Music

Skank

Oito perguntas sobre o presente e o futuro da banda mineira que se despede do público neste domingo após 32 anos de carreira

Samuel, Lelo, Henrique e Haroldo (da esq. à dir.)

Texto e entrevista por Abonico Smith

Foto: Divulgação

Resta um. Apenas unzinho. Domingo próximo será o último dia. Às 19h do dia 26 de março de 2023, Samuel Rosa (guitarra, violão e vocais), Henrique Portugal (teclados, violão e vocais), Lelo Zaneti (baixo e vocais) e Haroldo Ferreti (bateria) sobem pela última vez ao palco juntos. Será o derradeiro show do Skank, após uma carreira contínua e muito bem-sucedida (tanto criativa quanto comercialmente) de 32 anos. Depois deste show, quem não viu in loco não terá mais tal chance. Daí só recorrendo a gravações em áudio e vídeo.

O local escolhido para o gran finale não poderia ser mais especial: o Mineirão, a maior arena a céu aberto de Belo Horizonte, a cidade que deu a banda ao mundo. O mesmo local que, no final do ano passado, assistiu lotado à emocionante retirada dos palcos de Milton Nascimento, outro ícone da música mineira. No caso do Skank, entretanto, há uma conexão a mais com o mundo do futebol. Além do grupo ser dividido meio e meio entre torcedores fanáticos dos dois maiores times de lá (Samuel e Henrique são Cruzeiro; Lelo e Haroldo, Atlético Mineiro), os integrantes passaram os primeiros anos da carreira vestindo camisas de muitos clubes nacionais em concertos, videoclipes e programas de televisão. Outra curiosidade: a primeira apresentação ao vivo do quarteto, em 5 de junho de 1991, contou com apenas 37 “testemunhas” comprando ingresso. Tudo devido ao fato de São Paulo e Bragantino estarem decidindo o Brasileirão naquela mesma noite.

show deste domingo no Mineirão colocará um ponto final na extensa turnê de despedida que já passou por diversas capitais e grandes cidades do país no último par de anos. Na verdade, o adeus estava programado para casar com a comemoração de trinta anos de existência da banda, em 2021. Contudo, a pandemia da covid-19 e a paralisação de quase dois anos na produção e realização de eventos culturais acabou provocando o adiamento da tour para os dois anos seguintes.

Mondo Bacana – que teve a sorte de acompanhar de perto a trajetória que rendeu treze discos (nove gravados em estúdio e mais quatro ao vivo) e seis DVDs – entrevistou o grupo nesta reta final. Henrique – que, assim como Samuel, participava do embrião que formou o Skank, um quarteto chamado Pouso Alto – respondeu a oito perguntas que pontuam não o passado, mas o presente e o futuro do Skank e seus membros. Afinal, é hora de se festejar um ciclo que termina e o próximo que estará se abrindo a cada um deles.

Março de 2023 foi o último mês de shows do Skank, depois de 32 anos de estrada. A cada dia que passa mais perto fica o fim. Como estão os corações e mentes dos quatro integrantes nestes dias derradeiros? Como está sendo encarar um encerramento de um ciclo tão grande?

Os shows têm sido uma verdadeira celebração. Estamos focados em nos divertir com nossos fãs e não sentimos essa melancolia de fim de um ciclo, porque foram anos muito gratificantes para nós quatro. Estamos vivendo as emoções, pedidos de música, particularidades de cada cidade. Temos a sensação de dever cumprido, por seguirmos juntos por tanto tempo e somos orgulhosos do legado que deixamos para os nossos fãs.

Muito se brinca que no Brasil as bandas de rock não costumam acabar oficialmente. Algumas dão um tempo, aproveitando para se reunir esporadicamente em turnês especiais pelo Brasil, outras se arrastam por um período, sendo postas em segundo plano diante de carreiras e projetos solo de seus integrantes. A pergunta que não quer calar: será mesmo o fim oficial do Skank ou, graças à amizade entre vocês, a porta estará ainda aberta para uma possível reunião no futuro?

