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Assunto de Família

Longa japonês vencedor de Cannes no ano passado emociona ao questionar limites e necessidades para a formação familiar

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Imovision/Divulgação

Família é aquela que é imposta a você por causa de laços sanguíneos ou a que o livre-arbítrio permite que, qualquer que seja o motivo, a escolha de ambos os lados? Este é o ponto central de um dos filmes de língua não inglesa mais badalados do ano passado, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes, indicado ao Globo de Ouro e um dos nove finalistas que concorrem à indicação ao Oscar, no fim da atual temporada de prêmios do cinema norte-americano.

Assunto de Família (Manbiki Kazoku, Japão, 2018 – Imovision) chega aos cinemas brasileiros neste começo de ano trazendo esta discussão. Aparentemente os Shibata são uma família unida, apesar das grandes dificuldades do dia a dia. Moram em um bairro pobre da grande cidade, ganham pouco em subempregos sem muita perspectiva de melhoria de salários e cargos, sobrevivem basicamente da uma misteriosa pensão recebida pela matriarca da família. Avó, duas irmãs, o genro e um menino dividem o mesmo cubículo, entulhado de quinquilharias de casa. No dia a dia, pai e filho praticam pequenos furtos de comida para os jantares em casa e alguns objetos que possam ser vendidos para garantir um trocado a mais no orçamento já apertado (daí o título dado em inglês, Shoplifters, para o lançamento no mercado internacional). A mãe, por sua vez, colabora trazendo mais coisas do seu trabalho. Já a irmã dela assume um novo nome para fazer strip tese ao vivo para os homens do outro lado de uma tela de vidro. O pequeno garoto não vai à escola e apenas lê os livros disponíveis que estão jogados em algum canto de casa.

No trato cotidiano os Shibata são a família mais afável e unida que o espectador poderia acompanhar. Aos poucos, porém, vão surgindo na história novos elementos que podem vir a fazer ruir todo o castelo de cartas construído pelo núcleo e trazer desavenças aos seus integrantes. Tudo começa quando, no caminho de volta para o cubículo, após um passeio noturno, Osamu (Lily Frankie) se depara com uma garotinha de quatro aonde idade abandonada em uma casa vizinha. A pequena Yuri é largada ao léu pelos pais, sofrendo diariamente abuso psicológico e violência física. Levada na surdina para os Shibata, ela acaba sendo adotada informalmente e nunca mais devolvida ao seu lar de origem, para a alegria de qualquer espectador mais sentimental aliás. Esta decisão, apesar de inicialmente parecer acertada para este mesmo espectador com o coração de manteiga, acaba por desenrolar todo um novelo de complicações até o fim da projeção.

Enquanto isso, o diretor Hirokazu Koze-eda – que aqui assina também o roteiro – faz de seu novo filme mais uma bela experiência sobre as pequenas coisas cotidianas. Seu um apurado olhar contemplativo explora ângulos de impacto em espaços diminutos e embarca naquele ritmo lento característico do cinema nipônico – a ponto de explorar com extrema sutileza a sucessão das quatro estações durante as cenas externas, por exemplo. O que torna ainda mais lírica a sua visão de como diferentes pessoas e personalidades podem muito bem formar e se sentir uma família, mesmo com suas divergências. Morais, ideais ou até mesmo de sangue.

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Millenium: A Garota na Teia de Aranha

Claire Fox assume o papel da mítica Lisbeth Salander em adaptação de nova história da franquia literária sueca

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Sony Pictures/Divulgação

Hollywood é uma indústria cinematográfica que, como não poderia deixar de ser, visa a lucros ao invés de arte. O mais importante aqui é se produzam, constantemente, filmes com grande apelo de público para que se obtenha o máximo retorno financeiro possível. Por isso, também, a regra é procurar não gastar muito. Se inovação, ousadia e boas ideias em roteiros não seduzem muito os grandes estúdios, salários altos também são item a ser evitado. Por isso, melhor contratar jovens nomes em ascensão no mercado mundial para que o lucro seja ainda maior.

Isto pode resumir a decisão de bancar mais um livro da série Millenium transformado em filme. Depois da trilogia sueca e de uma não tão bem sucedida adaptação norte-americana (2011), a clássica personagem Lisbeth Salander está de volta às telas em uma nova aventura. Millenium: A Garota na Teia de Aranha (The Girl In The Spider’s Web: A New Dragon Tattoo Story, Reino Unido/Alemanha/Suécia/Canadá/EUA, 2018 – Sony Pictures) é baseado no mais recente livro da série, escrito após a morte de seu autor original, Steig Larsson, em 2004.

Contratado para escrever mais dois volumes do universo de Salander, o jornalista e biógrafo – também sueco – David Lagercrantz fez do primeiro, publicado em 2015, um mergulho profundo de Lisbeth em relação ao seu passado ainda misterioso. Por isso, Hollywood viu uma ótima alternativa para zerar a franquia e iniciar uma nova tentativa de emplacar a carreira cinematográfica da agora transformada em uma versão feminina (e feminista) de James Bond.

A hacker Salander agora é conhecida popularmente como uma justiceira underground. Caça os homens que agridem e oprimem as mulheres de todas as formas para devolver a eles todo o mal feito às suas vítimas. O que não a impede de continuar ganhando dinheiro fazendo seus trabalhinhos informais invadindo computadores alheios e aprontando coisas ilegais por trás de uma tela. Para viver a protagonista foi convocada uma nova atriz, a britânica Claire Foy, alçada ao estrelado pela série televisiva The Crown.  O corpo franzino e o olhar tão frio quanto o sangue da personagem fazem Claire se distanciar das duas intérpretes anteriores (Noomi Rapace e Rooney Mara). Sua Lisbeth é mais quieta e muito mais enigmática. Na expressão facial, na sexualidade, nas atitudes. No passado de sua família, principalmente.

O diretor uruguaio Fede Alvarez – também um dos roteiristas – tenta dar saídas interessantes à mera proposta oficial de um filme de estética sombria com cenas de ação. Traça metáforas nervosas com a câmera para dar um pouco mais de sensorialidade ao espectador. Aposta ainda em algumas perspectivas que fogem da cartilha tradicional dos filmes de ação.

Embora as presenças de Foy e Alvarez enriqueçam este novo Millennium (o nome brasileiro da franquia vem da revista editada pelo jornalista Mikael Blomkvist, cujas reportagens sobre Lisbeth servem de alicerce a uma subtrama de tensão sexual, o longa esbarra em uma história fraca e previsível. Nela, tudo se encaminha para algo que já pode ser antevisto com olhares mais perspicazes durante a sequência inicial. E também por humanizar demais uma protagonista em detrimento do fraco desenvolvimento dos personagens secundários. Inclusive do próprio Blomqvist, bem relegado desta vez. Basta notar que o papel, outrora do atual James Bond Daniel Craig, agora voltou a ser de um ator sueco, ainda bem desconhecido em Hollywood.

Como o principal objetivo era mesmo reiniciar a franquia cinematográfica com novos nomes, o resultado final do filme é o que menos importa. Com isso, Milleniumabre todas as portas em seu caminho para se consolidar ao posto de mais nova série de longa-metragens centrados em fortes personagens de grande respaldo literário. Em breve, a segunda trama bolada por Lagercrantz deverá estar nas telas. E com Claire Foy – agora com a carreira consolidada também nos cinemas – à frente do elenco.