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Nyad

Annette Bening e Jodie Foster brilham na história da nadadora sexagenária e sua jornada hercúlea para um feito não realizado na juventude

Texto por Tais Zago

Foto: Netflix/Divulgação

Diana Nyad (Annette Bening) é uma mulher obstinada. Tudo em sua vida funciona como um relógio suíço. Suas atividades físicas, trabalho, e rotina são inflexíveis. Ela não acredita em desperdiçar sua vida com procrastinações e preguiça. Frequentemente cita a inaptidão de sua mãe em atingir objetivos e a empolgação de seu pai por seguir sonhos. Adora explicar o significado de seu sobrenome grego – Nyad é supostamente “uma ninfa da água – e contar suas histórias de vitória e superação como nadadora na juventude. Apenas uma coisa que desejou não conseguiu realizar: falhou na tentativa da travessia a nado de Cuba até Key West na Flórida quando tinha 28 anos. Esse fracasso a fez abandonar a natação por três décadas, seguindo profissionalmente como comentarista esportiva. 

Como toda pessoa sonhadora, Diana tem uma parceria que embarca em suas excentricidades. Bonnie (Jodie Foster) é a amiga de uma vida toda (e ex-amante) de Diana que está ao seu lado o tempo todo. Bonnie e Diana escolheram envelhecer juntas – para Bonnie, a situação está boa com seus afazeres, cachorros e atividades sociais. Mas para Diana, não. O fracasso e o trauma da travessia não concluída estão ali, como um espinho na pele. Ao completar 60 anos, decide, então, enfrentar seus medos, superar suas limitações e provar para o mundo (mas principalmente para si mesma) que a idade avançada não é uma barreira intransponível para realizar seu desejo. E esse é o início de uma longa e sofrida jornada que dura três anos até sua conclusão.

O casal de diretores Elizabeth Chai Vasarhelyi e Jimmy Chin pegou para si a tarefa de transpor para as telas de cinema a impressionante história e fizeram isso com sensibilidade e um tratamento autêntico em Nyad (EUA, 2023 – Netflix). A roteirista Julia Cox assumiu o roteiro e teve a consultoria de ninguém menos do que a própria Diana Nyad para a adaptação de seu livro. Diana e Bonnie participaram ativamente da produção do filme e aparecem nos créditos finais. E vendo as duas, confesso, Annette e Jodie fizeram um primoroso trabalho ao interpretar duas mulheres que não se deixaram vencer pela idade ou pelos obstáculos colocados em seu caminho. Nyad, em primeira linha, fala de etarismo e das dificuldades que principalmente mulheres maduras encontram para serem levadas a sério quando não aceitam a quietude da aposentadoria. Temos na tela duas mulheres de 60 anos, ativas, obstinadas e que encontram estímulo uma na outra para seguir em frente. Um quadro bonito de sororidade e de cumplicidade que nos comove. Em especial, Annette está muito bem no papel. Sua entrega e pesquisa a transformam em Diana.

Estamos diante de uma perfeita jornada do herói nos moldes que o cinema mainstream recebe de braços abertos. A obra é um drama esportivo com todos os elementos para nos prender do início ao fim, quer seja nos momentos mais duros do treino e das tentativas frustradas de Diana, no amor comovente de Bonnie, que daria a própria vida pela amiga, ou na dedicação do time que a nadadora juntou para elaborar a proeza da travessia. Nele está o navegador John Marlet (Rhys Ifans), que literalmente embarca na última aventura de sua vida.

Nyad vive da química entre Annette e Jodie, duas veteranas de dramas de high budget hollywoodianos. Elas não decepcionam. Formam um time único que vai do sofrimento ao humor acido em poucos minutos. As atrizes nos convencem ao interpretar a dupla que resolveu não se abater com a chegada da maturidade. O resultado deste trabalho está sendo visto nos prêmios mais concorridos da temporada o cinema – como no Oscar, com a dupla indicada a atriz principal e atriz coadjuvante.

Contudo, nessa façanha Bening está um degrau acima de Foster. Sua Diana é dura, direta e complexa, resultado dos abandonos e de abusos sofridos na infância, inclusive por seu treinador de natação. Annette conecta a insistência e transposição dos limites da dor e do que o corpo humano pode suportar com as sequelas que o abuso deixou na mente da protagonista. Adentramos um quase masoquismo como autopunição pelo abuso sofrido na pré-adolescência.

O filme, porém, não é easy watching: é um calvário com redenção no final, e com uma moral da história não obstante de Ted Talks, mas sem cair (demais) na falácia do coaching motivacional, que muito fala e pouco faz. Para colocar freios no ego de Diana, há a sempre atenta Bonnie, que a puxa para a realidade quando é necessário. Elas formam, assim, um verdadeiro dream team do sonho esportivo norte-americano.