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The Beatles: Get Back

Os bastidores do Rooftop Concert, que marcou a despedida da banda em show feito no terraço da Apple e chega agora aos cinemas brasileiros

Texto por Taís Zago

Fotos: Disney+/Divulgação

The Beatles: Get Back (Reino Unido/Nova Zelândia/EUA, 2021 – Disney+), é uma despedida. É sobre as sessões de filmagem dos ensaios dos Fab Four, em janeiro de 1969 no Twickenham Studio (depois no Apple Corps Studio), para o novo álbum com 14 músicas e para um projeto especial/documentário, que, em teoria, deveria marcar a volta da banda, mas que culminou com o fim dela com o famoso último show no terraço da AppleCorps em Londres. São três episódios divididos pelos 21 dias de filmagens, num total de 468 minutos de duração. O último deles, o tal Rooftop Concert propriamente dito, chega aos cinemas brasileiros em sessões especiais espalhadas por redes de dez cidades até o próximo domingo, 13 de fevereiro.

(ACHTUNG! Daqui dá pra pular direto pras conclusões finais para quem não tem paciência para as minhas chorumelas de fã ou não suporta SPOILERS de qualquer tipo).

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Tá aí ainda? So here we go

Primeiramente (dedinho em riste!), sou beatlemaníaca. Daquelas que detestou o filme piadista Yesterday ou a romcom Across The Universe, que lê tudo que acha sobre os caras e ama a música desde sempre (ou pelo menos desde que aprendi o que era música na infância). Então este texto não é isento de idolatria, não é imparcial e muito menos é justo com todos os envolvidos. É passação de pano. TEJEM AVISADOS!

“Segundamente”, quero deixar claro que não sou lá muito fã do estilo bigger/brighter/better/greater de Peter Jackson. O cara adora um filme que nunca acaba. As 7+ horas de O Senhor dos Anéis me pareceram mais longas do que ler a trilogia, que, casualmente, eu adoro e tem um local especial no meu coraçãozinho nerd

EPISÓDIO 1 – Dias 1 e 7

Começo logo com papo de groupie: o fenômeno Yoko Ono não pode ser ignorado. Ela estava em todo o lugar. Tava ali na frente da câmera costurando, comendo, escrevendo, pintando, escondendo a cara nas filmagens, cutucando o Lennon, deitando no ombro dele, sentada junto no banco do piano ou numa cadeira colada com a dele. Ela tava ali, quase como uma segunda pele do John. A única pessoa fora da banda e fora da equipe de produção com essa proximidade toda em todos os 21 dias de filmagens. Linda Eastman, assim como outras moças, também aparece, mas fica tirando fotos de longe, observando. É uma presença relaxante. Ela não reivindicou pra si quaisquer protagonismo e meio que alfineta a Ono nisso (tenho que registrar!). E não, não se trata de machismo: poderia ser o filho, a mãe, o namorado de qualquer um ali. Me pareceu um tanto intromissivo e inconveniente.

Já nos primeiros 15 minutos do episódio (e nos 15 últimos, com a Ono berrando no microfone no chamado “Freak Out”) isso me incomodou. Aí eu me perguntei: forçaram a barra pra provar a teoria do efeito Yoko Ono na edição? Quiseram tirar o fiofó do George, do Paul e do próprio John da reta na culpa pela separação? O Lennon obrigava a Yoko a ficar junto dele pra receber o tempo todo aprovação? Ou a relação dela com o Lennon era realmente a de dois carrapatos insuportáveis que não davam um peido sem o outro atrás cheirando? Eu não sei a resposta. Mas me deu incômodo me imaginar no lugar dos outros três músicos que estavam ali. Talvez porque eu seja uma pessoa que detesta ter alguém olhando por cima do meu ombro ou colado em mim enquanto trabalho. Se Lennon e Yoko fossem hoje um casal, acho que seriam daqueles com perfil compartilhado no fêice chamado “Yonnon/Leko”. Not a good picture. Pelo menos não para mim, que curto não ter um gêmeo siamês como par romântico. 

Eu também vi aqui claramente quatro caras que se sentem meninos e sentam no colo das suas mulheres (ou pelo menos John e Paul). Sim, tem aquela infantilização masculina clássica. Os Beatles não foram os primeiros e nem os últimos nisso. E não estou normalizando comportamento tóxico. As mulheres são forçadas em posições desconfortáveis, onde fatalmente são pintadas como bruxas por orbitarem em torno de seus reizinhos (que demandam isso delas).

