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Sepultura – ao vivo

Grandiosidade da turnê de despedida e de comemoração dos 40 anos da mais famosa banda de metal do Brasil deixa Curitiba em êxtase

Texto e fotos por Rodrigo Juste Duarte

O Sepultura tem vários shows históricos em sua trajetória. Só em Curitiba podemos citar quatro ocasiões: o de 1994, na Pedreira Paulo Leminski, com Ramones, Raimundos e Viper; o de 1999, quando a banda lotou o Studio 1250 em uma das primeiras apresentações com Derrick Green nos vocais (muita gente aguardava com curiosidade para conferir a nova formação ao vivo!); e o de 2006, quando trouxe para a capital paranaense seu próprio evento, o Sepulfest (com abertura de Korzus, Massacration, Sad Theory e Children of Flames). Sem contar quando veio tocar na Ópera de Arame, durante a turnê do álbum Quadra em 2023.

A apresentação que rolou na Live Curitiba na noite de 22 de março deste ano também pode muito bem entrar nessa lista. Aliás, todos os shows que o Sepultura realizou e virá a realizar neste ano e no seguinte são históricos, em qualquer lugar do mundo. Eles fazem parte da tour Celebrating Life Through Death, que comemora os 40 anos de banda ao mesmo tempo que é a despedida do grupo dos palcos. Depois de sete datas iniciais pelo Brasil em março de 2024, a banda seguiu excursionando neste mês de abril por oito países das Américas Central e do Sul. Em setembro, será a vez de São Paulo, com três noites (duas delas já com ingressos esgotados!). Entre outubro e novembro serão 22 na Europa. E ainda vem muito mais por aí!

O horário marcado para começar na Live Curitiba era o das 21 horas, mas o show só teve início cerca de uma hora depois – provavelmente para dar tempo de todo o público entrar na casa, que recebeu mais de 3 mil pessoas naquela noite. A fila praticamente dava a volta na quadra. Enquanto se aguardava o momento de adentrar no recinto, era possível contabilizar mais de uma centena de estampas diferentes do Sepultura nas camisetas usadas pelos fãs: tinha de praticamente todos os álbuns, nas mais diversas fases do grupo (seja no thrash, death ou groove metal), incluindo as opções oficiais comemorativas de 20 e 40 anos de banda, inspiradas nos uniformes da seleção brasileira de futebol, atiçando boas lembranças de quem viveu estes mais diversos momentos. Claro que tinha quem vestisse camisetas de outros inúmeros artistas do rock e do metal, inclusive dos irmãos Cavalera e do Slipknot (seria uma provocação?). Havia até fã com camiseta do Sonic Youth. Mas isso é perfeitamente condizente (continue lendo e você saberá o porquê).

Já dentro da casa, o público aguardava ansiosamente pela subida ao palco de Andreas Kisser (guitarra), Derrick Green (vocais), Paulo Xisto (baixo) e do novo integrante Greyson Nekrutman (bateria), chamado para substituir Eloy Casagrande às pressas, poucos dias antes do início da turnê (leia mais sobre isso aqui). Estavam presentes de bangers de carteirinha a famílias inteiras. De roqueiros veteranos com cabelos ou barbas grisalhas (isso quanto aos que ainda têm cabelo), até jovens de vinte e poucos anos, entre homens e mulheres, de pele clara ou escura, que compunham uma diversidade bonita de se ver, mostrando uma plateia fiel há décadas mas que também passou por renovações. No som mecânico, clássicos do metal animavam o público até a hora de entrar “Polícia”, dos Titãs, em volume mais alto, anunciando que o show começaria. Essa música, que já foi regravada pelo Sepultura, antecede suas apresentações há pelo menos meia década. 

Em seguida veio uma intro com um mix de vários samples usados em músicas de toda a trajetória do Sepultura, até chegar no som da batida de coração de Zyon (filho de Max Cavalera) ainda no ventre materno, que anunciava “Refuse/Resist”, música de abertura que incendiou o público e deu o pontapé inicial em um espetáculo grandioso, Não só pela seleção sonora, mas pelo impacto visual: havia enormes paineis verticais de led (deviam ter 6 metros de altura) de cada lado do palco, além de cubos de led de cerca de 2 metros sobre o palco e outros telões acima e abaixo da bateria (que ficava elevada a uma altura considerável) exibindo imagens criadas para acompanhar cada música, intercaladas com cenas captadas ao vivo lá no show. Uma produção de grande magnitude, digna de uma banda com o cacife do Sepultura.

O repertório seguiu com mais duas de Chaos A.D., um dos álbuns de maior sucesso da banda: “Territory” e “Slave New World”, que mantiveram a adrenalina em alta na plateia. “Phanton Self”, do disco Machine Messiah veio em seguida, comprovando que as músicas mais novas não devem nada às lançadas em seus primeiros anos, quando Max Cavalera estava no grupo. O show foi se alternando entre clássicos e faixas mais recentes. Vieram na sequência: “Dusted”, “Attitude” e “Kairos”. A oitava, “Means To An End”, foi uma das provas de fogo para Greyson Nekrutman, pois se trata de uma música de Quadra, que possui linhas de bateria complexas, compostas por muitas partes. O garoto mandou bem, não somente nesta, mas em todas as demais do repertório.

