Music

As Bahias e a Cozinha Mineira

Trio lança o primeiro disco por uma grande gravadora e fala em entrevista sobre amor, influências e a nova MPB LGBT

bahiascozinhamineira2019

Texto e entrevista por Janaina Monteiro

Foto: Divulgação

Se existe uma banda com atitude, crítica social e capacidade de inspirar e transformar o cenário musical atual é o trio As Bahias e A Cozinha Mineira. Só pelo nome já é possível perceber a carga de brasilidade e presença feminina no trabalho das cantoras trans Assucena Assucena e Raquel Virgínia – a baiana e a paulistana – e do mineiro Rafael Acerbi, que se apresentam em Curitiba neste final de semana no Teatro do Paiol (mais informações sobre os dois shows você tem aqui).

Os três se conheceram na Universidade de São Paulo, onde faziam História. Mas foi a morte de Amy Winehouse, em 2011, que despertou a vontade dos amigos em formar uma banda e se profissionalizar. Desde então, foram três álbuns lançados e prêmios conquistados. O mais recente trabalho, Tarântula, tem duplo sentido no nome e faz referência a uma operação da polícia paulista de 1987, que perseguiu e prendeu centenas de travestis sob a desculpa de “combater o avanço da aids”.

O trio bebe na fonte de vários ritmos e transita entre as mais variadas influências: da cultura hip hop ao axé, da Tropicália – principalmente Gal Costa e Caetano Veloso – ao Clube da Esquina. Por e-mail, Raquel falou com o Mondo Bacana sobre o novo disco e o momento atual do grupo.

A banda se conheceu durante o curso de História da USP. Vocês acreditam que podem fazer mais “história” com a música do que lecionando?

Não acho que dê pra fazer esse comparativo. São ofícios muito diferentes. A natureza dos dois trabalhos e o tempo de impacto social de cada função também. Acho as duas profissões fundamentais e importantes.

Liniker, Johnny Hooker, As Bahias e a Cozinha Mineira… é possível identificar um movimento na música popular brasileira que resgata a cultura popular como fizeram os tropicalistas ou o Clube da Esquina (que são suas referências) e que dá voz à comunidade LGBT, às minorias?

Acho que existe uma conjuntura que une as Bahias, Liniker, Johnny. Mas não consigo dizer que existe um conceito artístico e estético que nos una, como os tropicalistas. Não por enquanto. Estamos conectadas muito mais por questões comportamentais e sociais que artisticamente. Ainda sim, nossas artes correspondem de alguma maneira a esse momento e isso nos conecta, sem dúvida.

Vocês assinaram com a Universal, uma gravadora mainstream. Como conseguiram manter a identidade criativa da banda e as letras críticas (como em “Fuça de um Fuzil”) sem que a gravadora interferisse, por exemplo, no conteúdo? Isso é um sinal que os tempos mudaram, que existe o inverso, que o artista pode “mandar” nas gravadoras?

As Bahias não foi um projeto que nasceu dentro de uma gravadora. Nascemos e fizemos os dois primeiros álbuns de maneira independente. Quando entramos na gravadora já carregávamos uma identidade, de certa forma. A gravadora quer reforçar e tornar mais popular o que nós já somos. Potencializar. Eles não interferiram de maneira incisiva nas canções. Foi e está sendo tudo muito tranquilo.

“Sou mulher de botar pra quebrar” diz um dos versos de “Mátria”, a faixa de abertura de Tarântula. Num tempo em que falamos sobre o empoderamento feminino, como a mulher pode botar pra quebrar hoje em dia? Sendo feminista ou feminina?  

Feminista. Sendo feministas podemos ser o que quisermos, inclusive femininas.

O trio tem duas musas inspiradoras Gal e Amy Winehouse. Quem seria o muso inspirador?

Caetano Veloso tem nos influenciado muito como grupo. Individualmente, amo Stromae, cantor e compositor belga.