Nós decidimos parar agora para que cada um possa ter tempo para se dedicar a projetos pessoais que a agenda intensa do Skank impedia. Mas a nossa música continua por todos os lados e de fácil acesso. O Skank sempre vai existir, independente de nós estarmos juntos tocando o Brasil. Enquanto todos ouvirem nossas músicas, estamos existindo.

Haverá algum produto especial extraído desta turnê de despedida? Algum filme, documentário, disco ao vivo?

Estamos registrando todos os shows e no Mineirão será feita uma bela produção para o encerramento deste ciclo.  O que faremos com estas imagens só será decidido depois da turnê.

Cada um de vocês quatro já definiu o que fará da vida após o fim do Skank? Vão continuar atuando no território da música? Alguma coisa já pode ser adiantada sobre a nova fase pós-Skank? No caso do Samuel, há alguma chance de rolar uma turnê a dois violões com o parceiro de composição Nando Reis (que acabou de fazer algo assim com a Pitty)?

Estamos focados ainda na turnê e nos organizado e programando nossos trabalhos solos. Alguns de nós já tem coisas paralelas à banda e vamos seguir trabalhando com outros amigos, com outros projetos. A gente entende que agora é o momento de cada um devolver para a música tudo o que ela nos deu durante todos esses anos.

Depois do sucesso e desfile de hits dos primeiros discos da banda, o Skank tomou uma decisão interessante: usar o dinheiro da gravadora que seria para gravar em bons estúdios na construção e realização de um estúdio próprio da banda. Se não me engano, ficava no terreno da casa do Haroldo. Este estúdio ainda existe e é utilizado? Agora, com a separação, será usado também para novos trabalhos e gravações musicais dos quatro integrantes?

Esse estúdio que você está se referindo era o Maquina.  Na verdade os donos eram eu, Haroldo e o Lelo. Mas já o vendemos há algum tempo.  A vida intensa na estrada com o Skank impossibilitava a gestão dele.  O Haroldo, viciado em estúdio, já montou outro só pra ele. Inclusive o Skank tem ensaiado neste local.

Nos dias de hoje, a música parece ter perdido a condição de finalidade e se transformado em apenas um meio. Tanto que festivais não vendem mais música há tempos, vendem experiências. Os mais jovens estão perdendo o costume de sair à noite para se comungar com outras pessoas desconhecidas ou conhecidas e ver uma banda tocar ao vivo em pequenos espaços. Nas plataformas digitais, a frieza do algoritmo substitui o aconchego do amigo ou irmão mais velho para apresentar aquilo que você ainda não conhece e deveria ouvir… Como é fazer música em tempos de streaming, quando um rápido clique no botão pode alterar e encurtar o tempo de audição de uma faixa, até em questão de segundos, e velocidade voraz para uma não tão paciente assim GenZ?

Depois de passar por tantas mudanças, continuo acreditando que o mais importante é que a música seja boa. As mudanças tecnológicas acabaram mudando a forma como as pessoas escutam música. É uma geração que tem pressa para assimilar informação e quando algo não agrada eles mudam para o próximo. Isso mudou também o jeito de compor e produzir canções.

Como o Skank vê o espaço para o segmento pop/rock dentro da música nacional de hoje? Pergunto isso o domínio arrasador do sertanejo que se refletiu por cerca da última década e meia parece estar se diluindo e sendo combatido, no gosto da GenZ, pela presença do funk e do pop mais dançante e com grooves (Anitta, Pabllo Vittar, Gloria Groove, Ludmilla). De alguma forma isso anima vocês para um futuro mais próximo de quando as gerações 1980 e 1990 do rock vieram com tudo no mercado fonográfico nacional?
O rock já teve um papel importante na sociedade que era questionar os valores sociais. Hoje em dia, este papel é do hip hop. O Brasil nunca foi um país forte no rock. Temos e tivemos alguns expoentes, mas sempre enxerguei um movimento pop/rock forte e poucas bandas de rock puro. Somos um país de misturas culturais, com uma grande força na parte rítmica.

