Movies

Ford vs Ferrari

Personalidades contrastantes dos personagens de Matt Damon e Christian Bale dão o tom à história que opõe duas gigantes do automobilismo

fordvsferrariMB

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Fox/Divulgação

O nicho de filmes de corrida é um daqueles bastante complicados de disseminar ao público. Com o advento de Rush, em 2013, esse subgênero ganhou um respiro para fora de sua bolha. Nesse caminho, Ford vs Ferrari – que chega agora ao circuito nacional – é muito mais que uma obra de nicho.

Ford vs Ferrari (Ford v. Ferrari, EUA/França, 2019 – Fox) prende a atenção do espectador desde seu primeiro plano. A direção de James Mangold, que já fez títulos como Logan, Garota, Interrompida e Johnny & June, é perspicaz e configura um estilo próprio ao tratar suas cenas de ação. A cobertura fotográfica e o ritmo dessas cenas são um show à parte. O filme ainda tem a capacidade não somente de prender o espectador, mas entretê-lo com algo bem além de carros, barulhos de motor e planos velozes. A trama gira em torno do relacionamento de Ken Miles e Carroll Shelby – uma dinâmica conturbada desde seu início, parte por conta do forte temperamento de Miles, brilhantemente interpretado por Christian Bale. A briga corporativa que ocorre entre as gigantes autmobilísticas Ford e Ferrari em meados dos anos 1960 é mero plano de fundo, por sorte.

Bale dá vida a um esquentado, teimoso e persistente mecânico, cuja paixão é pilotar carros de corrida. Sua personalidade contrasta muito com a do ex-piloto e agora empresário do ramo que Matt Damon retrata de forma muito mais serena, ainda persistente. Shelby, hoje, é um negociador. Miles é tudo, menos um negociador. Essa dualidade torna-se o ponto alto do relacionamento que se desenvolve, com muita química entre os personagens, que por sua vez são o ponto alto do filme. Ford vs Ferrari prefere não assumir como protagonistas os magnatas, homens corporativos em guerra por capital. Ao contrário, é um roteiro, até certo ponto, bastante intimista em seu desenvolvimento. Carros não são o fim, muito menos Ford tampouco Ferrari. E isso torna o filme muito melhor do que poderia ser caso não o fosse.

Essa relação é muito bem retratada pela fotografia de Phedon Papamichael, que traz dramaticidade a cada cena, apostando em altos contrastes e uma diminuição quase inexistente de sombras nos rostos de seus personagens. A fotografia é bastante estilizada e dinâmica, com diversos movimentos e distinções de ângulos entre planos, porém não arrisca o anticonvencional, mantendo-se na zona de conforto do espectador comum ao mesmo tempo que atiça a atenção daquele outro espectador ávido e interessado nos detalhes técnicos da sétima arte.

Nesse mesmo sentido, a montagem do trio Buckland-McCusker-Westervelt merece os holofotes e premiações que tem recebido – afinal é dela a responsabilidade de manter o ritmo dos 152 minutos de projeção. Além disso, o ritmo entre sequências não é prejudicado. Ao mesmo tempo que temos velocidade, pulso e, até, ritmo na parte de corridas, os montadores não se apressam nas cenas que mais requerem sua calma.

Ainda, vale mencionar que Ford vs Ferrari não deixa de trazer um importante ritmo cômico para a telona. Grande parte de suas piadas funciona, principalmente por sua função complementar à narrativa. Aqui, as piadas não são o objetivo final da cena, mas o meio para incitar um subtexto ainda maior. Deve-se, por exemplo, prestar atenção nas provocações entre as equipes Ford e Ferrari no ato final do longa.

Divertido e instigante, o filme de Mangold consegue providenciar bom entretenimento até mesmo àqueles que detestam o nicho no qual se insere, sem perder o estímulo dos apaixonados por corrida. Destaca-se a atuação de Matt Damon e, em especial, Christian Bale para tal. Mas não há como negar o evidente esforço que preenche o todo de Ford vs Ferrari, refinando direção, fotografia e edição num filme que, à primeira vista, pode não parecer florescer tão bem.

Movies

Operação Overlord

Longa produzido por JJ Abrams une terror e Segunda Guerra Mundial e leva o gore com estilo e CGI em grande escala aos cinemas

overlord2018

Texto por Andrizy Bento

Foto: Paramount/Divulgação

O cinema de horror é um gênero que se reinventa constantemente, para a felicidade dos amantes do gênero. Tem sua origem vinculada ao visionário George Méliès – um dos pioneiros do cinema e considerado o inventor dos efeitos especiais – com O Castelo do Demônio (1896). Chegou às décadas de 1930 e 1940 relegado à categoria de filme B. Durante a crise econômica provocada pela queda da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, os cinemas, que vinham perdendo público, arranjaram um novo meio de faturar, exibindo dois filmes pelo preço de um. Desse modo, os grandes estúdios ofereciam um filme classe A – produções de elevado destaque, com elencos estrelares – e um filme B – uma fita estrelada por nomes pouco conhecidos e com um orçamento mais modesto. Muitos destes se tornaram verdadeiras obras cult. Da safra merecem menção os Monstros da Universal, como o Drácula estrelado por Bela Lugosi e Frankenstein com Boris Karloff, ambos de 1931.

