Movies, Music

Back To Black

Cinebiografia traz um olhar terno sobre a fragilidade emocional de Amy Winehouse nos bastidores do mundo da música pop

Texto por Abonico Smith

Foto: Universal Pictures/Divulgação

Amy Jade Winehouse dizia que gostaria de ser lembrada pelas pessoas como um grande alívio de cinco minutos, para que estas pudessem escutar sua voz nas canções e se esquecer dos problemas da vida por este instante. Não estava atrás de sucesso mercadológico como cantora: queria apenas se divertir e ser reconhecida pelo seu talento musical aliado ao serviço de instrumento para o sentimento alheio. Entretanto, a fama veio e também de modo enviesado. Ganhou vários prêmios (entre eles uma limpa de Grammy num mesmo ano), vendeu milhões de discos em todo o mundo e se transformou em principal objeto midiático de paparazzi e editores de tabloides sensacionalistas, que não se importavam em devassar, dia após dia, a sua problemática vida pessoal em fotografias e manchetes garrafais.

Depois de tanto batalhar pela carreira e atingir o auge para logo depois mergulhar em uma espiral de confusões e abusos, tentou se reerguer e ficar sóbria até 22 de julho de 2011. No dia seguinte, a tragédia: seu corpo foi achado em sua residência em Londres, depois de uma noite de recaída etílica. Amy Winehouse, então, juntava-se a nomes como Jimi Hendrix, Janis Joplin, Brian Jones e Kurt Cobain no grupo dos grandes ícones da música jovem que morreram aos 27 anos de idade.

Já com o devido distanciamento temporal da ascensão e queda da cantora, chega aos cinemas a sua cinebiografia Back To Black (França/Reino Unido/Estados Unidos, 2024 – Universal Pictures). A seu favor, a diretora Sam Taylor-Johnson, que não é marinheira de primeira viagem em adaptação da vida pré-fama de ícones pop (ela assinou O Garoto de Liverpool, que mostra a adolescência de um John Lennon antes dos Beatles), conta com um recorte temporal favorável: das primeiras aventuras da teenager Amy nos palcos da região boêmia de Camden Town à fantástica noite em que arrebatou seis Grammy em 2008 (gravação do ano, álbum do ano, canção do ano, revelação, álbum pop com vocais e performance feminina pop com vocais) não se passou nem uma década. Portanto, um período perfeito para ser trabalhado no roteiro de duas horas assinado por Matt Greenhalgh, que, por sua vez, também tem experiência na equação cinema + música (fez o mesmo trabalho em O Garoto de Liverpool e Control: A História de Ian Curtis).

Marisa Abela tem a dura missão de encarnar Winehouse nas telas. E a faz com competência, inclusive emprestando sua voz a clássicos da cantora e imitando seus maneirismos gestuais de modo a fazer com que quem veja abstraia o fato de não ser a própria popstar ali em cena. Nas cenas de maior dramaticidade também passa com louvor, imprimindo uma Amy tão durona quanto insegura. Jack O’Connell, como o controverso namorado/marido Blake Fielder-Civil, é outro a cumprir bem o seu papel, imprimindo a rusticidade um tanto quanto ingênua que a  imprensa sensacionalista britânica sempre atribui à sua imagem de bad boy. No núcleo familiar da personagem principal, a avó Cynthia (Lesley Manville) e o pai Mitch (Eddie Marsan), ambos apaixonadíssimos por jazz, também ganham peso na narrativa, conferindo um tanto de apoio emocional e segurança à cantora desde o início da trajetória artística. Isso reforça o objetivo de Matt e Sam, que é focar em uma Amy Winehouse além das canções e da mídia, mostrando um lado que a maioria de seus fãs não chegou a conhecer – mesmo, no caso de Mitch, indo contra a opinião frequente de que muitas vezes ele atrapalhava a carreira da filha e exercia uma certa dose de vilania junto a ela nos bastidores.

O olhar terno de Taylor-Johnson sobre a fragilidade emocional de sua protagonista pode até decepcionar muitos fãs que desejariam ver retratada nas telas a Amy poderosa, que não tardou a conquistar o mundo com seu misto retrô de visual e sonoridade (penteado colmeia, roupas de brechó vintage, pop de girl groups dos anos 1960) e um punhado de hits baseados em versos tão hiperconfessionais quanto suas tatuagens, depois de mudar o direcionamento artístico outrora mais voltado à tão adorada influência caseira do jazz. Back To Black chegou dividindo opiniões lá fora. Entretanto, é uma obra competente, mesmo enfrentando as limitações habituais impostas no suporte cinematográfico a uma proposta biográfica. Vale a pena ser visto mesmo por quem esperava muito do filme já há algum tempo.