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Love Lies Bleeding – O Amor Sangra

Kristen Stewart e Katy O’Brian protagonizam um neonoir que flexiona os músculos, pinga sangue e expira paixão

Texto por Tais Zago

Foto: Synapse/Divulgação

Estamos no final dos anos 1980 e Lou (Kristen Stewart) é a gerente e faz-tudo de uma academia encardida nos confins do Novo México. O ambiente, frequentado principalmente por fisiculturistas, é austero e pouco convidativo. Suas paredes são forradas com frases de motivação no estilo no pain no gain, embarcando nos clichês divulgados em uma época em que os heróis de aventura nos cinemas eram Arnold Schwarzenegger e Sylvester Stallone. Em sua rotina mundana, Lou funciona no piloto automático. Na vida pessoal, cultiva a solidão. Eventualmente ela se encontra com Daisy (Anna Baryshnikov) mais por insistência da mesma do que por vontade própria. 

Isso tudo muda com a chegada de Jackie (Katy O’Brian), uma jovem mochileira que está de passagem a caminho de um concurso de bodybuilding em Las Vegas. Ela começa a treinar na academia de Lou e já no primeiro dia as duas começam um caso amoroso. Jackie se muda para a casa da gerente e a ajuda a se preparar para a competição, com ajuda de (muitos) anabolizantes que a protagonista trafica na academia. A atração entre as duas mulheres parece aumentar com o ganho muscular de Jackie. Lou não esconde a fascinação pelo corpo da namorada. 

A relativa paz do casal é interrompida quando Lou descobre que Jackie está trabalhando como garçonete no Rancho de Treinamento de Tiros de Lou Sr. (Ed Harris), que além do rancho comanda o tráfico de armas da região. Para ficar ainda pior, Jackie envolveu-se brevemente com JJ (Dave Franco), o cunhado violento e abusador de Lou e parceiro de trabalho de Lou Sr. A tensão chega ao primeiro ápice quando a irmã de Lou, Beth (Jena Malone), é espancada por JJ e vai parar no hospital. Lou confessa a Jackie que gostaria de ver o cunhado morto.

A diretora Rose Glass, que debutou em 2019 com seu primeiro longa Saint Maud, também tem coautoria no roteiro de Love Lies Bleeding – O Amor Sangra (Love Live Bleeding, Reino Unido/EUA, 2024 – Synapse) junto com Weronika Tofilska. Já em Saint Maud, Glass nos mostrou que não é dada a romantizações desnecessárias e não suaviza os personagens para angariar simpatias. Suas mulheres são fortes e quebram tabus mesmo quando enquadradas como vilãs ou anti-heroínas. E isso é bastante claro nas escolhas que faz na direção desta obra mais recente. Em uma intricada mistura tarantinesca, ela nos oferece gore, sexo, paixão e crime. Os frames se alteram entre a realidade e fantasia tornadas palpáveis pelos olhos de Jackie e Lou. A adoração dos músculos salientes e besuntados de óleo, as cores fosforescentes do final dos anos 1980, o uso da luz como um determinante do caráter dos personagens se mistura ao drama e ao sangue que as escolhas das mesmas nos levam a ver jorrar sem timidez.

Glass é inspirada pela iluminação dura e pontual dos sexy thrillers das décadas de 1980 e 1990 e a sonoplastia é digna do melhor dos slasher movies. O drama é marcado pelo exagero e pelo absurdo, podendo nos arrastar à gargalhadas aparentemente involuntárias –  porém até essas risadas são calculadas e fazem parte da ambientação criada pela autora e diretora. A química na tela entre Kristen e Katy é incrivelmente sexual. O desejo de Lou é devorar e ser devorada e a fisicamente forte Katy, muitas vezes, é o elo frágil em suas mãos. Para completar a fórmula de sucesso a trilha sonora é espetacular, uma recorrência nas produções da A24 pelas mãos de Clint Mansell, compositor já consagrado pelos seus trabalhos junto ao cineasta Darren Aronofsky.

O Amor Sangra pega Thelma & Louise (1991), Assassinos por Natureza (1994) e Ligadas Pelo Desejo (1996); joga tudo no liquidificador; coloca um casaquinho de tactel, um par de Reeboks e mullets; passa pelo filtro de Tarantino e depois adiciona uma pitada de Breaking Bad (2008), virando um neonoir de um casal de lésbicas que atua irracionalmente guiado pelos traumas de suas histórias familiares. O resultado é espetacular, o cast maravilhoso (menção honrosa para o “careca com rabinho de cavalo” Ed Harris) e visualmente delicioso. Para mim, já é um dos melhores filmes de 2024 e certamente tem grande potencial de entrar para o rol dos cult movies.

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