Vocês são herdeiros e discípulos diretos do Clube da Esquina, grupo/disco que recentemente ganhou o primeiro lugar em uma votação de especialistas e imprensa (da qual eu tenho orgulho de ter participado, aliás) dos melhores álbuns de todos os tempos da música brasileira. Como avaliam este resultado? O tempo é mesmo o melhor curador para que se perceba a qualidade de uma obra musical? Ainda mais em tempos de música digital, que parece ter deixado igual a força de qualquer obra gravada em qualquer tempo e em qualquer geração…

A digitalização da música mudou a relação das pessoas com os artistas. Hoje em dia, as pessoas conhecem mais as canções do que dos artistas que as interpretam. Em compensação, acabou com a temporalidade das canções. Não existe mais o velho e o novo, todos estão iguais. Isto foi ótimo.  A nossa relação com o Clube da Esquina é natural, ainda mais no meu caso pois fui criado no bairro de Santa Tereza aqui em BH. Este é um álbum histórico para a música brasileira. Escutei do ator Matheus Nachtergaele que o mineiro se mistura pouco com outros artistas, só que é muito profundo na maioria das coisas que faz.  Pra mim este álbum é isto. Profundo e intenso.

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Against Me!

Oito motivos para você não perder a primeira passagem da banda de Laura Jane Grace pelo Brasil

againstme2017

Texto por Abonico R. Smith

Foto: Casey Curry/Divulgação

Chega ao Brasil nesta semana uma das bandas mais importantes do punk rock da atualidade. Em sua primeira turnê pelo país, o Against Me!, criado como um projeto solo da vocalista Laura Jane Grace em 1997, na cidade de Gainesville, no estado da Florida (EUA), vem fazer três shows no país: 19 de outubro em Curitiba (mais informações aqui), 20 em São Paulo (mais informações aqui) e 21 em Natal (mais informações aqui). De quebra, Laura Jane ainda lança seu livro no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde também se apresenta com sua nova banda, o projeto paralelo Devouring Mothers (mais informações aqui). Por isso, o Mondo Bacana cita oito motivos pelos quais você não deve perder a passagem de Laura Jane Grace e o Against Me! por nosso país, já que isso demorou um bom tempo para acontecer.

Fat Wreck Chords

O Against Me! dos últimos trabalhos pode ser uma banda de punk pop, mas seus pilares mesmo estão naqueles arranjos mais acelerados, densos, berrados e urgentes de um território que flutua entre o vigor do punk oitentista californiano e a agressividade sonora do hardcore. Tanto que dois de seus três primeiros álbuns foram lançados pelo selo Fat Wreck Chords, fundado em 1990 por Fat Mike, baixista e vocalista do NoFX e do Me First and The Gimme Gimmes. Até hoje Laura Jane faz questão de tocar ao vivo determinadas faixas dos seus primeiros álbuns.

Madonna

Laura Jane é uma excelente melodista, daquelas de compor linhas que grudam na cabeça ao ouvir uma canção pela primeira. Não é à tôa. A vocalista é fã assumidíssima de Madonna e ainda mais da fase de maior relevância da diva loira. “Material Girl”, “Express Yourself” e “Justify My Love” estão entre as suas obras preferidas.

Butch Vig

Outro nome por trás da veia pop do Against Me! é o do produtor e baterista Butch Vig. O cara das baquetas do Garbage e que pilotou álbuns como Nevermind (Nirvana), Siamese Dream (Smashing Pumpkins), Bricks Are Heavy (L7) e Dirty (Sonic Youth) sabe mesmo como arredondar uma banda underground, aparar todas arestas e prepará-la para rumar ao estrelato. Foi assim com o disco New Wave, lançado pelo Against Me! em 2007. Com batidas mais desaceleradas, flertes com outros gêneros musicais e uma sonoridade assumidamente mais comercial em comparação aos trabalhos anteriores, o quarteto estreou por uma grande gravadora (Sire Records) e foi logo tendo mais espaço nas paradas de sucesso e listas de melhores discos do ano – a Rolling Stone americana o colocou como o nono melhor da temporada e a Spin cravou-o no topo da sua relação. Não à tôa que nos shows deste ano até sete faixas de New Wave costumam figurar no mesmo set list. Não à tôa, também, que Vig repetiu a dobradinha no álbum posterior, White Crosses (2010), que também tem diversas músicas espalhadas pelo repertório