Vocês cantam sobre o amor e as desilusões, sentimentos comuns independentemente de sexo, cor e religião. Mas nessa sociedade do consumo, a sensação é de que os relacionamentos são fugazes e não se sustentam mais. Como vocês enxergam o amor nos dias de hoje com os aplicativos onde as pessoas são escolhidas como num cardápio?

Eu tenho um olhar muito seco pro amor. Acho que amor tem raça, gênero e classe social. As pessoas se amam mas precisam estar num padrão pra serem amadas. Como mulher trans preta e que nunca teve um relacionamento afetivo, penso que o amor precisa ser ressignificado.

E o que mudou no país desde a operação policial que batizou o novo trabalho? É possível que o tempo cure esse retrocesso político em que vivemos?

Sendo muito honesta, não sei aferir o que mudou. A nossa História é muito apagada e fragmentada. Mas essa é uma boa pesquisa.

Pra descontrair: qual o prato da culinária paulista, baiana e mineira do qual vocês mais gostam? Como sairia uma receita dos três estados juntos?

Paulista: amo um bom pão na chapa; baiana: sou apaixonada por caruru; mineira: goiabada cascão. Uma receita dos três juntos de As Bahias e a Cozinha Mineira!

Music

Cícero – ao vivo

Proximidade com os fãs no Teatro do Paiol faz cantor e compositor fazer show relaxado e bem-humorado em sessão dupla em Curitiba

cicero2018cwb_gigante

Texto e foto de Jocastha Conceição

Já faz alguns anos que Cícero Rosa Lins vem ganhando espaço no cenário independente brasileiro, misturando influências de MPB, folk e bossa nova. Tanto que os ingressos marcados para sua nova apresentação em Curitiba, marcada para as 21h de 26 de setembro de 2018, esgotaram-se em poucos dias após o início das vendas. O que acabou forçando uma nova sessão, duas horas antes, no Teatro do Paiol.

O show intimista, com luzes baixas e público aconchegado no espaço circular do teatro contou com falas bem-humoradas do artista sobre sua trajetória, inspirações para as letras e histórias por trás das músicas – como “Isabel”, dedicada à irmã caçula. Ao relembrar outro show realizado no Paiol anos atrás. Cícero salientou o quanto gosta de cantar em lugares pequenos. Assim, sente-se mais livre para conversar e se envolver mais com a plateia, dar outra sonoridades a suas canções em um estilo mais experimental e cantar aquelas que conservam a base em voz e violão – o que é difícil num grande show com a sua banda, que integra mais sete músicos no palco além dele.

Tirando o público da posição de meros ouvintes, Cícero pediu para que todos cantassem trechos (“Não se vá”, “É sexta-feira, amor”), respectivamente das canções “Não Se Vá” e “Ponto Cego”. Enquanto isso vai tocando e dando voz a outros a outras partes (“Gira, mundo cão”), formando um coral, segundo ele, “afinado”.

Após sorrisos ao final de cada música, Cícero encerrou o show com “Aquele Adeus”, de seu mais recente álbum (Cícero & Albatroz, lançado em dezembro de 2017). Então, logo se despediu com carinho dos primeiros curitibanos a contemplarem a performance. Tinha de voltar aos camarins para se preparar para a segunda sessão, já prestes a começar.

Set List: “Vagalumes”, “De Passagem”, “Velho Sítio”, “Ela e a Lata”, “Não Se Vá”, “A Praia”, “Ponto Cego”, “Soneto de Santa Cruz”, “Duas Quadras”, “Isabel”, A Grande Onda”, “Canções”, “Fuga 3”, “Capim Limão” e “Aquele Adeus”.

Music

Rosie Mankato – ao vivo

Ex-vocalista do Rosie & Me retoma a carreira, lança disco solo sob novo nome e apresenta novidades sonoras

rosiemankato2018paiol1

Texto e foto por André Mantra

Rosanne Machado aka Rosie Mankato viveu seus os últimos quase seis anos anos (desde o final de 2012 após encerrar a banda Rosie & Me, um projeto que durou por seis temporadas) quão intensamente enquanto era a vocalista da sua ex-banda. Uma história que se mistura a outras bandas da cena indie curitibana, embora com propostas distintas: usar todo o seu inglês e haver pelo menos uma mulher à frente (o curioso é que todas já acabaram ou, no mínimo, sem qualquer perspectiva de lançar algo novo, infelizmente). Então a quebra deste “silêncio” serve de alento, um estímulo, uma esperança de retomada.

