel belíssimo, desenvolvendo mais nuances com o passar dos anos da história.

O Irlandês é um filme muito bom no fim do dia. Um Scorsese apenas mediano, mas um destes é muito melhor que a maioria dos títulos que vemos durante o ano. O diretor ainda aproveita o último terço da trama para divagar numa espécie de aceitação da idade – e de toda a história que uma carreira no crime (ou no cinema) carrega. Autoconsciente, Martin Scorsese aproveita uma obra que se aproxima do fim de sua carreira (por mais que esperemos que ela dure o máximo possível!) para, em conjunto com artistas com tanta história como ele próprio, engajar num longo caminho de rememoração.

Com um roteiro melhor, que explorasse mais as batidas emocionais do incrível elenco à disposição, e menos uma construção calma da intimidade de Hoffa e Sheeran, poderíamos ter um dos melhores lançamentos do ano passado. Ele é, de certa forma, entretanto somente se esticarmos a lista um tanto.