Nos anos 1970, ainda remanescentes dos filmes B, surgiram os slasher movies, popularizando produções como O Massacre da Serra Elétrica (1974) e Halloween (1978). O gênero alcançou o statusde cinema de arte com os clássicos O Exorcista (1973) e O Iluminado (1980). Atravessou a década de 1990 com uma onda adolescente apelidada de teen slasher, cujos exemplares mais famosos são os pastiches Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado e a série Pânico. Enfim, chegou à atualidade com propostas mais ousadas e cerebrais, como é o caso de Corra!, uma afiada crítica sobre o racismo mascarada de horror moviee indicada ao Oscar de melhor filme; e Um Lugar Silencioso, experiência extremamente sensorial que abusa da tensão psicológica. No entanto, faltava um exemplar mais tradicional do gênero, que evocasse aquela deliciosa atmosfera de filmes B e o gore com estilo. E é exatamente isso que Operação Overlord (Overlord, EUA, 2018 – Paramount) representa.

O petardo do diretor Julius Avery, produzido pelo hiperativo JJ Abrams, se aproxima dos bons e velhos splatter – sanguinolento e repleto de representações gráficas de violência. Contudo, é mais sofisticado em sua forma e até no conteúdo. A trama, bem sacada, tem início em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, com a Operação Overlord do título, cujo objetivo era a invasão da Europa Ocidental, então ocupada pela Alemanha nazista. Sendo assim, é na Normandia, pouco antes do Dia D, que a ação se desenrola.

A cena de abertura apresenta um grupo de jovens e, em sua maioria, inexperientes soldados americanos, recém-saídos dos campos de treinamento, a bordo de um avião militar. Sua missão é aterrissar na França e destruir uma torre de comunicação instalada pelos nazistas em um afastado vilarejo. Assustados devido ao bombardeio das tropas inimigas, os soldados são obrigados a saltarem do aeroplano em meio ao ataque. Toda a sequência é extremamente bem executada e de um requinte visual impressionante. Ela conduz os espectadores a uma experiência imersiva, abusando de closes e de uma sensação ora claustrofóbica – no intervalo que se passa dentro do avião – ora vertiginosa – durante o salto de paraquedas – além de apresentar um emprego notável dos efeitos sonoros. Acertadamente, aposta na supressão do som em dois momentos bem pontuados, conferindo um estado de aflição absoluta.

Ao penetrarem em território hostil, tomam conhecimento de experimentos realizados na citada torre de comunicação, que vão muito além de simples estratégias de guerra coordenadas pelos nazistas. Lá são conduzidos testes bárbaros em humanos – uma espécie de soro é injetada neles, com o objetivo de se produzir supersoldados (Capitão América manda lembranças!). Contudo, os efeitos são devastadores, transformando as cobaias em verdadeiros monstros e instaurando o terror pelo local. A essência é de filme trash, porém, esteticamente, a produção é moderna e estilosa ao combinar o gore mais clássico com o uso do CGI em grande escala. A abordagem visual é um dos maiores atrativos do filme, mas não é o único.

O elenco afinado é composto de rostos pouco conhecidos, mas que imprimem carisma suficiente aos seus personagens, a ponto de os espectadores se importarem com eles, temerem pelas suas vidas e lamentarem a má sorte de alguns. Talvez, o castmais sagaz tenha sido de Wyatt Russell. Além de ator competente, na pele de Ford, ele traz aquela sensação de familiaridade, especialmente pelo fato de ser filho de Kurt Russell, rosto emblemático de filmes que marcaram a geração oitentista como Fuga de Nova York, O Enigma do Outro Mundo e Os Aventureiros do Bairro Proibido. A sua figura de anti-herói, do homem prático que está ali para realizar um serviço e não se deixa desviar por distrações ou se guiar pelas emoções, oferece um ótimo contraponto ao protagonista Boyce (Jovan Adepo), que compõe um herói mais tradicional, humano e compassivo, apresentando uma gradativa evolução ao longo da trama ao se ver confrontado por questões de sobrevivência mas sem nunca abandonar seus princípios e essência.

Completam o elenco, John Magaro como o malandro boa praça Tibbet, que alcança um meio-termo entre os outros dois citados; o ótimo Iain De Caestecker (o Fitz da série de TVAgentes da SHIELD), interpretando o fotógrafo Chase, que surge como alívio cômico, um soldado constantemente assustado e que acaba por protagonizar uma das cenas mais surpreendentes do longa – o legítimo ponto de virada no filme; o ator-mirim Gianny Taufer, convincente na pele de Paul e que sabe gritar como ninguém; Pilou Asbæk como o oficial do exército nazista que é o grande antagonista da história e cuja representação se aproxima muito de um vilão de quadrinhos, megalomaníaco e sociopata; e Mathilde Ollivier, a francesa blasé, Chloe, que remete imediatamente à Shosanna Dreyfus de Bastardos Inglórios, cheia de fúria e iniciativa, mas mantendo o semblante impassível. Há um maniqueísmo evidente na apresentação dos personagens. Naturalmente, os nazistas são os vilões mais óbvios. Mas nem esse clichê – justificado, convém dizer – nem a profundidade quase nula dos heróis, todos compostos de poucas nuanças, são capazes de comprometer a narrativa ou tirar o brilho do longa. Operação Overlord funciona muito bem como entretenimento.

A última coisa que se pode esperar da produção é um drama de guerra e um compromisso solene com a história. Avery e Abrams estavam pouco preocupados com fidelidade aos fatos, inserindo um sem-número de licenças poéticas que podem vir a ser questionadas pelo espectador mais cínico e cético, com dificuldades em suspender a crença e curtir um conto de zumbis que tem o Nazismo como plano de fundo. Para quem não tem problemas com isso, basta se deixar entreter por uma mescla bem-sucedida e insana de guerra com terror (palavras que se aproximam, mas gêneros cinematográficos que se distanciam). No mais, ele é bem ágil, gore e divertido, com uma das melhores fotografias do ano. E ainda se permite experimentações inusitadas ao combinar diferentes estilos, gêneros e referências visuais e narrativas.