Music

Ira! – ao vivo

Uma noite nos bastidores da banda, com potência, o repertório do cultuado Psicoacústica tocado na íntegra e a ajuda do amigo Pelicano

Texto e fotos por Pedro Hey Branco

Uma coisa é certa quando se vai a um show de rock: a música precisa ser potente. Sempre esperamos uma nova experiência mesmo com aquelas bandas que já temos como parte de nossa história, como referências musicais, aquelas que já ouvimos dezenas de vezes, mas que seguem movendo nossas almas rockeIRAs. E na última noite de 7 de outubro eu tinha a certeza de que estava prestes a ter mais uma destas experiências, pois a potência do Ira! no palco é do mesmo tamanho do sucesso que a banda experimentou nestes 42 anos de estrada.

Quando saí de casa, com um regalo à mão para um amigo querido, pensei que seria mesmo uma grande noite. A caminho do Teatro Positivo, um daqueles que leva o nome da instituição de ensino em que está situado, eu estava pronto para mais uma aula de rock dos amigos Nasi e Scandurra. Confesso que Edgard é um amigo próximo, ídolo máximo, como pessoa e artista, enquanto Nasi é uma figura mítica para mim, artista, o astro que parece inatingível. Além destas figuras, o Pelicano, que não é aquele saudoso do Passeio Público mas um cara muito querido, competente, prestativo, que carrega o piano nas costas. Puxando a brasa para o produtor, claro, pois estou também nessa lida, há alguns anos, somos parceiros de profissão, mas o Pelicano é uma lenda.

Digo isso para explicar que o presente era para essa figura que fica ali nas coxias, uma garrafa daquelas que todo mundo quer ganhar. Pelicano, muito gentil, me presenteou com um par de ingressos durante a semana e eu não imaginava, apesar da expectativa de um grande show, que esta seria uma das noites mais legais e, inevitavelmente, inesquecíveis da minha vida. 

Ao chegar no teatro, com uma hora de antecedência, corri para o camarim! Pedi ao segurança que comunicasse ao Pelicano que eu estava ali. Rapidamente, o produtor do Ira! veio ao meu encontro e fez uma promessa que qualquer fã da banda daria a vida para conseguir: “após as fotos aqui no salão, vamos entrar para tomar uma água mineral no camarim”. Aguardei as fotos, em seguida veio a proposta mais indecente de todas: “quer assistir ao show aqui da coxia?”. Alegria imensurável tomou conta e, ao mesmo tempo, um receio de estar atrapalhando o trabalho do meu amigo. Com a experiência na produção que tenho, contudo, pensei que poderia contribuir. Lá fui eu para a coxia.

Acabei não indo ao camarim antes do show, mas ali no backstage vi a turma entrando no palco: Nasi, Scandurra, Johnny Boy e Evaristo, com o fiel escudeiro Pelicano na retaguarda. Nesse momento cliquei a banda, fiz uma foto inesperada, aquelas que se consegue na hora, que o clique vem na cabeça e só sai naquele instante, por instinto. A intuição do jornalista, que ali estava como aprendiz e fã de uma das bandas mais importantes da cena nacional.

Respirei fundo e continuei ali, impávido, assistindo a um show potente e impecável. De “Rubro Zorro” a “Mesmo Distante”, as oito faixas do Psicoacústica foram todas apresentadas logo de cara, com primor, em justa comemoração ao disco de 1988. E na mesma ordem. Para muitos, o Psicoacústica é um álbum “lado b”. No meu caso, sempre passeou pelos meus ouvidos, na vitrola ou eventualmente na rádio. A minha familiaridade com esta obra é comparável aos sucessos que todos conhecemos. As músicas celebradas deram vez aos maiores hits da banda ao final da apresentação. Quem nunca cantou “Envelheço na Cidade” ou levantou as orelhas e arrepiou os pelos ao escutar a introdução de guitarra de Scandurra abrindo “Núcleo Base”? 