Intrigas/fofocas/brigas à parte. Que banda, meus amigos! Que banda! Quem nessa vida já assistiu a alguma gravação, ou ensaio ou mesmo uma jam de músicos sabe do que tô falando. Eles eram uma fonte exuberante de criatividade e talento. O som não mente. A gente entende a grandeza dessa instituição que começou como uma boy band produzida pelo Brian Epstein. A gente escuta e vê, é trabalho, é cansaço, é um estresse tremendo, mas também é prazer. A gente enxerga isso nos olhares trocados, nas discussões, nos sorrisos, nas lembranças. O talento flui dos dedos e das bocas.

Mas sim, também é (era) NEGÓCIO. Dinheiro pra muita gente. Muito dinheiro. As trivialidades do backstage de uma banda mundialmente famosa: onde fazer show? Qual figurino? Com ou sem barba? Qual música? Vale cavocar na caixinha das esquecidas? E as lembranças que elas trazem?

Perto do final do episódio, George abandona a banda. John atira: “Se ele não voltar, chamamos o Clapton”. Fade out.

EPISÓDIO 2 – Dias 8 a 16

A pressão sobre a banda é imensa, principalmente a vinda da parte do diretor das filmagens, o tal mala, wannabe vilão do charuto Michael Lindsay-Hogg. Em 1969, as pessoas ainda não viviam em tempos onde se tem responsabilidade emocional (na maior parte, ainda elas não têm). Os produtores não medem as palavras, dão na lata que já faz quatro anos desde o último álbum-show e que esse tem que dar certo. Paul e John já estão afastados. John vive na bolha cor-de-rosa dele com a Yoko. Paul ressente o fato da banda não funcionar como um relógio suíço. Ringo e George não têm o mesmo protagonismo. Mas George foi o primeiro a levantar acampamento, principalmente pelas implicâncias de Lennon.

Numa reunião com a presença de Linda, rola uma reclamação sobre a Yoko falar pelo John. Não sei se foi proposital (por estar na frente das câmeras) ou não. Paul sai em defesa do young love dos dois. Fica claro que John tem dificuldades de conciliar seu amor pela Yoko e a dedicação necessária para os Beatles. O problema é, obviamente, o conflito de John. Alguém curte que alguma pessoa fale no lugar de um colega de trabalho/amigo? Eu não curto. E detesto que falem por mim. Talvez John não tivesse coragem de expor o que realmente sentia aos colegas de banda (chegou a pincelar esse assunto numa conversa com Paul) e usou Ono pra isso – ou não. Aqui as versões divergem, dependendo do testemunho. Porém fica claro que todos se sentem incomodados com a onipresença e a interferência da Ono. Machismo? Não sei. Nesse ponto restaram dois beatles: Ringo e Paul. E ninguém parece saber como continuar. Linda tenta participar das discussões e Paul rebate: “Fique fora disso, Yoko!”. Todos riem, inclusive Linda.

Outro take, outro dia. Do nada, aparece Peter Sellers pra um chit chat com John, Ringo & Paul. Assim como aparece, também some. Nonsense e encheção de linguiça. Aqui Peter Jackson mostra a sua incapacidade de síntese.

Os Beatles pleiteam a volta de George e John e mudam as gravações para os estúdios da Apple Corps e abandonam a ideia do especial para a TV. As coisas parecem melhorar. 

Ear candy pros fãs: começam as gravações, e a gente se sente um mega stalker adentrando solo sagrado. “Don’t Let Me Down”, “She Came In Through The Bathroom Window”, “Oh Darling”, “Get Back”, “Across The Universe”, “Dig A Pony”, “The Long And Winding Road”, “I’ve Got a Feeling”, “Two Of Us”, “Let It Be”. Tem tudo ali, como sai, como foi criado. Assim como a aula sobre centenas de artistas (muitos de blues) que inspiraram o som dos Fab Four. Lennon/McCartney é a dupla criativa dos sonhos (pelo menos para mim), George também tem suas participações, mas Ringo é quase um baterista contratado, sua contribuição não é extensiva. Se isso já não fosse claro antes, fica muito óbvio em “Get Back”. Assim como a assimetria das suas sobrancelhas.

Mas a força motriz, que finalmente impulsiona as gravações, chega na figura de Billy Preston (tecladista de Little Richard). Amigo de longa data dos Beatles (ainda do tempo da turnê em Hamburgo), ele assume o piano e parece resolver o último impasse técnico-criativo nas gravações. Oficialmente, Billy passou no estúdio apenas pra dar um “oi”. E ficou. Billy vira o quinto beatle no álbum. 

No impasse sobre o show/apresentação ao vivo para a TV previsto no começo das filmagens, todas as sugestões dadas são abandonadas, para o descontentamento de Paul. O que vejo é que ele simplesmente não queria que a experiência acabasse sem uma apresentação da banda. Interesse comercial? Apego saudosista? Whatevah. Achei fofo, sim. No final, alguém surge com a ideia de fazer o show no rooftop da Apple Corps. Paul se entusiasma na hora.

