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A Lei da Selva

Documentário em quatro capítulos conta a história do jogo do bicho e como isso deu origem às milícias do Rio de Janeiro

Texto por Fabio Soares

Foto: Canal Brasil/Divulgação

Quando em 1892, João Batista Vianna Drummond (ou simplesmente Barão de Drummond, alcunha pela qual era conhecido) criou um divertimento alusivo aos animais de seu jardim zoológico (o primeiro do Rio de Janeiro, aliás) com o único intuito de salvá-lo da falência, mal poderia imaginar que tal ação transformaria-se no elemento embrionário de um conglomerado histórico que fincaria raízes no imaginário, vida e, principalmente, história da então capital federal da época. Pois A Lei da Selva (Brasil, 2022), documentário produzido pelo Canal Brasil e disponível no Globoplay, disseca a história do jogo do bicho e ajuda a entender como os desdobramentos da disputa pelo poder em território na capital fluminense e seus arredores deu origem às milícias.

Dividido em quatro episódios narrados pelo indefectível sotaque carioca do humorista e ator Marcelo Adnet, a gênese do jogo do bicho é esmiuçada por bambas da historiografia, como o professor Luís Antônio Simas. “O jogo do bicho nada mais era que uma loteria de pobre e naquele tempo, pobre se divertindo era algo inconcebível”, conclui ele, citando a famigerada Lei da Vadiagem – que, a partir de 1942, enviava aos distritos policiais todo e qualquer cidadão que transitava nos logradouros cariocas sem estar com a carteira profissional devidamente registrada.

Com a desenfreada popularização da prática da contravenção, sobretudo a partir da segunda metade dos anos 1960, era quase natural que alguns elementos tentassem monopolizar lucros, dividendos e poder. Os chamados Barões do Bicho surgiram como moscas numa geração espontânea numa heterogênea casta de personalidades e modus operandi distintos. A turma era barra-pesada demais: Capitão Guimarães, Turcão, Miro, Luizinho Drummond, Ivo Noal, Carlinhos Maracanã e o lendário Castor de Andrade passaram a perder soldados na disputa de pontos de jogo do bicho. Péssima para os negócios, a matança deliberada entre facções apavorava a principal clientela do jogo (isto é, o povão), além de chamar a atenção da imprensa. Algo deveria ser feito. E foi feito. Numa reunião extraordinária dos capos no início dos anos 1970, acordou-se que o Rio seria “fatiado” entre as principais cabeças do jogo. Com territórios definidos, não haveria mais motivos para bicheiro X querer tomar o ponto do bicheiro Y. 

Findada a matança entre os grupos interessados, surgiu o desafio de “lavar” a dinheirama contraída pela contravenção. A partir daí, o telespectador é guiado ao passo a passo da adoção de escolas de samba por seus “padrinhos”. O surgimento da Liga Independente das Escolas (Liesa) também é dissecado, sendo também mostrado que Castor de Andrade estendeu seus tentáculos inclusive ao futebol. Doutor Castor foi o patrono do Bangu Atlético Clube, proporcionando àquela suburbana agremiação quatro anos de sonho inimagináveis turbinados pelo dinheiro do jogo.

A Lei da Selva não é uma minissérie qualquer. A produção dirigida por Pedro Asberg é um documento audiovisual e necessário para entendermos como a segurança pública da capital fluminense corrompeu-se ao longo de décadas . E mais: como, permeada por corrupção, permitiu surgir debaixo de seu nariz, facções criminosas que, guardadas as devidas proporções, não deixavam e não ainda não deixam a dever em nada com a máfia ítalo-americana. E como essas milícias tomaram conta do Rio de Janeiro e ampliaram seus braços à política nacional.

Portanto, largue tudo o que estiver fazendo e assista sem pestanejar. É obrigatório!

Movies

A Freira

História de entidade maligna que aparece em Invocação do Mal 2 é contada em novo filme da franquia de James Wan

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Texto por Abonico Smith

Foto: Warner/Divulgação

Não é de hoje que o exorcismo é um prato cheio para os filmes de terror. O ritual executado por uma pessoa devidamente autorizada para expulsar espíritos malignos que tomaram posse do corpo de outra pessoa é algo recorrente no gênero cinematográfico. O filme mais lembrado até hoje, de 1973, chamado O Exorcista, abriu as portas da popularidade para um filão até então considerado menor. Nada mais natural, então, que a temática voltasse a ser abordada neste que está sendo considerado um novo levante de criatividade e bilheterias das tramas que fazem o espectador sentir medo, se agarrar nas poltronas do cinema (ou mesmo no braço de quem está ao lado) e dar gritos de susto de forma indiscriminada.

O produtor, roteirista e diretor australiano James Wan é quem faz a aposta da vez. Famoso pelos dois filmes A Invocação do Mal, responsáveis pelo início de uma nova época áurea do terror nesta década, ele agora apresenta A Freira (The Nun, EUA/Austrália, 2018), filme que estreia neste fim de semana nos cinemas de praticamente todo o planeta. Para que já viu o segundo A Invocação do Mal, ficou a deixa: era justamente uma misteriosa freira uma das formas manifestadas pelo demônio Valak. Foi justamente o pouco que precisava para aguçar a curiosidade do público para este spin-off.

Deixando agora a direção a cargo do inglês Corin Hardy, mais famoso por dirigir videoclipes de artistas do primeiro escalão do rock britânico (Prodigy, Horrors, Paolo Nutini, Biffy Clyro), Wan volta ao ano de 1952 para contar a história do que seria a tal freira misteriosa. Ele aponta como o local onde tudo teria começado uma remota abadia localizada em uma zona rural na Romênia. Ali o demônio teria se manifestado pela primeira vez, fazendo como vítimas religiosas que habitavam o local. Para desvendar o mistério que culmina com a trágica morte de algumas delas, o Vaticano convoca um padre experiente na arte de exorcizar os outros. Para acompanhar Father Burke (Demián Bichir), ninguém melhordo que uma casta noviça, prestes a fazer seus votos religiosos. Sister Irene (Taissa Farmiga – irmã mais nova de Vera Farmiga, a protagonista Lorraine de Invocação do Mal 2) pouco entende ainda do mundo religioso, quanto mais de uma missão tão importante como esta. Mas parece ser a pessoa mais indicada para ajudar Burke nesta missão.

Explorando belas imagens – realizadas tanto na natureza quanto na secular construção gótica um tanto quanto abandonada por causa de sua maldição), as imagens de Hardy e a história de Wan vão decifrando as ligações da entidade maligna com o lugar e como ela teria se infiltrado ali para, posteriormente, ganhar o mundo exterior. Como (quase) todo filme de terror de hoje em dia, os efeitos dão o tom nos momentos de maior tensão. Entretanto, as histórias paralelas de Burke, Irene e Frenchie (o morador do vilarejo local que os conduz até a abadia) são o melhor do filme. As transformações e as atitudes de coragem e ousadia que vão poissibiltando a eles (e aos espectadores) novas descobertas.

A Freira não reinventa a roda e muito menos se propõe a trazer novas revoluções para o gênero cinematográfico. Entretanto, rende bons momentos e cumpre bem o papel de entreter sem deixar de entregar alguma qualidade durante a hora e meia de filme.