Transgender Dysphoria Blues

Laura Jane Grace nasceu Thomas James Gabel em novembro de 1980 e carregou uma identidade de gênero masculina até 2012, quando tornou pública a sua transição para o feminino. Lançado em 2014, o álbum Transgender Dysphoria Blues é um raio X de todo este processo vivido por ela na época. As letras são autobiográficas e exploram os medos, as expectativas e as dificuldades enfrentadas pela vocalista em sua decisão. Muitos consideram-no o disco fundamental do Against Me!, exatamente por marcar profundamente o momento decisivo de sua vida. Não tem como não se arrepiar com alguns versos de faias como “True Tans Soul Rebel”, “Black Me Out” e a música que dá título ao disco. As três são peças fundamentais também em qualquer set list dos shows da banda. Aliás, a canção “The Ocean”, gravada em New Wave, já dava pistas explícitas sobre a disforia de Tom e o nome que ele viria a adotar anos depois. Esta música, também indispensável ao vivo, é o embrião do que viria a ser TDB.

Livro de memórias

As confissões de Laura Jane Grace a respeito de sua sexualidade não estão apenas no disco citado acima. Recentemente ela publicou um livro de memórias, baseado nas anotações diárias que sempre teve o costume de fazer a respeito de seus medos, inseguranças e desejos, indo da infância até a fama conquistada através do rock. Vários trechos destes diários estão publicados entre considerações feitas pela autora, com muita ironia aliás, sobre o impacto pessoal e profissional de sua transição de gênero, a relação difícil com o pai militar e as agruras do contrato com uma gravadora de grande porte. Com a vinda do Against Me ao Brasil pela primeira vez, o livro acaba de ter sua edição brasileira lançada e será vendido nos três shows. Tranny – Confissões da Anarquista Mais Infame e Vendida do Punk Rock ainda será lançado oficialmente no próximo dia 22 no Rio de Janeiro e no dia 25 em São Paulo.

I Was a Teenage Antichrist

Talvez o mais famoso clipe já feito pelo Against Me!, esta obra é até hoje impactante. E nem é pela letra, que fala sobre as reflexões de uma pessoa já adulta a respeito dos sonhos e devaneios inconsequentes e de conquista desenfreada do mundo que qualquer um tem quando passa pela adolescência. As imagens formam um plano sequência todo rodado em uma única tomada, mostrando Tom Gabel correndo de policiais, sendo alcançado e espancado em praça pública enquanto pessoas assistem a tudo mostrando as mais diversas reações e os outros membros da banda tentam salvá-lo da selvageria. O tom dramático fica por conta da câmera lenta nas imagens do começo ao fim.

Crash

Um dos momentos altos do álbum mais recente da banda, Shape Shift With Me (2016). É daquelas músicas de fazer todo mundo cantar junto nos shows. O clipe também é demais: mostra uma câmera girando em 360 graus mostrando os músicos todos com um pezinho no glam (mesmo vestindo preto dos pés à cabeça) e os olhos imitando as maquiagens dos músicos do Kiss. Na performance, o improviso rola solto e o momento trashchega quando surge um visitante de outro planeta para incomodar a apresentação do Against Me!. Diversão pura, tosca e sensacional!

Devouring Mothers

No dia 9 de novembro, Laura Jane lança o primeiro álbum de seu projeto paralelo, chamado Devouring Mothers. Segundo ela, Bouhgt To Rot é um trabalho cuja sonoridade não caberia no Against Me!, com flertes com o folk e influências de bandas como Cure, Nirvana e Lemonheads. A formação é de trio e da banda fazem parte o produtor e engenheiro de áudio Marc Jacob Hudson e o atual baterista do Against Me!, Atom Willard. A gravação foi toda feita no estúdio caseiro de Hudson, que também assina, junto com Laura Jane, a produção de Shape Shift With Me. Já Willard é o grande destaque instrumental das duas bandas. Antes de assumir as baquetas do Against Me!, o cara já tocou com Rocket From The Crypt, Offspring, Social Distortion, Danko Jones e Angels & Airwaves.