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Os Paraísos de Diane

A dificuldade em se conectar com a própria identidade após a maternidade e do peso imposto às mulheres na performance social

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Divulgação

Abrindo a mostra Competitiva Internacional da décima terceira edição do festival curitibano Olhar de Cinema, Os Paraísos de Diane (Les Paradis de Diane, Suíça, 2024) fez sua estreia brasileira após passar pelo influente Festival de Berlim, a Berlinale. O longa suíço, codirigido por Carmen Jaquier e Jan Gassmann, trata da dificuldade em se conectar com a própria identidade após a maternidade e do peso que se impõe às mulheres, mães ou não, na performance social.

O roteiro é assinado por Jaquier (com colaboração de Gassmann) e toma uma perspectiva paciente e empática com sua protagonista. Diane (Dorothée de Koon) se torna mãe e, num turbilhão de emoções típico de uma depressão pós-parto, foge sem rumo de sua cidade natal até acabar na costa espanhola. Acompanhamos por lá sua batalha interna, o surgimento de uma amizade com Rose (Aurore Clément) e a busca por novas sexualidades e identidades.

Antes de mais nada, assistimos Diane sentindo prazer. Logo em seguida, acompanhamos a dor de seu parto. Essa sequência inicial de eventos indica uma mudança pivotal que ocorre na personagem. Há um “antes” e um “depois” evidentes e distintos entre si, o que potencializa o peso da falta tão clara na protagonista. Quando uma mulher se torna mãe lhe é esperada uma nova personalidade. Diane não é mais vista como Diane, mas mãe-Diane. Com isso, surgem deveres e expectativas com as quais ela não está confortável. Em uma ilustração explícita do problema: é a sombra da maternidade que assusta e compele a fugir.

Contudo, não é que a personagem seja desprovida de cuidado (algo que chamariam de “instinto maternal”, essa problemática concepção), pois a relação com Rose é muitíssimo afetuosa. Ela também se importa com a filha, quer saber se está bem. Só não quer ser mãe. Nessa tensão entre o direito à própria vida e a imposição social de sacrificá-la em prol de outra, o longa opera as ramificações psicológicas de um problema moral-social. O abandono parental não se torna tão absurdo quando aquele que some é homem e nosso país oferece exemplos demais de quão dura é a vida das mulheres em busca de seus direitos reprodutivos. Num Brasil que tenta empurrar goela abaixo da população o PL do Estupro, Diane seria escorraçada.

O filme, portanto, enxerga-a com muitíssima empatia, fazendo da câmera uma extensão do estado mental da personagem. Com o uso recorrente do desfoque, experienciamos sua instabilidade; com o voyeurismo de juventudes incógnitas, a dor da vida sem identidade. É então que Diane, perdida em si mesma, faz-se outra. Outras, a bem da verdade. Mas na ânsia de escapar daquilo que a aflige em si, ela confronta estranhos e pergunta: “você me acha um monstro?”.

Em dado momento, Rose diz que temos paisagens dentro de nós e que Diane corresponderia a uma ilha selvagem solitária na costa, imagem recorrente ao longo da duração. Uma ilha afastada, intransponível. Entre perucas, facetas, anonimidades, será que Diane buscava ser outra paisagem? Seriam seus paraísos os distintos horizontes que se pode conter dentro de si?