Em dúvida se assistiria ou não a toda a apresentação da coxia, resolvi dar um pulo na plateia. O público, enlouquecido, confirmava a potência do espetáculo. Em “Rubro Zorro”, vale a ressalva, uma breve homenagem ao filme de Rogério Sganzerla, O Bandido da Luz Vermelha. E, mesmo com a resistência na época das rádios e da gravadora para o álbum homenageado, sem querer fazer aqui o “Advogado do Diabo” (nome de outra faixa), foi um disco marcante que inspirou e recebeu elogios do inesquecível Chico Science, que absorvera como referência do próprio trabalho a sonoridade proposta pelo Ira! nessa faixa. Para alguns, um “disco sujo” pela forma como foi gravado ao vivo, como o próprio Edgard, em resposta oportuna e engraçada a um jornalista antes da apresentação, referindo-se a uma “sujeIRA autoral” e à bela produção do Paulo Junqueiro, seguido das risadas dos presentes. “A sujeira fica por nossa conta!”. Foi uma bela experiência ver a reprodução daquela intensa mistura de rock com psicodelismo, samba, hip hop, embolada e samplers. Tudo sem a estrutura convencional da música pop com refrão e estrofes.

E o que falar dos sucessos marcantes que se seguiram ao Psicoacústica ao vivo? A apoteose do rock nacional, a força gregária dos fãs próximos dos ídolos, a expertise e a virtuosidade da mítica banda que é nosso sol, nosso núcleo base, a ligação que recebemos em uma tarde vazia e que nos derruba como um flerte fatal. Claro que foi nesse momento que a plateia como uma avalanche tomou o gargalo e cantou junto com Nasi e Scandurra as canções que sempre acompanharam nossas vidas, nossas histórias. Como nossas histórias não são iguais, é importante ressaltar o carinho do Ira! com as bandas de Curitiba, citadas e homenageadas: Relespública, Escambau e Cigarras foram generosamente mencionadas nos microfones por Nasi e Edgard. O público, cativado pelos ídolos, emocionado, foi tratado como deve ser, com a luz destas estrelas e com a potência de um verdadeiro show de rock.

Ainda impactado pela experiência na plateia e com o desbunde de circular nas coxias desta mítica banda, corri para o camarim ao final do show. Lá encontrei a lenda, o Valadão, o influencer de receitas saborosas, bons vinhos, filmes e séries interessantes (sigam-no no Instagram!), que estava ali, sentado no sofá, absorvendo mais uma exuberante apresentação. Prontamente, muito generoso como sempre, ofereceu uma cerveja que levava o apelido dele, Nasi, uma APA com um toque de jambu, uma delícia! “É só pegar ali na geladeIRA”, com aquela voz inconfundível e um pouco rouca. Eu só agradeci e elogiei a performance bombástica do Ira! naquela noite. Com direito a cover do Black Sabbath!

E foi ali, ao lado destas lendas, com a cerveja do Nasi na mão, no camarim, que agradeci ao meu amigo Pelicano. Um sonho para qualquer fã dessa banda maravilhosa. Agradeci ao amigo pela oportunidade de aprender e de presenciar a história do rock nacional, em carne e osso, em atitude, som e muita potência. Obrigado, Pelicano!

Set list: “Rubro Zorro”, “Manhãs de Domingo”, “Poder, Sorriso, Fama”, “Receita Para Se Fazer Um Herói”, “Pegue Essa Arma”, “Farto do Rock’n’Roll”, “Advogado do Diabo”, “Mesmo Distante”, “Flores em Você”, “Tarde Vazia”, “Dias de Luta”, “Flerte Fatal”, “Pra Ficar Comigo (Train In Vain)”, “Vida Passageira”, “O Girassol”, “Eu Quero Sempre Mais” e “Envelheço na Cidade”. Bis: “Núcleo Base”, “Black Sabbath”, “Bebendo Vinho” e “O Bom e Velho Rock’n’Roll”.