Mente criativa de maestro italiano que assinou mais de 500 trilhas sonoras não se limitava a gêneros cinematográficos
Texto por Ana Clara Braga
Foto: Reprodução
O que torna uma experiência cinematográfica mágica? Roteiro? Atuação? Fotografia? Direção? São muitos os encantos da sétima arte, mas existe um elemento que além de ajudar a contar a história, ditar ritmo e emoção, ultrapassa as barreiras da tela: a trilha sonora. A música que acompanha um filme pode passar despercebida, mas também roubar a cena. No caso de Ennio Morricone, seu trabalho sempre roubava a cena.
O compositor e maestro faleceu no último dia 6 de julho aos 91 anos, deixando como legado mais de 500 trabalhos, entre eles grandes trilhas da história do cinema. O italiano deixou também seu próprio obituário escrito, mostrando que, além de tudo, tinha ótimo senso de humor. “Ennio Morricone está morto”, anunciou ele logo de cara neste obituário, mas ainda será possível reviver um pouco desse ícone da música e do cinema sempre que apertar o play.
Em 66 anos de carreira, Morricone produziu trilhas diversas que marcaram época e a memória do público. A mente criativa do maestro não se limitava para gêneros e conseguia compor com a mesma para dramas, romances, ficção científica, comédias e, claro, westerns. Os filmes de faroeste não seriam os mesmos sem as trilhas dele, que em parceria com o amigo de infância Sergio Leone criou uma atmosfera peculiar para os filmes. Com assobios e guitarras elétricas em Por um Punhado de Dólares (1964) e uma trilha feita sob medida para cada personagem em Três Homens e um Conflito (1966), Morricone mudou a história do cinema com a música para sempre.
É fato que Leone alongava as cenas para que as músicas pudessem tocar por mais tempo. Dessa admiração, nasceram mais trabalhos conjuntos. Era Uma Vez na América (1984), o épico que encerra uma série de parcerias, traz uma outra face do artista. A flauta melancólica embala a história de amizade dos gangsters e é considerado por muitos seu melhor trabalho.
A união da música e do cinema chegaria em seu ápice em Cinema Paradiso (1988). Morricone compôs uma linda trilha sonora que acompanhou a descoberta do amor de Toto pela sétima arte e o nascimento de sua amizade com o projecionista Alfredo. A história fica ainda mais sensível com o piano delicado produzido pelo maestro.
O reconhecimento pelo Oscar só veio após a virada do século. Em 2007, a Academia presenteou Ennio Morricone com um prêmio pelo conjunto da obra. Esta, porém, não seria sua última vez no palco da cerimônia. Após aceitar o convite do diretor e admirador Quentin Tarantino para produzir a trilha sonora do filme Os Oito Odiados (2015), o compositor finalmente faturou uma merecida estatueta. O diretor, que já havia utilizado outras músicas do artista em suas produções, descreve-o como seu compositor favorito e gosta de deixar claro que quando diz compositor refere-se a nomes como Mozart e Beethoven e não apenas compositores de cinema.
A obra de Ennio Morricone é espessa e valiosa. Ao utilizar elementos como assobio e chicote, revolucionou a arte de compor para a grande tela. As produções que puderam ter a honra de contar com uma de suas criações sentiram a história tomar nova forma com o poder da música. Ele costumava dizer que as composições simplesmente surgiam em sua cabeça e iam direto para o papel. Pode ser difícil definir o que é genialidade, mas, exatamente nesse caso, não restam quaisquer dúvidas.