Cineasta francês François Ozon retorna com comédia que dialoga com outros gêneros e perpassar temáticas atemporais
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Texto por Abonico Smith
Foto: Imovision/Divulgação
Uma das principais características dos filmes assinados pelo diretor e roteirista François Ozon é a mistura de gêneros. Em O Crime é Meu (Mon Crime, França, 2022 – Imovision), que chega aos cinemas brasileiros hoje, ele continua mantendo sua veia de comédia bastante afiada, sem deixar, contudo, de passear por outros territórios como o suspense, o drama e um de seus mais clássicos subgêneros, o noir. Afinal, a trama – que gira em torno de um misterioso assassinato e envolve ambição, poder, sexo e personagens sem muitoslimites morais – se passa na Paris dos anos 1930, mesma década em que a temática policial dominava as produções em Hollywood.
Madeleine Verdier (Nadia Tereszkiewicz) é uma atriz iniciante que busca sucesso profissional e sair do miserê em que vive cotidianamente. Também não abre mão de sua moral e seus sonhos românticos de casar com o namorado e constituir uma família. Entretanto, de uma hora para outra, vê-se metida em uma grande enrascada, tornando-se a principal suspeita do crime de um famoso e rico produtor cultural. É nesta hora, porém, com a sorrateira ajuda da advogada e sua melhor amiga Pauline Mauléon (Rebecca Marder), com quem divide apartamento e cama, ela usa o que poderia ser um tiro pela culatra como alavanca para disparar insidiosamente um plano que usa com eficácia duas instituições (a judicial e a imprensa) para lhe trazer fama e fortuna.
Neste jogo de exercício de ambição pessoal das duas protagonistas, Ozon ainda dá um jeito de colocar algumas outras questões nas entrelinhas. Enquanto explora uma certa tensão sexual entre as duas, mergulha fundo em questões como o culto à celebridade, a luta pelos direitos femininos, os preconceitos sexuais e a misoginia escancarada da sociedade daquela época. Chega um determinado momento do longa, aliás, que dá angústia de ver tanta barbaridade disparada por porcos chauvinistas de poder e prestígio, como o delegado, o promotor ou ainda representantes da elite empresarial. Outro assunto delicado que aparece em O Crime é Meu é o etarismo: Odette Chaumette (Isabelle Hupert) é uma veterana dos palcos e dos filmes mudos que também pena para conseguir novas ofertas de atuações quando o passar das décadas vai deixando cada vez mais longe o auge de sua carreira.
Se não chega a ser um dos melhores momentos da trajetória do realizador francês, O Crime é Meu traz quase cem minutos de diversão, com boas tiradas em diálogos e situações, uma fotografia não noir assim (o tradicional contraste entre o claro e o escuro é substituído por tomadas muito bem iluminadas e ambientes sem aquela penumbra toda) e boa atuação de Nadia e Rebecca, que encarnam com olhares e gestos as ironias costumeiras ditas por suas personagens em toda a história. Atemporal, apesar de Madeleine e Pauline viverem quase um século atrás em nosso tempo.