EPISÓDIO 3 – Dias 17 a 22

O terceiro episódio inicia com um raro momento somente entre Ringo e George, quando Ringo apresenta pra ele “Octopus’s Garden” ao piano. John chega e assume a bateria. Mais um clássico surgindo da jam das filmagens para o Abbey Road de 1969 (não tô citando nem de longe tudo que os quatro nos apresentam nessas oito horas de documentário… Watch and hear!).

Heather visita o estúdio com Paul. Primeira e única criança a fazer aparição no reality. Tem momentos fofura dela com a banda, inclusive no colo de Paul com ele tocando “Let It Be” ou brincando na bateria de Ringo. Mas assim como aparece ela some de novo e daí temos pela terceira vez (uma por episódio) a Yoko Ono berrando desafinada no microfone, no que chamam de “Freak Out”(imagino que fosse um exercício de descontração para todos). Pessoalmente esse seria o momento que eu, estando na produção, sairia pra fumar um baseado na rua ou tomar um rivotril. Imagino que tenha muita gente que deva achar os grunhidos e gemidos da Ono uma performance poderosa e libertadora. Count me out, eu não acho.

As discussões em torno dos aspectos técnicos das gravações são incessantes. Principalmente Paul mostra insatisfação com os PAs. A captação do som não é satisfatória: os quatro reclamam que não se escutam. Paul se coloca o tempo todo sob pressão e, como não teria como deixar de ser, quem se coloca sob enorme pressão exerce essa mesma pressão nos outros. Paul é um perfeccionista. Ainda não enxergo a pura ambição financeira, apenas a (auto)exigência artística. Portanto, acusar Paul de pensar apenas nos Beatles como uma “empresa” (como ele é frequentemente acusado) é um tremendo erro de julgamento (do ponto de vista de uma fã).

George apresenta “Something”, na qual ele trabalhou nos últimos seis meses. E a gente se derrete escutando. Só não derrete quem é feito de pedra diante de tanta doçura. Billy Preston testa um stylophone trazido pelo John ao estúdio. O mesmo modelo que dei de presente pra alguém num passado longínquo, o prateado original. Get Back is also forcing me back to old memories. Faz parte.

Paul fala: “O melhor de nós sai quando estamos sob pressão. With our backs against the wall”. Não acho que isso se aplique aos quatro da mesma forma. E, contrariando expectativas, John concorda com Paul. O ponto de divergência parece ser bem mais George. Ringo segue sendo Ringo, entrega o que se espera dele sem drama e sem crises. John quer mais pelo menos seis semanas no estúdio.

Dia 20 das gravações e apenas sete músicas são consideradas “prontas”. Michael, o “diretor” do filme, é uma figura extremamente irritante. Vemos aqui os tempos pré-reality/documentário de música, quando a expectativa é apresentar uma imagem polida e ordenada da banda. George não quer subir no terraço para a apresentação, contrariando os outros três que curtiram a idéia. Eles começam a ensaiar para o show.

Abbey Road encontra Let It Be. George quer partir para a carreira solo. “Fuck all that, I’m gonna do ME for a bit.”

Chega o dia do antológico Rooftop Concert. Câmeras foram posicionadas no prédio do outro lado da rua da Apple Corps. Dentro do estúdio, Glyn Johns (engenheiro de som) se prepara para gravar a apresentação. As pessoas começam a se juntar em telhados e na rua em frente ao prédio e a espicharem pescoços nas janelas. Em meia hora de show, a polícia londrina recebe 30 chamados de perturbação do silêncio. A produção faz o que pode pra impedir que os coppers invadam o terraço e acabem com a festa.

A partir daqui nem tem como narrar mais nada. Só ouvir mesmo. Esse spoiler eu não dou. É só arrepios.

The End.

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CONCLUSÃO (pulem pra cá se vocês não tiveram saco pro textão):

The Beatles: Get Back é sobre reminiscências. É uma espécie de ajuste de contas poético. Me senti uma penetra. Mesmo sem estar ali na cadeira entre Paul e John (como a Yoko Ono aparece em vários takes). Eles tinham um mundo só deles, por mais que divergissem em quase tudo. E eu admiro essa conexão, mesmo sabendo do risco e da intensidade desse tipo de comprometimento e suas consequências.

A qualidade de som e vídeo, a maestria de combinar o som com as imagens é indiscutível. É uma obra impecável (não esperaria diferente dessa parceria Disney/Jackson). Geral anda chamando Get Back do “Melhor Reality do Mundo”. Pra mim vai além, é uma documentação histórica.

Vale a pena, mas só pros fãs (tanto dos Beatles como do processo de criação musical). O que já inclui MUITA GENTE. 

Quem tem ranço dos Beatles ou não tem paciência para o formato “ensaio”/reality involuntário, já aviso: fica longe. Tu vai dormir.