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Tijolo por Tijolo

O empenho de uma família periférica para ganhar a vida como influenciadores digitais e ter dinheiro para a laqueadura da protagonista

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Olhar Filmes/Divulgação

Não raro nos deparamos com tendências estilísticas na produção cinematográfica brasileira. Esse é um movimento contínuo e sua identificação, uma das vigas do trabalho crítico. O passar dos anos revela com cada vez mais nitidez os inícios, meios e fins destes processos. Parece que Tijolo por Tijolo (Brasil, 2024 — Olhar Filmes), estreia mundial da recém-realizada décima terceira edição do festival curitibano Olhar de Cinema, enquadra-se em um movimento particular destes.

Um documentário aterrado e pouco intervencionista acompanha uma protagonista de alguma minoria social e presença política em sua região: uma premissa que, reduzida às características universais, tem se repetido com frequência. Neste caso, falamos de Cris, seu esposo, seus três filhos e um quarto que está por vir. Com a casa condenada, eles se empenham na construção de uma nova, batalham para ganhar a vida como influenciadores digitais e para garantir a laqueadura da protagonista.

Somos introduzidos a esta realidade desde a primeira cena, uma fala de Cris sobre sua realidade durante um culto religioso. A relação com a religião, inclusive, é outro ponto de tensão-naturalização que é assunto corrente de nossos novos cinemas. Aqui, é naturalizada. Da exposição, partimos à captura passiva da realidade da família, entrecortada com fragmentos da própria produção do casal e de seu filho, Caique. Dos pais, o que vemos são os stories e vídeos curtos que ilustram a jornada, enquanto Caique fala diretamente à câmera e, com ela na mão, nos leva a descobrir os cômodos ainda a construir de sua casa. 

Tais sequências são, talvez, as mais inventivas do longa-metragem. Se a direção de Quentin Delaroche e Victoria Alves opta por uma decupagem simples, que mais retrata situações do que aprofunda reflexões, os vídeos de Caique oferecem uma perspectiva, esta sim, singular, que nos revela como esta criança pensa, como sonha, como enxerga sua realidade.

Conhecemos Cris, Albert, Caique, Isaque, Helena e posteriormente Yasmin pelo apanhado geral das coisas que lhes acontecem. São carismáticos, é inegável, mas a proposta estética que guia nossa relação com eles parece pouco interessada em desvelar as camadas profundas de suas identidades.

Não há aqui tensionamento e indagação. Pelo contrário, Tijolo por Tijolo parece uma propaganda moral de sua protagonista. Um endosso de seu modo de viver a vida, sem mais nem menos. A questão problemática não tem nada a ver com Cris ou sua família, mas à postura irrefletida do filme enquanto janela àquela realidade. 

Não se questiona como a ideologia protestante individualiza o “querer ser rico” de Caique, ainda tão jovem, e isenta a matéria social de sua responsabilidade com as crianças da periferia. Ou como a teleologia da igreja impõe à mãe uma gestação indesejada, pregando que, se Deus quis, deve-se respeitar seu plano. O único discurso estabelecido acerca dos direitos reprodutivos e do direito ao corpo em Tijolo por Tijolo são de Cris, não do filme como matéria própria. 

É como se coubesse ao cinema, instituição cultural polimorfa, a validação de suas personagens e reflexões. Como se uma obra “a respeito de” alguém fosse limitada à extensão do gosto desse. Nos meandros deste problema, que retira do cinema sua capacidade de evocar sensações e conceitos ao chocá-los contra si mesmos, Tijolo por Tijolo se enfraquece e resulta em uma casa com belas paredes, mas uma fundação fraca.

>> Tijolo por Tijolo ganhou os prêmios de melhor montagem e melhor direção da mostra Competitiva Brasileira do 13º Olhar de Cinema e também o prêmio da crítica do festival

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