Movies

Enola Holmes

Millie Bobby Brown interpreta a intrépida irmã caçula de Sherlock Holmes em divertida história de empoderamento feminino na era vitoriana

Texto por Maria Cecila Zarpelon

Foto: Netflix/Divulgação

Se você estava esperando outro remake do mais famoso e ilustre detetive de todos os tempos, irá ficar desapontado. Enola Holmes (Reino Unido, 2020 – Netflix) é uma refrescante aventura – mesmo que não muito inovadora – que segue seu próprio curso independentemente da grife Sherlock Holmes. 

É seguro afirmar que todos conhecem o célebre detetive bolado por Sir Arthur Conan Doyle. Quase um século e meio depois da publicação do primeiro livro sobre o personagem vitoriano, as atualizações e remakes da aparentemente imortal criação do escritor escocês continuam surgindo. Com tantas produções sobre a vida do maior inestigador da literatura (pelo menos até agora), era preciso buscar um caminho diferente para fugir da mesmice. Por sorte, é isso que Harry Bradbeer faz com seu novo filme. Baseado no primeiro livro da série Os Mistérios de Enola Holmes, da autora americana Nancy Springer, o longa de Bradbeer tinha tudo para dar errado. Afinal, seria de se esperar que uma história na qual Sherlock Holmes é um mero coadjuvante ficasse fadada ao fracasso. Contudo, Enola Holmes prova ser exatamente o contrário. 

Enola (Millie Bobby Brown) cresceu em uma região interiorana da Inglaterra do final do século 19 ao lado de sua mãe. Depois que a jovem descobre, na manhã de seu 16º aniversário, que Eudoria (a sempre incrível Helena Bonham Carter) desaparecera, ela acaba sob os cuidados de seus irmãos mais velhos Mycroft (Sam Claflin) e Sherlock (Henry Cavill). Para escapar de Mycroft, que quer colocá-la em um internato, a garota se recusa a ter sua identidade definida pelos padrões da sociedade da época e vai para Londres em busca de pistas para encontrar Eudoria. Enquanto ela segue pistas deixadas pela mãe e enfrenta outros mistérios pelo seu percurso, a Inglaterra está à beira de grandes transformações sociais. O que, por sinal, não deixará todos contentes. 

Em um ritmo quase que frenético, o longa constrói uma história de autodescoberta e amadurecimento, narrada pela própria protagonista, que frequentemente quebra a quarta parede para falar diretamente com o público. Millie domina o filme com carisma e presença evidentes, deixando para trás o ar sombrio da personagem Eleven, da série Stranger Things, para interpretar uma jovem brilhante, peculiar e – claro – excêntrica, como todo bom Holmes deve ser. 

A trajetória de autoconhecimento de Enola apresenta discussões mais amplas sobre machismo e questões de gênero em uma época na qual as mulheres eram criadas para cuidar da casa e arranjar um marido. No estilo coming of age, o filme equilibra esses temas na medida em que constrói uma narrativa que prova ser muito mais que apenas uma história de detetive. Ao falar sobre uma jovem em busca de liberdade e de si mesma, a produção tece críticas, mesmo que modestas, a um mundo conservador e patriarcal que está determinado a permanecer o mesmo.

Embora o longa de Bradbeer não inove ao abordar o protagonismo feminino e a discussão em torno da igualdade de gênero, que estão conquistando cada vez mais espaço no cenário cinematográfico, não há um certo fascínio na maneira com que o longa retrata Sherlock. Normalmente a personificação da racionalidade e do progressismo, aqui ele nada mais é do que um homem comum cujas atitudes a irmã tenta combater. 

Com a ajuda dos ótimos trabalhos de figurino e fotografia, Enola Holmes cumpre bem o papel de ser divertido e descontraído, apresentando ao público jovem uma nova heroína empoderada. Porém, o longa deixa a desejar quando a questão é a solução de mistérios durante o roteiro. Falta a nós a básica satisfação de resolver um caso que sabemos que apenas a protagonista do filme conseguiria – que diga-se de passagem, é capaz de fazer deduções muito mais ardilosas. O espectador nunca tem aquele prazer de juntar as peças e esclarecer os enigmas. No fim das contas, Enola Holmes, felizmente, não tenta ser mais uma história do detetive Sherlock. Assim como sua protagonista, o longa é inteligente o suficiente para seguir seu próprio caminho e emancipar-se de qualquer um que tente lhe dizer o que deve ser.