Executivo do mercado fonográfico que lançou Donna Summer, Kiss, George Clinton e Village People ganha cinebiografia assinada pelo filho
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Texto por Abonico Smith
Foto: Paris Filmes/Divulgação
O nome de Neil Bogart é de suma importância para a história da música pop dos anos 1970. À frente de sua gravadora independente, a Casablanca Records, ele descobriu vários grandes talentos, bancou as gravações de grandes artistas e obteve grandes cifras em vendagens de discos, ainda em uma época em que o vinil era bastante consumido ao redor do planeta. Grandes cifras, não. Astronômicas. Milionárias.
Só para ter uma ideia do poder de sua empresa, foi a Casablanca – criada em 1973 – quem lançou no mercado os nomes de Donna Summer e Village People, dois dos grandes baluartes da disco music. Também foi a Casablanca o berço do Kiss, banda mascarada que caiu no gosto dos adolescentes geração após geração e que redefiniu os rumos do rock pesado antes mesmo do termo heavy metal ser estabilizado entre os seguidores fieis dos shows realizados em grandes estádios e arenas. Quer mais exemplos? Foi Bogart quem fez deslanchar a carreira de George Clinton, o doidão à frente dos combos funk Parliament e Funkadelic (ou simplesmente P-Funk), cujos concertos e canções reuniam uma grande mistura de viagem, celebração e grooves irresistíveis. O selo também foi casa de trabalhos de Cher, Lipps Inc, Bill Withers, Gladys Night, Ron Isley e a trilha sonora do filme O Expresso da Meia-Noite. Tudo isso ainda lá nos primeiros anos de atividade, sob o comando de Neil, que já havia trabalhado anteriormente em outros selos menores e feito de artistas como Curtis Mayfield e Sam The Sham & The Pharaohs outros sucessos. Quando a Casablanca surgiu, as grandes corporações estavam começando a engatinhar no mercado fonográfico e, injetando muita grana, abocanhando as pequenas empresas que se destacavam nas lojas e nas playlists radiofônicas.
Por tudo isso é inegável que Neil Bogart é um profissional do ramo do entretenimento que sempre mereceu ganhar biografias. Não somente em livros, mas também no cinema. A Era de Ouro (Spinning Gold, EUA, 2023 – Paris Filmes) chegou às salas de cinema para preencher a segunda lacuna. Histórias saborosas de bastidores dão um prato cheio para preencher a trajetória de luta e persistência de Bogart, que veio de uma família working class judia de Nova York e, apaixonado ao extremo por arranjos, melodias e harmonias, conseguiu o sucesso (leia-se qualidade + reconhecimento + fortuna) ao batalhar perrengue após perrengue por sua própria gravadora. Por isso, o apelo de um filme como este torna-se irresistível para quem gravita ao redor do terreno musical por paixão ou profissão.
Só que A Era de Ouro tem um grande porém. Quem assina o combo de direção, roteiro e produção executiva é Timothy Scott Bogart. O filho mais velho de Neil. Já a trilha sonora é desenvolvida por Evan Kidd Bogart. O filho mais novo de Neil. E logo após a cena derradeira vem uma dedicatória direta na tela (“para você, pai”). Passadas mais de duas horas, percebe-se o grande empenho da dupla em honrar o trabalho e o legado de Bogart por meio da mais sincera e apaixonada homenagem ao pai que eles pouco tiveram tempo de conhecer (o executivo faleceu aos 39 anos de idade, em 1982, de câncer e linfoma, pouco tempo depois de vender na íntegra os direitos da Casablanca para a major PolyGram – que hoje pertence ao grupo Universal Music). Tanto que o protagonista é, do início ao fim, o narrador de sua própria história de vida.
Ser um empreendimento chapa-branca não cancela, de maneira nenhuma, a biopic. Só que faz dela uma oportunidade perdida para se avançar mais nas mazelas, idiossincrasias e atitudes polêmicas de Bogart ao dirigir a Casablanca. Uma ou outra coisa aparece levemente pincelada durante o roteiro, claro. Só que muito dali poderia sido melhor desmembrado e mostrado durante a narrativa. Timothy perde um bom tempo glorificando o pai e lustrando uma face altamente positiva dele. Não que ela não exista ou não tenha de estar presente, só que é muito tempo perdido mesmo. Tanto que o filme vai se tornando longo e maçante. Poderia muito bem estar dividido e ter virado uma boa minissérie de dois ou três capítulos, inclusive. Pelo menos daria ao espectador a oportunidade de respirar e descansar um pouco da história, ao invés de ficar ali na poltrona do cinema sentado por mais de 140 minutos. Até mesmo as caracterizações musicais (Wiz Khalifa como Clinton, Tayla Parx como Summer, Sam Nelson Harris e Casey Parker como Paul Stanley e Gene Simmons, Jason Derulo como Isley, Ledisi como Knight, Pink Sweat$ como Withers) poderiam ser melhor e mais exploradas se a biografia ganhasse outro formato. No cinema tudo acaba ficando breve e reduzido, apesar da grandiosidade na telona ser o ponto positivo nesta questão.
Apesar da extensão e da suavidade, A Era de Ouro é uma cinebiografia altamente indicada para iniciantes nos assuntos anos 1970 e música pop. A história da Casablanca Records e de seu fundador Neil Bogart (atente para a relação dos nomes, que têm a ver com a paixão extrema de Neil pelo clássico filme estrelado por Humphrey Bogart) vale ser conhecida e revista, de qualquer maneira.