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Asteroid City

Nova experiência estilística de Wes Anderson abusa da metalinguagem para fundir cinema e teatro com a ajuda de elenco estelar

Texto por Leonardo Andreiko

Fotos: Fox/Divulgação

O cinema de Wes Anderson, exemplo primoroso quando se deseja falar de “estilo”, é conhecido por esconder sob composições pasteis de simetria deslumbrante os conflitos mais fundamentais da experiência de uma vida. O coming of age em Moonrise Kingdom, a perda em Viagem a Darjeeling, para citar alguns. Asteroid City (EUA, 2023 – Fox), é claro, não poderia ser diferente.

Em seu mais recente lançamento, Wes usa sua abordagem lírica para mesclar o conflito existencial ao comentário sobre a própria natureza da arte, na mesma toada de A Crônica Francesa (2021). Se lá o autor se divertia com o ensaísmo e a literatura crítica dos anos 1960 e 1970, aqui seu pano de fundo é o teatro e, assim, permite uma viagem metalinguística que destaca Asteroid de sua filmografia, pelo menos em intento.

No filme, cinco adolescentes geniais e suas famílias vão a Asteroid City, uma minúscula cidade no deserto estadunidense em que só se encontram um complexo de pesquisa militar, um posto de gasolina e testes de bombas atômicas no horizonte. Aqui, uma camada de ficção dentro da ficção: assistimos a Scarlett Johansson, Jason Schwartzmann e um elenco estrelado interpretarem tanto as personagens da peça quanto os atores que os interpretam. Adrien Brody, Edward Norton e Bryan Cranston, por outro lado, só aparecem do lado de fora da peça, em que o verniz preto e branco retrata o próprio processo de produção.

Como mais um dos estrelados projetos de Wes Anderson, a lista de personagens é longa. Atores consagrados e em ascensão dividem a tela na composição de personalidades excêntricas e memoráveis. O foco do diretor, é bem verdade, reside nos conflitos existenciais de Augie (Schwartzmann), fotógrafo de guerra, e Midge (Johansson), atriz de cinema, ambos enlutados permanentemente.

O traço particular de Asteroid City é o conforto com que seu autor se permite esticar a matéria da ficção narrativa. Wes Anderson já está acostumado a desafiar a abordagem realista da sétima arte por meio de sua estética ordenada, mas se dispõe a rasgar estes limites ao escancarar o estatuto da peça de ficção (seja teatro, cinema ou qualquer outra) como ela mesma – criação pura. Desse modo, tudo que há de simbólico na instância teatral da narrativa transborda à instância metanarrativa – isto é, a produção da peça. As mazelas e conflitos de Augie Steenbeck são também as de seu ator e cenas da peça são omitidas do longa-metragem para dar vez a conflitos da produção. Um se torna o outro e vice-versa.

Se a peça revela a sinceridade do roteiro de Anderson, cuja marca como autor é a declamação das condições mais profundamente humanas que transparecem na linguagem apesar – ou melhor, por meio – do lirismo, a metalinguagem mais óbvia e orgulhosa de si a faz resplandecer. Asteroid City, imitando a estrutura formal do teatro, é divido em atos bem definidos, com pausas e intermissões. A partir do segundo, dentro e fora da peça se misturam. Narrador confunde sua deixa, as personagens exibem profundo conhecimento de seus conflitos internos ou de sua falta de resolução. E como tudo vaza, os subtextos e simbolismos de Asteroid City se completam em suas duas instâncias narrativas. A leve e jovial peça sobre o sentido da vida se torna o retrato de uma vida inteira em busca de respostas que jamais serão dadas. Em uma das sequências mais aterradoras e ao mesmo tempo esperançosas de sua filmografia, Wes Anderson faz o diretor da peça dar um conselho-chave a seu protagonista, inseguro sobre estar atuando da maneira correta:

– (JASON SCHWARTZMANN) Eu ainda não entendo a peça.

– (ADRIEN BRODY) Não importa. Só continue contando a história.

É verdade que Asteroid City apresenta algumas dificuldades de ritmo e demora a engrenar na aventura e nas experimentações metalinguísticas que são seu ponto alto. Contudo, resistir ao início lento pode trazer ao espectador uma obra que permanecerá em sua cabeça para muito além do letreiro de fim.