Na verdade, a Rosie produziu trilhas sonoras, spotscomerciais, faixas para sua própria carreira solo (singles) e também de outros artistas, tudo através do seu Colina Recording Studio. Teve aulas de luthieria, mudou de endereço e estado civil. E quase mudou de país. As apresentações até ocorreram – por mais de uma vez esteve entre as convidadas do projeto Sofar Sounds em Curitiba, fez job para desfile de grife… Sim, até aquela noite fria de outono curitibano em 25 de maio de 2018, para o lançamento do EP Palomino no Teatro do Paiol, a paranaense pode enfim, num formato “banda”, ser reconhecida como artista-operária da música independente novamente. Convencida pelo modus operandos do mercado da música e sobrevivido ao luto de ter uma banda encerrada ao mesmo tempo em que não se reconhecia em grande parte do seu próprio meio, ela agora retoma a carreira madura, menos acanhada e mais empreendedora.

Rosie entrou às 20h15 no palco do Teatro Paiol, diante dos seus familiares, ex-integrantes do Rosie and Me, atuais parceiros musicais e fãs mais antigos que desafiaram a falta de combustível nos automóveis e em postos de gasolinas para uma apresentação de 45 minutos e muitas lágrimas contidas. A abertura foi com “Treehouse”, canção do projeto anterior mas que era perfeita para ocasião. Daí já era perceptível que não era apenas a presença de novos músicos – Gabriel Eubank (bateria, simples e beats), Fabrício Rossini (baixo) e Felix Cecílio (guitarra). Havia nos arranjos apesar da manutenção de alguns dos timbres – pois aquela guitarra melancólica e country presente no disco Arrow Of My Ways ainda é bem executada nos palcos da vida.

As seis novas canções de Palomino foram todas bem recebidas, destaque para “Holler”, “Curly” e “Boat”. As canções novas têm elementos de música eletrônica, além de camadas de guitarra. Ao mesmo tempo não soam como indie rock. É muito bom também constar que o seu canto se adapta muito bem aos arranjos que se propôs apresentar e registrar. Ao longo da apresentação, a cantautora e por vezes intérprete fixou-se em olhar para a sua direita, pois do lado oposto havia muita gente do coração (seus familiares e ex-integrantes de R&M). Apesar de continuar a falar pouco junto ao público, era nítida a mudança da timidez para o intimismo. E quando o set list foi tocado por completo, ainda teve a manha de improvisar um bis com “Come Back”, ao lado do guitarrista Thomas Kossar.

Além de Kossar, Felipe Ayres e outros integrantes ou colaboradores do Rosie & Me continuaram a conversar com a Rosanne após o show no backstage. E não se espante da possibilidade deles tocarem com ela novamente, ainda que esporadicamente, porque esta foi uma separação pra lá de amigável. Fãs também perguntaram a respeito da inserção de mais canções daquela época nas próximas datas. Mankato não só confirmou como falou que deve regravá-las. Ou seja, o legado da ex-banda o legado segue.

É bom sempre lembrar que apesar da presença dos aplicativos e também da ausência de players de CDs nos automóveis da vida, foram vendidas cópias físicas do EP Palomino, praticamente todas devidamente autografados. Arrisco em dizer que se houvesse também do Rosie & Me estas venderiam bem também. Passada por tantas emoções e devidamente reinserida no meio e no mercado, Rosie Mankato só faz a gente aguardaremos por mais (boas) novidades dela mundo da música.

Set List: “Treehouse”, “The Big Fight”, “Boat”, “Old Folks”, “Chino”, “Shotgun To The Heart”, “Don’t Be Mad”, “Holler”, “Daughter, Daughter”, “Curly”. Bis: “Come Back”.