“Cut-Throat” foi uma das cinco selecionadas do disco Roots, o voo mais alto que o Sepultura já teve em sua carreira. “Guardians Of Earth” veio logo depois, trazendo no telão imagens de povos indígenas brasileiros e de paisagens de seus habitats, tal como no belo videoclipe dirigido pelo curitibano Raul Machado, um dos maiores e mais produtivos “clipmakers” do Brasil. Em “Mind War” (do injustiçado trabalho Roorback) os telões traziam grafismos hipnóticos para acompanhar a música (assim como em “Kairos”, que também ganhou um acompanhamento visual chapante). 

Logo após ouviram-se as sirenes que pareciam ser da música “Born Stuborn”, de Roots, mas na verdade eram de “False”, de Dante XXI, álbum conceitual inspirado na obra literária A Divina Comédia, de Dante Alighieri. “Choke” trouxe lembranças do início da fase Derrick, sendo o primeiro hit de Against, de 1998. A nostalgia foi mais fundo com “Escape To The Void”, única de Schizophrenia, o segundo rebento da banda, que marcou a estreia de Andreas Kisser na formação mineira. 

De repente, os telões exibiam imagens de 1995, do Sepultura gravando com uma tribo xavante. Era o prenúncio de “Kaiowas”, primeira composição com temática indígena da banda. Nesta ocasião, dois sortudos subiram ao palco para tocar percussão e violão em uma verdadeira jam session tribal. Eles foram escolhidos entre o público pela equipe do canal Do Lado Direito do Palco, que acompanhou todos os shows desta primeira perna da turnê. Com certeza foi muito empolgante aos convidados que tiveram essa oportunidade, mas eu destacaria a fã que tocou no show de Porto Alegre (procure pelo vídeo dela no perfil do Instagram do canal, pois sua reação é digna de ilustrar a palavra “emoção” no dicionário).

Algumas pérolas que nem sempre são lembradas ganharam destaque no set, como o hino “Sepulnation”, a hardcore “Biotech Is Godzilla” e a contemplativa “Agony Of Defeat”, que deu um respiro antes dos cinco megaclássicos guardados para o final. “Troops Of Doom”, do álbum de estreia, proporcionou rodas de pogo na pista. O agito continuou intenso com “Inner Self” (introduzida no repertório, corrigindo uma ausência sentida nos primeiros shows da turnê), seguida da brutal “Arise”, um dos melhores exemplos do thrash metal de todos os tempos.

A banda saiu do palco, deu tchau para o público, mas todos sabiam que haveria um bis. Só que em Curitiba já sabemos do comportamento das pessoas em shows, que demoram pra pedir pra banda voltar, ficam moscando por dois ou três minutos… Até que alguém começou a puxar o grito com o nome da banda. Então, o Sepultura retornou para as duas músicas finais, ambas do consagrado Roots. A primeira foi “Ratamahatta”, que colocou todos para pular com palavras em português, como biboca, garagem, e favela, e exaltando nomes como Zé do Caixão, Zumbi e Lampião. 

Por fim, a apresentação encerrou-se magistralmente com “Roots Bloody Roots”, primeiro hit de uma obra revolucionária, que levou uma banda de metal vinda do Brasil a fazer enorme sucesso em todo o planeta, mostrando suas raízes e identidade nacional para o mundo e arriscando sonoridades até então nunca praticada no gênero. Um exemplo são os solos de guitarra justamente desta música “Roots Bloody Roots”, com apenas duas notas e com muita microfonia, deixando clara uma influência da clássica banda indie Sonic Youth, declarada em entrevistas – além de outras referências a artistas dos mais variados estilos, dos quais os músicos do grupo mineiro beberam e absorveram sonoridades diversas de forma rica e criativa. O Sepultura era uma banda que não se prendia às amarras e dogmas do metal, inovou o estilo e continuou muito influente. 

Após o fim da apresentação, a sensação era de êxtase e de satisfação do público presente. Alguns tentavam pegar baquetas, palhetas e set lists distribuídos pela banda e pela equipe de palco. Assim como havia uma música dos Titãs em som mecânico antecedendo os shows dessa turnê, também há uma canção oficial pós-show: “Easy Lover”, de Phill Collins, algo um tanto inesperado para uma banda de metal, mas adequado quando esta banda é o Sepultura, que tem integrantes com gostos bem ecléticos. Assim encerrou-se este que pode ter sido o último (e não menos histórico) concerto do Sepultura em Curitiba.

Set list:  “Refuse/Resist”, “Territory”, “Slave New World”, “Phantom Self”, “Dusted”, “Attitude”, “Kairos”, “Means To An End”, “Cut-Throat”, “Guardians Of Earth”, “Mind War”, “False”, “Choke”, “Escape To The Void”, “Kaiowas”, “Sepulnation”, “Biotech Is Godzilla”, “Agony Of Defeat”, “Troops of Doom”, “Inner Self” e “Arise”. Bis: “Ratamahatta” e “Roots Bloody Roots”.

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