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Bo Burnham: Inside

Comediante de stand up usa esquetes musicais para aproximar a audiência de seu humor temático em tempos de isolamento social

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Netflix/Divulgação

O boom de popularidade da Netflix trouxe consigo maior atenção a um gênero específico de comédia: o especial de stand up comedy. De Dave Chappelle e Louis C.K. a Adam Sandler e até o dadaísta do século 21 Eric Andre, a lista de atrações do tipo nas plataformas de streaming aumenta a cada dia. Entre esses nomes, desponta o de Bo Burnham, comediante e ator cujo último especial datava de 2016, mas lança o introspectivo e inovador Inside acabando com seu hiato nos “palcos”.

Bo Burnham: Inside (EUA, 2021 – Netflix) é um longa-metragem especialmente pandêmico – dirigido, gravado e editado pelo próprio comediante em isolamento, ao mesmo tempo que aborda temas profundamente pessoais que, de uma forma ou outra, todo espectador teve de lidar em algum momento da pandemia de covid-19. Ao acostumar-se com o modelo de produção e desenvolver sua linguagem, o filme se torna melhor à medida que avança.

De um experimentalismo ímpar às produções de comédia da Netflix, o filme aceita sua condição de “banda de um homem só” e dá asas à criatividade com pouco mais de um projetor, uns painéis de luz e um estrobo. O humor fortemente musical de seu protagonista parte do tradicional esquema de voz, piano e risadas de fundo a uma produção musical completa e rica. Cada canção é um videoclipe único em estilo e, ao mesmo tempo que distinto em relação aos demais, capaz de formar coesão entre as seções do longa-metragem.

Contudo, a fórmula de Burnham para a realização de cada esquete musical é bastante repetitiva. Toma-se consciência do fluxo de edição do comediante já nas primeiras frações de Inside, o que empaca sua primeira metade consideravelmente – ainda mais àqueles que não nutrem interesse particular em stand up musical. Se esse esquecível início do especial mira em temas contundentes com o cenário político-racial dos Estados Unidos e as adaptações de convivência no início da pandemia, o panorama finalmente muda quando Bo mira em assuntos mais pessoais. A qualidade acompanha positivamente essa mudança.

O trunfo de Bo Burnham: Inside está, justamente, em aliar a mudança formal de um especial de comédia com um intenso intimismo temático. Qualquer um que sofreu com o isolamento em algum momento da pandemia encontra nas canções um espelho de sua própria inércia. O comediante também propõe uma coesão temática maior – o escurecimento dos quadros, as interseções com conteúdos amplamente consumidos na internet, reflexões sobre seu papel nas vidas contemporâneas e autorreflexões profundas definem o tom do restante da obra. Tudo presente no texto, nas piadas de fato, e na linguagem, com fotografia e montagem sempre de acordo com o discurso explorado.

Bo inicia seu Inside questionando a si mesmo: seria esse o momento para fazer piadas? Se a primeira parcela de seu longa-metragem é, de fato, a tentativa de “curar o mundo com a comédia”, como propõe, a consequência é a aceitação da impossibilidade da tarefa, o encarar o abismo e, depois de muito tempo, perceber que ele devolve um humor que beira o deprimente. Por isso, talvez, seja tão capaz de conversar com a audiência.