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Matrix Resurrections

Sequência da trilogia protagonizada por Keanu Reeves é um amargo autorretrato do longa que deu origem à franquia

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Warner/Divulgação

Em dado momento do primeiro ato de Matrix Ressurections (The Matrix Resurrections, EUA, 2021 – Warner), a empresa de jogos de Thomas Anderson (o Neo de Keanu Reeves preso à Matrix) é obrigada pela Warner Bros. (a produtora desse longa) a fazer uma sequência à trilogia de jogos Matrix, que nada mais é que a experiência de Neo nos três filmes anteriores. A montagem de brainstorms, pesquisas de mercado e interpretações do que realmente é Matrix é uma jocosa maneira de significar todo o impacto que os filmes das irmãs Wachowski tiveram na cultura pop, mas se transforma num autorretrato amargo do próprio longa.

A estrutura narrativa do roteiro de Lana Wachowski (sem a companhia de Lilly desta vez, mas com David Mitchell e Aleksandar Hemon) espelha o primeiro capítulo da saga, reintroduzindo um Neo aprisionado pela Matrix que precisa ser liberto. A decisão cumpre duas funções: fazer o mesmo com os novos espectadores da franquia e explicar ao público já maturado os avanços dessa nova era. Tal como ele foi ressuscitado após os eventos de Matrix Revolutions (2003), Trinity (Carrie-Anne Moss) está viva e a nova equipe do protagonista precisa resgatá-la.

São algumas as distinções narrativas entre este episódio e o restante da franquia, como a irmandade entre humanos e alguns “sentientes”, como são chamadas as máquinas. Assim como o universo interno da obra, as discussões em seu exterior também foram alteradas pelo tempo – os primeiros episódios da saga são marcados por discussões filosóficas que muito têm a dizer sobre sua realidade político-cultural. Contudo, esse capítulo não parece tão interessado em trazer o conflito de ideias para o centro de sua trama. Ao contrário, ele a reduz a um resgate repleto de ação permeado aqui e ali por referências ao centro temático de Matrix, o livre arbítrio.

É dessa maneira que se descarta o Oráculo sob uma justificativa que parece não atingir inimigos anteriores de Neo, como o Merovíngio e os Gêmeos, assim como modifica-se drasticamente o papel de Morpheus nessa história (embora este seja um novo personagem, mas que carrega o nome e o simbolismo da encarnação de Laurence Fishburne). Ainda, as sequências de ação que tornaram Matrix (1999) e Matrix Reloaded (2003) tão memoráveis são substituídas pelos entrecortes rápidos e genéricos que escondem a forma de socos e pontapés. O mesmo pode ser dito da estética monocromática e, especialmente dentro da simulação, munida de sobriedade e rigidez tão ímpares que agentes e protagonistas parecem igualmente robóticos. Em Matrix Resurrections, a atmosfera esverdeada da Matrix é substituída por uma coloração mais saturada e “natural”, enquanto os tons frios de fora da rede são mais anuviados e encontram mais contraste (neste caso, um ponto que pode-se considerar positivo).

Essas duas alterações-chave parecem destituir de Resurrections o que torna Matrix Matrix. Junto à abordagem pouco indagadora do roteiro sobra pouco da originalidade e autenticidade que a própria produção admite ter tornado a saga tão especial em sua sequência metalinguística que comentei no início desse texto. Da mesma forma, o confronto no terceiro ato escora-se num Deus ex machina (facilitação narrativa em que uma solução ao conflito surge do nada) que é admitido pelo próprio roteiro e, logo em seguida, transforma-se em um genérico conflito do grupo de mocinhos contra um enxame de não personagens. A redução do estilo de direção, fotografia e mise en scène transforma este num mero filme de ação, carregando o mesmo exagero em escopo que fez de Revolutions um fracasso.

Há, contudo, atuações que se provam adições interessantes ao panteão mitológico desse universo. A personagem de Jonathan Groff é conduzida com o frescor necessário à retomada de uma franquia sci-fi, assim como a diferente personalidade desse novo Morpheus (Yahya Abdul-Mateen II). Carrie-Anne Moss e Neil Patrick Harris também performam muito bem, nas diferentes medidas que suas personagens lhes possibilitam. Já Keanu Reeves se mantém como a monótona persona que se ama ou odeia.

Se, para fazer uma sequência bem sucedida, todo o necessário fosse apenas referências e humor autorreferente, Matrix Resurrections definitivamente estaria no caminho certo. Fan service à parte, contudo, esse parece mais um degrau de distância entre o primeiro Matrix e o restante da saga. O que agora é um ativo que vale milhões para a Warner, com a ironia de um novo videogame prestes a ser lançado, tem uma abordagem muito mais mercadológica que autoral – um sintoma da eminente universalização dos empreendimentos cinematográficos, que precisam mais e mais condicionar lançamentos futuros, spin offs em redes de streaming e demais produtos. 

Não basta, para finalizar o argumento que introduz essa crítica, a mera autoconsciência do filme enquanto produto vendável para que as decisões tomadas com esse viés deixem de prejudicá-lo. Ao fingir o controle criativo de Wachowski ao referenciar seu controle inescapável, a Warner acaba por representar justamente tal controle, desesperada por soar mais que a busca por cifrões e valor de marca, seja nas telonas ou nos consoles. A risada que deveríamos ter às custas da postura da empresa é senão ela mesma rindo do público, que aceita com facilidade o empilhamento de referências num roteiro fácil e garante seu faturamento explosivo. O que é isso senão a Matrix que O Analista criou, que utiliza sentimentos humanos para manter suas mentes encarceradas?