Sozinha no palco, diva-dominatrix provoca os fãs e os faz obedecerem-na até quase chegar às lágrimas
Texto por Fábio Soares
Foto: Marcos Toshiro e Thiéri Lopez
Esqueça a fase “marry me”: o período introspectivo que envolvia o álbum de estreia permeado por momentos depressivos de Annie Clark acabou de vez. Aos 25 anos de idade na época e recém-saída do combo sonoro Polyphonic Spree e da banda de apoio de Sufjan Stevens, provavelmente ela carregava consigo todas as angústias de alçar voo solo. O tempo passou, Annie, que atende agora pela alcunha de St. Vincent, abocanhou um Grammy no último mês de fevereiro e, agora em abril, pousou em São Paulo para duas apresentações: no Lollapalooza em Interlagos nesta sexta (5) e no sideshow no Cine Joia, um dia antes. É desta apresentação fora do festival da qual trataremos aqui, aliás.
Era grande a expectativa dos cerca de 800 presentes à casa de shows na Zona Central de São Paulo nesta quinta-feira. Após aclamadas apresentações nas edições chilena e argentina do festival, Annie Clark tinha a chance de um show mais intimista mas não necessariamente com menos energia. Adentrou o palco com seu habitual figurino dominatrix, desta vez em versão vermelha (que parece rosa com a iluminação do palco). Sozinha no palco e apoiada somente por pistas pré-gravadas, abriu a apresentação com “Sugarboy”, faixa do aclamado MASSEDUCTION.
O álbum, de 2017, é a base do show e não poderia ser diferente. Se autorreinventando a cada disco lançado, a cantora parece ter encontrado sua melhor versão em seu “filho” mais recente. Como não tem banda a acompanhá-la, seu lado guitar hero vêm à tona como nunca. Exímia guitarrista, conseguiu criar um peculiar modo de manipular seu instrumento, explorando inimagináveis escalas para faixas dance. Seu arsenal de guitarras também chama a atenção: tem apenas a linha Ernie Ball, assinada por ela, com desenho futurista e visual espetacular, em várias cores.
Voltando à apresentação, sua performance falava por si: ela sorria o tempo todo, provocava a plateia, dava voz a uma personagem que já está eternizada em um patamar de excelência. “Los Ageless”, “Pills” e “Savior” prepararam (muito bem) o terreno para a faixa-título e que botou três quartos do mundo para dançar no biênio 2017 e 2018.
“Masseduction” é um daqueles hinos que marcam uma década inteira. Impossível ficar parado com sua batida marcial permeada pelo refrão “I can’t turn off what turns me on/ I hold you like a weapon/ Don’t turn off what turns me on” (“EU não posso desligar aquilo que me excita/ Eu seguro você como uma arma/ Não desligue aquilo que me excita”). O “efeito chiclete” está consolidado para nunca mais sumir. A belíssima “Marrow”, do álbum Actor (2009) foi propositalmente posicionada após o arrasa-quarteirão para manter a “bola” da audiência lá em cima. O clima de balada (que bom!) estava no ar e permaneceu assim. Hipnotizado pelo modus operandi “mão na massa” da cantora, o público respondia a cada gesto seu. Depois vieram três de suas canções mais populares: “Cruel”, “Digital Witness” e “Birth In Reverse”
Já lá para o final do repertório, “Fast Slow Disco”, espécie de irmã mais velha de “Masseduction”, manteve a atmosfera de catarse, entregando o bastão para “Fear The Future”. A faixa, exponenciada por projeções psicodélicas nas paredes do antigo cinema, foi o epílogo da extremamente dançante primeira parte da apresentação.
Preparando para o bis, o lado o intimista da cantora veio à tona. “New York” deu as cartas acompanhada de uma emocionada interpretação não muito diferenciada de “Happy Birthday, Johnny”, que encerrou de vez a passagem dela pelo Cine Joia. Sentada à beira do palco e despida de qualquer personagem, St. Vincent voltou ao Planeta Terra e quase veio às lágrimas com os versos “Of course, I blame me/ When you get free, Johnny/ I hope you find peace” (“É claro, eu me culpo/ Quando você se libertar, Johnny/ Espero que encontre paz”).
Ao todo foram noventa inesquecíveis minutos para os presentes. Fica a sensação de que se viu a História. St. Vincent jamais se esconderá sob a sombra da expressão “musa sexy“. É uma ourives à procura da melodia e estética perfeitas e não descansará enquanto não alcançá-las. Sorte a nossa.
Set list: “Sugarboy”, “Los Ageless”, “Pills”, “Savior”, “Masseduction”, “Marrow”, “Cruel”, “Cheerleader”, “Digital Witness”, “Rattlesnake”, “Birth In Reverse”, “Fast Slow Disco”, “Fear The Future” e “New York”. Bis: “Severed Crossed Fingers”, “Prince Johnny” e “Happy Birthday, Johnny”.